domingo, dezembro 28, 2008

A Feiticeira de Florença, de Salman Rushdie

Quando, há cerca de 20 anos, li Os Filhos da Meia-Noite, foi amor à primeira vista; durante anos esperava ansiosamente cada novo livro de Salman Rushdie e, embora gostasse mais de uns do que de outros, senti as minhas expectativas geralmente satisfeitas, até O Chão Que Ela Pisa me ter parecido muito desinteressante. Depois desse, não gostei de Fúria, e Shalimar o Palhaço , recuperando algum vigor, estava muito longe de Rushdie no seu melhor. Assim, foi com um misto de curiosidade e de receio que comecei a ler A Feiticeira de Florença – seria o regresso do meu encantamento por Rushdie ou mais um desencanto? Termos tanto mais apropriados num livro cujo título original é The Enchantress of Florence, e cuja narrativa é feita à moda dos antigos contos das Mil e Uma Noites, desenvolvendo-se lentamente a partir de belas frases repletas de pormenores evocando luz, cor, sensações, riquezas e belezas fabulosas de uma Índia Mogol e de uma Florença renascentista não menos maravilhosa.

Como nos contos das Mil e Uma Noites, que frequentemente começam insidiosamente e de súbito nos mergulham num turbilhão de peripécias, fui lendo capítulo após capítulo à espera desse momento de encantamento. Quando dei por mim a preferir pegar num número de uma revista médica (que nem sequer era o meu bem-amado New England Journal of Medicine!) em vez de no romance de Salman Rushdie, e reparei que este já ia a mais de um terço, resignei-me à ideia de que esse momento não chegaria – como não chegou.

Não é o que o livro seja mau, é simplesmente médio, e um bocado maçador. Os livros de Salman Rushdie utilizam geralmente uma história para expor / criticar uma situação – a Índia dos anos 60-70 em Os Filhos da Meia-Noite, o Paquistão em Vergonha, o fundamentalismo islâmico e o Irão em Os Versículos Satânicos e Harun e o Mar de Histórias, a Caxemira e o novo terrorismo em Shalimar, por exemplo. Mas havia sempre duas características: a história e as personagens eram interessantes e fortes por si próprias, sem um didactismo óbvio, e havia sempre algo de orgânico, visceral, no tom da sua escrita, mesmo em livros de que gostei pouco com Fúria ou O Chão Que Ela Pisa. Neste A Feiticeira de Florença, a história é chocha, as personagens quase todas simultaneamente caricaturais e vagas, os “toques” de "realismo fantástico" parecem pinceladas aqui e ali para dar “pitoresco”, e a sensação geral com que se fica é de aborrecimento. É certo que a intenção de fundo é “boa”, no sentido em que as ideias sobre a tolerância e a religião expressas pela personagem de Akbar são dignas de ser expostas e defendidas (como nestas passagens: "Se nunca tivesse havido um Deus, pensou o imperador, poderia ser mais fácil entender o que era o bem. Esta questão do culto, da renúncia a si próprio peranto o Todo-Poderoso, era uma distracção, uma falsa pista. Onde quer que o bem estivesse, não era na obediência ritual, irracional, perante uma divindade, mas sim, talvez, na descoberta lenta, desajeitada e juncada de erros de um caminho individual ou colectivo." ou "O futuro não seria aquilo que ele esperara, mas sim um lugar seco, hostil, antagonista, onde as pessoas sobreviveriam o melhor que podiam, odiariam os vizinhos, esmagariam os seus lugares de culto e voltariam a matar-se umas às outras no renovado calor da grande disputa a que ele procurara pôr termo para sempre, a disputa acerca de Deus. No futuro era a aridez, e não a civilização, que reinaria."), mas sabe francamente a pouco. Ainda tenho de esperar mais uns anos para voltar a ser “agarrado” por um livro de Rushdie.

sábado, dezembro 13, 2008

Separation




Your absence has gone through me
Like thread through a needle.
Everything I do is stitched with its color.


(Um poema que me tocou particularmente, conciso e elegante como um haiku. Não conhecia William S. Merwin, o autor, descobri-o no site Poem of the Week. Lindo.)

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Paul of Dune, de Brian Herbert e Kevin J. Anderson

Descobri o universo de Dune relativamente tarde, quando o meu entusiasmo juvenil pela ficção científica estava já em declínio. Mais exactamente, foi através do filme de David Lynch, que vi salvo erro num ciclo de cinema da Gulbenkian, em 1984 ou 1985. Gostei da história e do ambiente do filme, de modo que depois li o livro; talvez porque o li depois de ver o filme, acho este uma adaptação muito boa, e sempre fiquei a imaginar o universo e as personagens de Dune com as imagens do filme - os cenários, os vermes, as indumentárias Fremen; e as personagens de Paul, Jessica, Gaius Helen Mohiam ou Irulan sempre terão na minha cabeça os rostos de Kyle MacLachlan, Francesca Annis, Sian Phillips e Virginia Madsen. Como gosto sempre de conhecer o seguimento das histórias que aprecio, fui encomendando e lendo nos anos seguintes os outros livros da saga - estupidamente esqueci-me do último, que nunca cheguei a ler (também sinal de que o interesse foi esmorecendo).

Há algumas semanas - muitos anos depois de ter lido Heretics of Dune, o último volume da série que li - quando, tomado por um apetite de ficção, fui à Fnac comprar livros, deparei na prateleira dos paperbacks em língua inglesa com este Paul of Dune, um dos vários livros acrescentados à série pelo filho de Frank Herbert com a colaboração de Kevin J. Anderson (este último, pelo que percebi, escreve livros baseados em outras séries, como a de Star Wars); tive curiosidade de mergulhar novamente no universo de Dune e nas aventuras de Paul Atreides e comprei-o.

Não fiquei decepcionado; é um livro de aventuras bem estruturado, que segue fielmente o universo criado por Frank Herbert. O meu interesse pela série tinha esmorecido em grande parte porque achei - e ainda acho - que a certa altura o autor complicara demasiado as histórias e começara a repetir-se de alguma forma, levando-se demasiado a sério, ou seja, sendo demasiado ambicioso no simbolismo e grandiosidade, ultrapassando largamente a sua capacidade (lembro-me de pensar, quando lia Heretics of Dune: "mas será que estas personagens não conseguem falar ou pensar sem ser como se estivessem a citar Shakespeare ou tratados de Filosofia?"). Isso não diminui, no entanto, a excelência do primeiro livro, Dune, nem o mérito de ter criado um verdadeiro universo ficcional de imensa riqueza, desde a ecologia à linguística; como li algures, F. Herbert está para a ficção científica como Tolkien para a fantasia.

Acho que ainda vou colmatar o meu esquecimento de Chapterhouse: Dune e talvez ler outros acrescentos de Brian Herbert e Kevin Anderson, que isto de leituras, como dizia alguém que me era muito próximo, não é só ler Kafka!

domingo, dezembro 07, 2008

Copenhaga



Há férias que nos deixam uma impressão particularmente forte de felicidade, por vezes sem nenhuma razão especial. Esta curta viagem a Copenhaga foi uma delas; apesar de se tratar de um sítio completamente diferente, senti-me tão feliz como na luminosa Granada. Penso que foi uma conjuntura de diversos factores particularmente afortunada - a cidade muito bonita na suave luz outonal, o frio cortante mas limpo e revigorante, o ambiente civilizado e acolhedor, a companhia (claro!)...

Nunca tinha estado em nenhum país escandinavo, e foi uma agradável surpresa. Esperava talvez que tudo fosse demasiado arranjadinho, mas o que me ficou foi uma impressão de civilização no seu melhor sentido e de grande qualidade de vida, uma população socialmente muito homogénea, um sítio onde deve ser agradável viver, mesmo com o frio e a falta de luz no Inverno.

Gostei da arquitectura sóbria mas colorida, dos velhos edifícios em tijolo vermelho, dos barcos ao longo dos cais, das esplanadas com mantas para aquecer as pernas, das bancas com os enfeites de Natal, do cheiro a amêndoas torradas e a especiarias, das velas por todo o lado (não admira que tenha havido tantos incêndios em Copenhaga ao longo dos séculos...), dos campanários das igrejas, da combinação de linhas e cores dos telhados vermelhor, pretos e verdes vistos do cimo da Rundtärn. A língua é feia e difícil de compreender, mas a palavra hygge vai sempre ficar-me na memória como traduzindo um conceito muito especial que senti durante a estadia.

Até me soube bem ir ao Tivoli - eu, que sempre detestei parques de diversões - pela beleza das iluminações e das bancas de Natal. Um passeio a Christiania deprimiu-me - um ar tão decadente, desleixado e desconfortável; que estranhas são as pessoas que vivem numa cidade tão agradável e criam voluntariamente para si uma espécie de bairro da lata. E provavelmente quando estiverem doentes ou verdadeiramente indigentes, saem de lá e beneficiam dos sistemas sociais "burgueses". Ainda fui uma tarde a Malmö, um passeio prejudicado pela chuva - a Suécia foi-me menos hospitaleira - e gostei bastante menos do que de Copenhaga, embora também tivesse umas belas praças. De qualquer forma, fiquei com vontade de visitar Estocolmo e a Noruega.

Pois é, viajar é um dos maiores prazeres da vida, e permite-nos a experiência de passar de sítios como Marraquexe para outros como Copenhaga.

sexta-feira, novembro 28, 2008

O Palácio do Desejo, de Naguib Mahfouz

Mais um livro para me reconciliar com a ficção. O Palácio do Desejo é o segundo livro da Trilogia do Cairo, de Naguib Mahfouz. O primeiro é Entre os Dois Palácios, que li há algum tempo. Os nomes dos livros referem-se a bairros do Cairo - este segundo chama-se Qasr el-Shawq no original. Sempre gostei de sagas familiares, e esta é de excelente qualidade; ler o segundo livro é ainda melhor do que ler o primeiro, pois já nos sentimos familiarizados com as personagens e o ambiente. Como toda a boa ficção, esta transporta-nos a um mundo diferente do nosso, no qual entramos gradualmente e que se torna vivo e real. As personagens são extremamente humanas e reais, a escrita viva e expressiva. A cultura e o modo de vida revelados são muito diferentes dos nossos, e Mahfouz faz-nos compreendê-la e amá-la à medida que nos vai familiarizando com ela - de certa forma, fez-me lembrar a forma como os livros de Mishima revelam a cultura e a sociedade japonesas, ou A Suitable Boy, de Vikram Seth, a indiana, igualmente estranhas à nossa. Em resumo, muito bom, e fico com vontade de ler o terceiro.

terça-feira, novembro 25, 2008

Museu Nacional de Arqueologia


O Museu Nacional de Arqueologia é pequeno, mas vale bem uma visita. Para já, fica numa excelente localização - o Mosteiro dos Jerónimos, um dos monumentos mais bonitos de Portugal, numa das zonas mais bonitas de Lisboa - e a colecção, sendo pequena, tem peças muito interessantes. A colecção egípcia é modesta mas as peças são boas - melhor em Lisboa, só na Gulbenkian - e incluem a única múmia que penso haver no nosso país - fraco, se se pensar nas dezenas de múmias do British Museum, por exemplo, mas sempre é uma amostra. A sala do tesouro tem uma boa colecção de peças de ouro, com muitos belos torques e um colar belíssimo que parece uma obra de arte moderna, e a colecção romana é pequena mas bem representativa. Para terminar, a loja é bastante boa, e pode-se sempre aproveitar para visitar a igreja do mosteiro e o claustro, um dos mais belos da Europa.



segunda-feira, novembro 24, 2008

Satisfações


Depois de um dia de intenso trabalho, apesar do cansaço físico, fica-me sempre uma agradável sensação de satisfação e de realização. Não é só pelo sentimento de obrigação cumprida ligado à ética protestante de que por vezes sou acusado, ou pelo facto da imersão no trabalho me fazer abstrair de outros problemas. É porque gosto realmente do meu trabalho. Nunca me arrependi da especialidade que escolhi; pelo contrário, quanto mais passam os anos e aumenta a experiência mais me congratulo pelo acerto da escolha. Combina todos os elementos que aprecio e me estimulam na Medicina: uma matéria intelectualmente estimulante, doentes graves pelos quais se pode fazer alguma coisa, seguimento longitudinal de doentes crónicos, o que permite uma relação humana e familiar que é uma das satisfações da profissão, e o exercício de técnicas e intensivismo qb. Hoje apeteceu-me escrever sobre isto porque na minha última urgência tive uns poucos de doentes muito graves, um deles num estado de instabilidade com o qual felizmente não tenho de lidar todos os dias, do tipo em que se sente que cada gesto ou decisão, a cada 10 minutos, faz diferença. Acho que só quem tenha trabalhado em cuidados intensivos percebe bem o que se sente nessas alturas, são momentos simultaneamente angustiantes e exaltantes, pela responsabilidade e pelo imediatismo dos efeitos das nossas acções.
Ao contrário do que muita gente pensa, incluindo médicos, o trabalho numa unidade de cuidados intensivos é a maior parte do tempo bastante rotineiro e calmo, e a ausência de contacto com doentes que falam, e sobretudo a falta de seguimento longitudinal de doentes crónicos, nunca me atraiu particularmente. É por isso também que a minha especialidade me faz sentir realizado - lido com doentes graves, por vezes com as emoções do intensivismo, mas mantendo o contacto pessoal com os doentes que também me é tão gratificante. Sempre gostei imenso dos tempos de consulta, em que num período limitado de tempo se tenta orientar os problemas dos doentes da melhor forma que sabemos. E sinto uma especial satisfação ao reencontrar, ao longo de meses e anos, pessoas que vou conhecendo cada vez melhor, com as quais se estabelecem laços de uma certa intimidade e às quais sinto que faço alguma dferença, ao contribuir de alguma forma, mesmo que muitas vezes incompleta e limitada, para o seu bem estar.
Enfim, alegrias da Medicina...

sexta-feira, novembro 21, 2008

(Uma espécie de) Marley & Eu


Ele não se chama Marley, nem é um labrador (nem um boxer, ao contrário do que muita gente pensa, mas sim um perdigueiro português). Mas faz-me no entanto lembrar muitas vezes do protagonista do livro de John Grogan. Não é muito esperto, é muito bruto, e nos seus meses de maior energia de cachorrice revelou-se um verdadeiro vândalo, esventrando sofás, despedaçando almofadas, estraçalhando colchas e lençóis, roendo até paredes. Muitas vezes me provocou acessos de desespero e houvemomentos em que maldisse a hora em que decidi dar um sucessor ao meu saudoso épagneul breton.
Mas é tão bonzinho, tão meigo e afectuoso, que quando se encosta a mim a pedir festas e passo as mãos pelo seu focinho macio e quente lhe perdoo tudo. Ou quando me olha com aqueles olhos claros tão incondicionalmente dedicados, ou quando franze o sobrolho de um modo que lhe dá uma expressão tão cómica de seriedade num cão tão pateta. Derreto-me e penso que ao fim e ao cabo posso sempre substituir as almofadas e, agora que ele já fez 2 anos e acalmou bastante, posso esperar pela Primavera para estucar e pintar de novo as paredes. Será que, como diz a minha empregada russa, tenho mesmo "um coração mole"? Talvez, em certos aspectos.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Outono


Gosto do Outono. Gosto das folhas secas a cair e espalhadas pelo chão, do cheiro da terra molhada depois das primeiras chuvas. Mas sobretudo gosto do regresso do frio, das manhãs límpidas e húmidas em que uma neblina suave cobre o rio, revelando ao desvanecer-se um azul limpo e claro. Lisboa tem uma luz espectacular, seja de manhãzinha ou ao fim da tarde, quando as casas e as igrejas ficam douradas por uma luz quente e avermelhada. É um verdadeiro repouso para os sentidos, depois da luz forte e do calor opressivo do Verão. Não que este Verão tenha sido muito quente, foi felizmente misericordiosamente benigno. Que me perdoem os frustrados adeptos da praia e do calor, mas o frio sabe-me muito melhor.

domingo, novembro 16, 2008

Guerra, SA, de Joshua Seftel

Um filme muito interessante, uma sátira violenta em traço grosso para ilustrar um dos problemas expostos no livro de Naomi Klein que li recentemente - o outsourcing da guerra a empresas privadas e a indecente exploração da destruição pelas grandes corporações. É arrepiante saber que o problema é bem real e que não parece estar a melhorar nada, antes pelo contrário. Mas é muito importante que as pessoas se apercebam dele, tal como dos outros resultantes do sucesso da implementação da Shock Doctrine e do capitalismo desregulado. Talvez assim se acabe por inverter a tendência... (Wishful thinking...)

quinta-feira, novembro 13, 2008

A propósito de uma citação de Chateaubriand

Estou a ler Mémoires d'Outre-Tombe, de Chateaubriand, e deparei a certa altura com este parágrafo, que transcrevo: Ceux qui me traitent
d'hypocrite et d'ambitieux me connaissent peu: je ne réussirai jamais
dans le monde, précisément parce qu'il me manque une passion et un
vice, l'ambition et l'hypocrisie. La première serait tout au plus chez
moi de l'amour-propre piqué; je pourrais désirer quelquefois être
ministre ou roi pour me rire de mes ennemis; mais au bout de
vingt-quatre heures je jetterais mon portefeuille et ma couronne par
la fenêtre.

Senti-me identificado com esta passagem. Com efeito, a hipocrisia é-me extremamente difícil, sou constantemente censurado por ser demasiado franco, "desbocado" mesmo; padeço talvez de um espírito crítico demasiado afiado, e não tenho pejo de exprimir as minhas opiniões nem de desmascarar a mediocridade. Em relação à ambição, também me falta, pelo menos aquela que é necessária para ter sucesso (para réussir dans le monde, como diria Saint-Simon). Quando era mais jovem, e comecei a trabalhar, era muito mais ambicioso, achava que tinha capacidade para réussir dans le monde e esperava consegui-lo; mas à medida que fui conhecendo esse "mundo" (no meu caso, o dos colégios de especialidade, universidade, Ordem dos Médicos), este pareceu-me tão ridículo, afectado e medíocre (parochial é um bom adjectivo), como dizia um antigo chefe meu, tão imbuído de um espírito jesuitico-coimbrão, que cedo achei que seria inútil sequer tentar alterá-lo. Mantenho-me assim de certa forma um outsider - faço o que acho correcto, exponho as minhas opiniões sem vergonha, e contento-me com o meu trabalho que me realiza e me faz sentir bem. Lembro-me da primeira - e última - assembleia do colégio da especialidade a que assisti. Senti-me de tal forma deslocado perante o acervo de hipocrisia e politiquices ridículas que decidi nunca mais comparecer. E penso que, infelizmente, este espírito não é exclusivo da classe médica, é uma característica do provincianismo nacional, e está de tal forma arreigado que penso que não desaparecerá nas próximas gerações. Lembro-me de pensar na altura que o motivo porque estas vetustas instituições (neste caso a Ordem dos Médicos e os colégios de especialidade, mas penso que se aplica às instituições portuguesas em geral) nunca mudam é porque as únicas pessoas que têm paciência para fazer parte delas são aquelas que pensam da mesma forma, e portanto vão perpetuando o status quo. Claro que há aqui e ali um espírito mais corajoso e empreendedor, que luta contra a corrente, mas infelizmente eu não tenho a apersistência suficiente para ser um deles. Limito-me a agir na minha esfera imediata de influência, que é bem pequena, e não é com orgulho que o afirmo. De qualquer forma, acho que é melhor que nada.

terça-feira, novembro 11, 2008

O Meu Nome é Vermelho, de Orhan Pamuk

Um bom livro, que teve o condão de me reconciliar com a ficção, já que nos últimos meses andava a ler quase exclusivamente memórias, clássicos ou livros de informação - depois deste já estou lançado no segundo volume da Trilogia do Cairo, de Naguib Mahfouz, e comprei mais alguns romances, com vontade de os ler. Demorei um pouco a "entrar" no livro, mas depois gostei bastante - pequenos capítulos com vários narradores, sucedendo-se como as miniaturas persas que são o tema do livro, organizadas à volta de uma história de crime e intrigas na Istambul do fim do século XVI. E ao longo do texto - ou vários textos, se cada narrador tivesse uma voz diferente, mas, e nesse aspecto penso que o autor não conseguiu totalmente o seu objectivo, quase todos falam da mesma forma - vão sendo expostos os verdadeiros temas do livro: a ideia da arte e dos seus objectivos, o conflito entre a tradição e a inovação, a tolerância e o fundamentalismo, a infiltração dos valores ocidentais na civilização muçulmana.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Um bom resultado, para variar!


Finalmente, um bom resultado nas eleições americanas, depois do golpe constitucional de 2000 e do desastre de 2004 que nos deram 8 anos de um dos piores presidentes de sempre. Sabe bem acordar com uma perspectiva optimista, mesmo sabendo que as coisas não vão mudar de um dia para o outro. Mas é sem dúvida uma grande melhoria! Para já, congratulemo-nos com a vitória de Obama e com o bom sinal de os americanos se terem mobilizado para votar na mudança e contra a política de Bush.

domingo, novembro 02, 2008

Uma visita ao Museu Berardo



Fui hoje pela primeira vez ver o Museu Berardo, instalado no CCB. Penso que a exposição actual da colecção, Não te Posso Ver Nem Pintado, é apenas uma parte, espero que não a melhor. Quando vejo estas exposições, fico sempre com a ideia de que a arte contemporânea está num beco sem saída, de que há uns 50 ou 60 anos que não há ideias novas e de que, embora aqui e ali se encontrem trabalhos interessantes (e também vi alguns hoje), a esmagadora maioria é confrangedoramente má, sofrendo da tentativa patética de impressionar, chocar, ou de procurar uma originalidade postiça. Talvez eu seja muito filisteu, mas de facto este tipo de arte raramente me agrada - e eu até sou um grande admirador de arte moderna.

Vi também uma exposição, Desenhos de Escritores, que achei muito pobre. Seria bem mais interessante uma exposição - ou várias - de pintores integrados em movimentos que também incluíssem literatura. Mas obviamente não se pode gostar de tudo.

Enfim... Tirando o espaço, que é um excelente espaço de exposição, acho que o que mais apreciei no museu foi a loja.

domingo, outubro 26, 2008

The Shock Doctrine, de Naomi Klein

Mais um excelente livro para nos fazer compreender melhor os mecanismos do sucesso da ideologia neoliberal, e para nos lembrar que a economia não é independente da política e vive-versa. A tese de Naomi Klein, extremamente bem documentada (em alguns pontos até demasiado exaustivamente), é assustadoramente simples, e óbvia quando considerada. Acho que este livro devia ser leitura obrigatória para todos os neoliberais e capitalistas "de café", os tontos que acreditam e defendem as ideias habilmente propagandeadas pelos seguidores de Milton Friedman e que tanto sucesso têm gozado nas últimas décadas, com os belos resultados que se têm visto. Mas a política, e a economia, como tudo o resto, também são de modas. De certa forma, a recente crise financeira foi uma boa coisa, ao deitar um balde de água fria sobre os entusiasmos desreguladores - de que sem dúvida algumas pessoas beneficiam, mas não a maioria - e talvez se ponha um travão à orgia neoliberal. E talvez o facto do Nobel deste ano ter sido dado a um crítico dessa ideologia também seja um bom sinal. Quem sabe? Talvez vejamos em tempo útil a reabilitação das actualmente tão vilipendiadas ideias de Keynes e as pessoas reconheçam que afinal as ideias do Estado-providência que criaram tanto bem-estar na Europa são dignas de ser defendidas.

terça-feira, outubro 14, 2008

O Senhor das Almas, de Irène Némirovsky

Não tão bom como O Baile, e muito longe do excelente Suite Francesa, mesmo assim O Senhor das Almas é um romance interessante, sobre a ambição e a fragilidade humanas. Gostei muito desta passagem, que me impressionou pela justeza com que descreve a doença da ansiedade generalizada: "...certas angústias inexplicáveis. Wardes tinha medo de se ver no meio de muita gente, de atravessar uma ponte, de entrar num automóvel ou numa carruagem de caminho de ferro. Esta doença mental, que oscilava entre a melancolia e a violência, doença lenta, quase invisível para outrem, mas terrível, e a que Wardes chamava, nas suas cartas a Dario, 'um cancro da alma', chegara ao seu período de depressão, a esse abatimento sombrio feito de um silêncio e de uma imobilidade de morte que acabam por satisfazer o espírito; este deixa de procurar sair das trevas que o rodeiam e adormece num torpor profundo."

domingo, outubro 05, 2008

Marraquexe


Estive alguns dias em Marraquexe, e foram umas pequenas férias estupendas. Nunca tinha estado no Norte de África; esperava um choque cultural, mas este foi apesar de tudo menor do que imaginava. É certo que houve dois aspectos que por vezes me irritaram e chegaram a provocar-me momentos de exasperação: um, a "melguice" constante dos marroquinos, não só a pressionar para vender coisas, o que muitas vezes era contra-producente, pois não me sentia à vontade para ver os produtos com calma e fugia, como a insistência em prestar "serviços" desnecessários - é quase impossível determo-nos um instante na rua para consultar um mapa ou tentar orientar-nos sem sermos assediados: "que cherches tu?", "fermé par là!", "espagnol? italien?", "la place?", etc; o outro, as multidões apressadas nas ruelas estreitas à hora de ponta das 18:30, com inúmeras motoretas, bicicletas, e frequentemente furgonetas, carrinhos de mão ou caleches, tudo a grande velocidade, aos gritos e buzinadelas.

Mas o resto compensou plenamente, e adorei a cidade. Fiquei num riad na medina, descoberto através do blog http://www.joaoleitao.com/viagens/, que aproveito para recomendar. Foram uns dias com verdadeiro sabor a férias, passados noutro mundo - o labirinto de ruelas estreitas, com arcadas e portas baixas, onde me perdi várias vezes, a cor ocre-avermelhada da cidade, o colorido dos souks, dos tapetes, dos montes de especiarias, das pilhas de frutos secos, das lanternas, das pratas, os perfumes da hortelã e especiarias, a vida fervilhante e sempre em mutação da praça Jamaa al Fna, as mulheres, a maior parte muito bonitas, de túnicas e lenços, muitas veladas, os homens de djellabas e babuchas, os grandes cafés à moda antiga, com esplanadas e terraços, onde tão bem sabia descansar bebendo café ou chá de menta e imaginar-me a ler e a escrever sem pressas, a comida saborosa, os inúmeros gatos.

Soube-me bem ser turista por uns dias: visitar a magnífica medersa Ben Youssef e os túmulos Saadianos, que foi quase como voltar ao Alhambra, tirar as fotos kitsch da praxe com serpentes ao pescoço e macacos nos ombros na Jamaa al Fna, comprar nos souks um bule, brincos de prata e tapetes berberes que parecem quadros de Klee.

Enfim, cada vez aprecio mais estas saídas da rotina, que são uma verdadeira recuperação de energia mesmo se fisicamente cansativas - anda-se quilómetros, mas como é bom estar longe, e ter experiências como contemplar do terraço do Café Glacier ou do Café de France o fim da tarde na Jamaa al Fna, com a luz a declinar sobre os terraços pejados de antenas parabólicas, a Koutoubia destacando-se contra o céu, e o eterno e variado movimento da praça.

quinta-feira, setembro 04, 2008

In vino veritas...



Uma passagem de Talvez, de Lilian Hellman, vem-me ao pensamento, qualquer coisa como "aquilo que nos parece muito claro quando estamos embriagados e depois deixa de ser claro quando ficamos sóbrios é porque à partida nunca esteve muito claro". Cito de memória, as palavras não devem ser estas, mas acho que conservei o sentido. E é verdade que na maioria das vezes a embriaguez é um estado muito pouco propício ao raciocínio e às decisões - pelo menos se se deseja que aquele seja lógico e estas sensatas. Mas por vezes há um período, que sucede aos estados sucessivos de exultação e de embotamento, e que corresponde ao dissipar da embriaguez mas que precede a recuperação completa, em que tudo surge com uma extrema clareza e desprendimento, como se estivéssemos a ver os nossos problemas de fora e desapaixonadamente.

E a propósito de Lilian Hellman, outras palavras me perseguem, a citação da Bíblia que ela colocou em epígrafe no início de The Little Foxes: "Take us the foxes, the little foxes, that spoil the vines: for our vines have tender grapes."

quinta-feira, agosto 28, 2008

...


I've been swimming in a sea of anarchy
I've been living on coffee and nicotine


Sheryl Crow

Got a wife and kids in Baltimore Jack
I went out for a ride and I never went back
Like a river that don't know where it's flowin'
I took a wrong turn and I just kept goin'


Bruce Springsteen

Como às vezes gostava de fazer o mesmo...

terça-feira, agosto 26, 2008

Résumé, de Dorothy Parker



Razors pain you;
Rivers are damp;
Acids stain you;
And drugs cause cramp.
Guns aren't lawful;
Nooses give;
Gas smells awful;
You might as well live.

Edvard Munch, ou como a arte reflecte as nossas emoções

O que distingue a verdadeira arte, a meu ver, é a capacidade de exprimir as nossas emoções de uma forma completa, de nos fazer pensar "é exactamente assim que me sinto", seja na literatura, na música ou na pintura. E ultimamente, é a pintura de Munch que exprime como me sinto. Mas como gostaria antes que fosse a de Klee!


segunda-feira, agosto 25, 2008

Psicopatias/Sociopatias...

Em The Happiness Hypothesis, de Jonathan Haidt, deparei a certa altura com esta definição de psicopata: "A maioria dos psicopatas não são violentos (embora a maioria dos assassinos e violadores em série sejam psicopatas). São pessoas, na maioria homens, que não têm sentimentos morais, sistemas de integração, nem preocupação pelos outros. Porque não sentem vergonha, inibições ou culpa, é-lhes fácil manipular os outros para obterem dinheiro, sexo e confiança." Pois é. O que é arrepiante é quando reconhecemos nesta descrição alguém que nos é querido, que com o crescimento vai deixando de ser um encantador mesmo que um tanto cansativo Abdallah ou Calvin para se tornar um déspota amoral cada vez mais insuportável. Quando damos por isso, parece que toda a nossa vida está infiltrada e minada, que perdemos o controle e passámos a viver em função de uma relação desgastante e frustrante. Como dizia o imperador Augusto em relação às duas Júlias, sua filha e neta, e ao seu neto Póstumo Agripa, que eram os seus três cancros. Ele nada sabia da biologia do cancro, mas acertou em cheio - um mal consumptivo, que toma conta do organismo e se alimenta dele destruindo-o.

domingo, agosto 03, 2008

Free World - A América, a Europa e o Futuro do Ocidente, de Timothy Garton Ash

Soube-me imensamente bem ler este livro. Por um lado, está bem escrito, bem estruturado e bem documentado; já conhecia Timothy Garton Ash pelas suas crónicas do Guardian e consegue perfeitamente escrever um livro de mais de 200 páginas que se lê com agrado. Por outro lado, não só é lúcido e analisa desempoeiradamente as características e os principais problemas actuais do Ocidente, como, o que é extremamente bem vindo e refrescante, sobretudo quando estamos habituados aos oráculos da desgraça que são habitualmente os comentadores políticos (e os portugueses em particular), tem uma postura optimista. Sim, é certo que por vezes, sobretudo no final, soa demasiado optimista ou mesmo um pouco lírico, mas é fundamental que alguém de vez em quando diga claramente que nunca na história do Mundo, e do Ocidente em particular, nunca houve um período em que tanta gente vivesse tão bem, e que se existem problemas, como certamente sempre existirão, existe também a capacidade de os enfrentar e nunca estivemos mais preparados nem com mais capacidade de intervenção do que agora.

Subscrevo inteiramente a divisa de Romain Rolland que o autor cita num dos capítulos finais, quanto à atitude que defende: "pessimismo do intelecto, optimismo da vontade". É assim que acho que nos devemos conduzir - realistas, com a capacidade de ver as coisas como elas são, mas sem assumir a pose de arautos da desgraça ou do desinteresse, e contribuirmos na medida das nossas possibilidades e talentos para que as coisas corram bem, ou seja, mantermo-nos interessados, informados e com espírito cívico.

(Timothy Garton Ash, na sequência da publicação deste livro, criou o site FreeWorldWeb, dedicado a esta temática, para quem esteja interessado fica o link)

quinta-feira, julho 31, 2008

Curta observação sobre o estado da imprensa

Transcrevo de seguida uma passagem do livro de Timothy Garton Ash, Free World, que se refere ao desgosto do autor com a imprensa em geral e a britânica em particular, porque exprime exactamente o que eu penso, nomeadamente a respeito da portuguesa.

"Mas também precisamos de uma revolta dos jornalistas. Afinal, são os jornalistas, e não os proprietários, quem efectivamente escreve e edita os jornais. Algumas das pessoas mais inteligentes, com melhor educação e mais empreendedoras da Grã-Bretanha enveredam pela carreira do jornalismo. Escrevem de modo rigoroso, sério e brilhante nos jornais semanários, em livros e em revistas americanas. [...] Porque não podemos restaurar nos jornais diários britânicos a nossa grande tradição de relato rigoroso, vivo e imparcial de notícias? Talvez ficássemos supreendidos com o número de leitores que adeririam a um jornal assim."

Pois é, eu também acho que haveria gente que gostaria de ler boa imprensa, e que de bom grado a pagaria, em vez dos verdadeiros tablóides em que os nossos jornais supostamente sérios se transformaram. Não haverá quem comece? Nem que fosse como um projecto na internet, que se expandiria posteriormente conforme a resposta?

domingo, julho 13, 2008

A Brief History of Neoliberalism, de David Harvey

Um livro muito esclarecedor, que mostra como alguma ideia que é repetida e propagada até à exaustão acaba por ser tomada como uma verdade ou uma inevitabilidade. Com efeito, é esse o caso da ideologfia do neoliberalismo - desde os anos 80 tem sido exaustivamente repetido que "não há outra solução", e as pessoas acabaram por acreditar e aceitar dessa forma uma prática cujos resultacdos estão longe de ser os que são publicitados - a melhoria da economia com a consequente melhoria do nível de vida para a generalidade das pessoas - mas que tem antes favorecido uma minoria que tem enriquecido progressiva e escandalosamente à custa de uma diminuição de uma série de regalias e direitos que o tão denegrido "Estado-providência" conferira às populações da Europa e que nos proporcionou algumas décadas de um bem-estar inédito até ao século XX.

E como é que o mundo ocidental tem sido progressivamente convencido desta "verdade científica"? Através de uma verdadeira lavagem ao cérebro realizada pelos media, cada vez menos imparciais e mais manipulados, por uma classe enriquecida que se apoderou das posições políticas chave, e que assim pretende - e consegue - perpetuar os seus ganhos. Citando o livro de Harvey (tradução minha): "Porque é que, então, há tanta gente persuadida de que a neoliberalização por meio da globalização é 'a única alternativa' e que tem sido tão bem sucedida? (o autor acabara de comparar dados da Suécia e da Grã-Bretanha, como exemplos de dois países menos e mais rendidos ao neoliberalismo, respectivamente, comparação muito favorável à Suécia) Destacam-se duas razões. Em primeiro lugar, a volatilidade de desenvolvimentos geograficamente desiguais acelerou, permitindo o avanço espectacular de certos territórios (pelo menos por algum tempo) em detrimento de outros. [...] Em segundo lugar, a neoliberalização, o processo mais do que a teoria, tem sido um enorme sucesso do ponto de vista das classes superiores. [...] Com os media dominados pelos interesses destas classes, pode propagar-se o mito de que os estados falham economicamente porque não são competitivos (criando assim a necessidade de ainda mais reformas neoliberais). [...] Se as condições das classes inferiores se deterioram é porque não conseguem(por dedicação à educação, a aquisição de uma ética de trabalho protestante, submissão à disciplina e flexibilidade no emprego, etc). Problemas particulares surgem, em resumo, por falta de força competitiva ou por derrotas pessoais, culturais e políticas. Ou seja, num mundo de Darwinismo neoliberal, apenas os mais aptos devem e conseguem sobreviver."

Entristece-me que a maioria das pessoas se deixa cair nesta armadilha e não pense pelas suas cabeças. Porque acho que essa maioria acredita que valores como a justiça, a segurança, a educação e a saúde, e a regulação do trabalho, são demaisado fundamentais e parte integrante da dignidade humana para serem negociados como televisores, roupas ou chouriços. E que o neoliberalismo não é mais do que uma entre várias teorias económicas, que actualmente está em voga, como outras estiveram mais ou menos tempo e com maior ou menor sucesso. E que é demasiado perigoso arriscar a perda de direitos que de facto e inquestionavelmente melhoraram a nossa qualidade de vida em nome de uma teoria muito propalada mas que, se examinada com algum espírito crítico, nomeadamente na sua prática e nos seus resultados até agora, revela que está muito longe de ser o que apregoa.

quarta-feira, julho 09, 2008

The Common Reader (second series), de Virginia Woolf

Depois de ter lido com imenso prazer o primeiro The Common Reader, este segundo volume foi um tanto decepcionante. Muito menos interessante, em grande parte porque a maior parte dos ensaios diz respeito a escritores que só conheço de nome, como Meredith, Dorothy Wordsworth, Donne, etc. À excepção do último texto (How Should One Read a Book?), não há aquilo a que hoje chamaríamos artigos de opinião, embora ao longo dos diferentes ensaios, como habitualmente, Virginia Woolf vá apresentando os seus pontos de vista. Resta no entanto a extrema elegância da sua escrita, como sempre, e algumas afirmações e opiniões que vale sempre a pena ler e difundir. Virginia Woolf amava verdadeiramente os livros e a leitura, um traço curioso e pouco comum era o seu gosto em vasculhar livros e autores menores ou caídos no esquecimento, aquilo a que chamava "o cesto de papéis da Literatura", e que por vezes fornece pormenores tão esclarecedores e interessantes. Passo a citar alguns exemplos (mais uma vez, não me atrevo a traduzir Virginia Woolf):

(Depois de referir o conhecimento da vida e pensamento do escritor e a sua influência sobre a leitura da obra): "For the book itself remains. However we may wind and wriggle, loiter and dally in our approach to books, a lonely battle waits us at the end. There is a piece of business to be transacted between writer and reader before any dealings are possible [...] All alone we must climb upon the novelist's shoulders and gaze through his eyes..."

(Ou, mais tarde no mesmo ensaio - sobre Robinson Crusoe): "In masterpieces - books, that is, where the vision is clear and order has been achieved - he inflicts his own perspective upon us so severely that as often as not we suffer agonies - our vanity is injured because our own order is upset; we are afraid because the old supports are being wrenched from us; and we are bored - for what pleasure or amusement can be plucked from a brand new idea? Yet from anger, fear, and boredom a rare and lasting delight is sometimes born." - Que esplêndida forma de exprimir o impacto que um livro - dos que nos tocam como obras-primas - tem sobre nós!

(E no ensaio final): "The only advice, indeed, that one person can give another about reading is to take no advice, to follow your own instincts, to use your own reason, to come to your own conclusions."

E que melhor forma de terminar, testemunho de uma leitora apaixonada apreciado por qualquer leitor apaixonado? "Yet who reads to bring about an end, however desirable? Are there not some pursuits that we practise because they are good in themselves, and some pleasures that are final? And is not this among them? I have sometimes dreamt, at least, that when the Day of Judgment dawns and the great conquerors and lawyers and statesmen come to receive their rewards - their crowns, their laurels, their names carved indelibly upon imperishable marble - the Almighty will turn to Peter and will say, not without a certain envy when he sees us coming with our books under our arms, 'Look, these need no reward. We have nothing to give them here. They have loved reading.'"

quarta-feira, junho 25, 2008

Body and Soul, Those Fabulous Ladies of Jazz


Tenho este cd há muitos anos, acho mesmo que foi um dos primeiros que comprei. É uma colectânea de temas cantados por Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Dinah Washington e Sarah Vaughan, todos excelentes e nas suas melhores versões. Estou a ouvi-lo novamente neste momento, com o mesmo prazer de sempre. Tem as versões de que mais gosto de Just One of Those Things e de Bewitched, ambas por Ella Fitzgerald, e de Cry Me a River e de Ain't Misbehavin', ambas por Dinah Washington. É uma pura delícia, prazer em estado puro.