Que delícia ler pela primeira vez um livro de Virginia Woolf! Como de costume, sou imediatamente conquistado, primeiro pela forma - é incrível como ela escreve bem, cada palavra sucedendo-se num ritmo fluido e elegante, cheio de espírito e de fina ironia. Depois, pelo conteúdo, pois estes ensaios são perfeitos no seu género (ensaístico): perspicazes, esclarecedores, provocadores, lúcidos e inteligentes e repassados pela sensibilidade poética e pelo humor mordaz de Virginia Woolf, que ela sempre combinou tão bem. Seja sobre clássicos da Literatura Inglesa como Jane Austen, Chaucer ou Defoe, sobre géneros como os Isabelinos ou os Gregos, escritores obscuros, os grandes escritores russos - em que ela exprime como talvez nunca vi tão bem expressa uma análise de Dostoievski e Tolstoi com que eu concordo inteiramente -, ou problemas literários como a natureza do ensaio ou da ficção moderna, Virginia Woolf é sempre interessante; ágil e irónica, inteligente e profunda, a sua prosa sabe incutir-nos suavemente as suas ideias, que parecem brincar com os assuntos mas que nos deixam uma impressão séria quase sem nos apercebermos de como a absorvemos.
Logo no início, aborda o carácter interactivo da leitura (pensei em traduzir, mas rapidamente desisti, para não estragar o estilo de VW que é uma das delícias da sua prosa):
"For we are apt to forget, reading, as we tend to do, only the masterpieces of a bygone age, how great a power the body of a literature possesses to impose itself: how it will not suffer itself to be read passively, but takes us and reads us; flouts our preconceptions; questions principles which we had got into the habit of taking for granted, and, in fact, splits us into two parts as we read, making us, even as we enjoy, yield our ground or stick to our guns." (em Notes on an Elizabethan Play)
Há duas passagens sobre a natureza da ficção moderna que acho particularmente to the point:
"Examine for a moment an ordinary mind on an ordinary day. The mind receives a myriad impressions - trivial, fantastic, evanescent or engraved with the sharpness of steel. From all sides they come, an incessant shower of innumerable atoms; and as they fall, as they shape themselves into the life of Monday or Tuesday, the accent falls differently from the old; the moment of importance came not here but there; so that if a writer were a free man and not a slave, if he could write what he chose, not what he must, if he could base his work upon his own feeling and not upon convention, there would be no plot, no comedy, no tragedy, no love interest or catastrophe in the accepted style, and perhaps not a single button sewn on, as the Bond Street tailors would have it. Life is not a series of gig lamps symmetrically arranged, but a luminous halo, a semi-transparent envelope surrounding us from the beginning of consciousness to the end. Is it not the task of the novelist to convey this varying, this unknown and uncircumscribed spirit, whatever aberration or complexity it may display, with as little mixture of the alien and external as possible? We are not pleading merely for courage and sincerity; we are suggesting that the proper stuff of fiction is a little other than custom would have us believe it."
"'The proper stuff of fiction' does not exist; everything is the proper stuff of fiction, every feeling, every thought: every quality of brain and spirit is drawn upon: no perception comes amiss. And if we can imagine the art of fiction come alive and standing in our midst, she would undoubtedly bid us break her and bully her, as well as honor and love her, for so her youth is renewed and her sovereignty assured." (em Modern Fiction)
Há muito que me sinto fascinado pela época das primeiras décadas do século XX, em que houve uma verdadeira revolução cultural, em que tudo foi posto em questão de uma forma positiva, em que se criou toda uma estética e uma civilização radicalmente diferentes de tudo o que existira até então - na pintura, na música, na literatura, na arquitectura, nos costumes. Foi uma época de incrível optimismo, em que os milagres tecnológicos ainda não tinham sido maculados pelas tragédias dos anos 30 e 40 e em que o futuro estava repleto de possibilidades e tudo parecia possível.
E Virginia Woolf pertence a essa geração, e contribuiu para essa revolução cultural na Literatura. E as questões que se punha não são, no fundo, as mesmas que ainda hoje, 100 anos depois, nós nos pomos? Como, nesta passagem a propósito de Montaigne:
"Here is someone who succeeded in the hazardous enterprise of living; [...] But, as we watch with absorbed interest the enthralling spectacle of a soul living openly beneath our eyes, the question frames itself, Is pleasure the end of all? Whence this overwhelming interest in the nature of the soul? Why this overmastering desire to communicate with others? Is the beauty of this world enough, or is there, elsewhere, some explanation of the mystery? To this what answer can there be? There is none. There is only one more question: “Que sais-je?”"
quarta-feira, junho 21, 2006
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