Estou a ler Mémoires d'Outre-Tombe, de Chateaubriand, e deparei a certa altura com este parágrafo, que transcrevo: Ceux qui me traitent
d'hypocrite et d'ambitieux me connaissent peu: je ne réussirai jamais
dans le monde, précisément parce qu'il me manque une passion et un
vice, l'ambition et l'hypocrisie. La première serait tout au plus chez
moi de l'amour-propre piqué; je pourrais désirer quelquefois être
ministre ou roi pour me rire de mes ennemis; mais au bout de
vingt-quatre heures je jetterais mon portefeuille et ma couronne par
la fenêtre.
Senti-me identificado com esta passagem. Com efeito, a hipocrisia é-me extremamente difícil, sou constantemente censurado por ser demasiado franco, "desbocado" mesmo; padeço talvez de um espírito crítico demasiado afiado, e não tenho pejo de exprimir as minhas opiniões nem de desmascarar a mediocridade. Em relação à ambição, também me falta, pelo menos aquela que é necessária para ter sucesso (para réussir dans le monde, como diria Saint-Simon). Quando era mais jovem, e comecei a trabalhar, era muito mais ambicioso, achava que tinha capacidade para réussir dans le monde e esperava consegui-lo; mas à medida que fui conhecendo esse "mundo" (no meu caso, o dos colégios de especialidade, universidade, Ordem dos Médicos), este pareceu-me tão ridículo, afectado e medíocre (parochial é um bom adjectivo), como dizia um antigo chefe meu, tão imbuído de um espírito jesuitico-coimbrão, que cedo achei que seria inútil sequer tentar alterá-lo. Mantenho-me assim de certa forma um outsider - faço o que acho correcto, exponho as minhas opiniões sem vergonha, e contento-me com o meu trabalho que me realiza e me faz sentir bem. Lembro-me da primeira - e última - assembleia do colégio da especialidade a que assisti. Senti-me de tal forma deslocado perante o acervo de hipocrisia e politiquices ridículas que decidi nunca mais comparecer. E penso que, infelizmente, este espírito não é exclusivo da classe médica, é uma característica do provincianismo nacional, e está de tal forma arreigado que penso que não desaparecerá nas próximas gerações. Lembro-me de pensar na altura que o motivo porque estas vetustas instituições (neste caso a Ordem dos Médicos e os colégios de especialidade, mas penso que se aplica às instituições portuguesas em geral) nunca mudam é porque as únicas pessoas que têm paciência para fazer parte delas são aquelas que pensam da mesma forma, e portanto vão perpetuando o status quo. Claro que há aqui e ali um espírito mais corajoso e empreendedor, que luta contra a corrente, mas infelizmente eu não tenho a apersistência suficiente para ser um deles. Limito-me a agir na minha esfera imediata de influência, que é bem pequena, e não é com orgulho que o afirmo. De qualquer forma, acho que é melhor que nada.
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