terça-feira, outubro 27, 2009

Requiem por uma vítima obscura



Não é ela na fotografia, mas podia ser, já que é uma sua irmã, fotografada mais ou menos com a idade que ela teria qando morreu. Que eu saiba, não deixou nenhuma fotografia - naquele tempo, no Portugal rural, as pessoas eram raramente fotografadas. Era a mais velha de três irmãs, de uma aldeia das Beiras, de uma família rural remediada; casou aos 27 anos com um homem 15 anos mais velho de uma aldeia próxima e de uma família mais opulenta que dizem que a adorava, teve três filhos, dos quais viu morrer o segundo com menos de um ano, e morreu com 34 anos. Falo da minha bisavó, uma das inúmeras vítimas europeias da pandemia de gripe de 1918, a "pneumónica", como sempre se lhe referiram na minha família. Não foi uma das vítimas célebres, como Apollinaire, Schiele, Souza-Cardoso, ou mesmo a vidente de Fátima Jacinta, mas uma das muitas anónimas; no entanto, a sua morte influenciou de forma fundamental a posterior evolução da minha família. Suponho que todas as famílias terão algum morto nessa pandemia. Faz hoje 91 anos que morreu, em 27 de Outubro de 1918, e apeteceu-me recordá-la, talvez por causa de todo o alarido que se tem feito à volta da pandemia de 2009, cuja mortalidade e impacto seguramente nada terão a ver com a da pneumónica.

sábado, outubro 24, 2009

Nostalgia pelo optimismo...



Este parágrafo, que retirei da biografia de Keynes de Robert Skidelsky, resume de forma excelente as causas do meu fascínio por esta época, uma espécie de idade de ouro em que tudo parecia possível:

Leonard Woolf, returning from seven years in Ceylon, strongly felt the exhilaration of life in 1911, when it seemed as if the world was on the brink of becoming civilised. It was a wonderfully sunny summer. In politics it looked 'as if militarism, imperialism, and antisemitism were on th run'. The revolution of te motor car and aeroplane had started; Freud, Rutherford and Einstein had begun their work. 'Equally exciting things were happening in the arts. On the stage the hattering impact of Ibsen was still belatedly powerful and we felt that Ibsen had a worthy successor in Shaw as a revolutionary... In painting we were in the middle of the revolution of Cézanne, Matisse, and Picasso... And to crown all, night after night we flocked to Covent Garden, entranced by a new art, a revelation to us benighted British, the Russian ballet in the great days of Diaghilev and Nijinsky.' Bloomsbury felt no premonition of disaster, only a joyful sense of awakening after the long Victorian night.

Infelizmente, esta verdadeira "bolha" de esperança rebentou irremdiavelmente com a 1ª Guerra Mundial, e os horrores do século que se lhe seguiram - as ditaduras, a 2ª Guerra Mundial, o medo do nuclear, etc. Conseguiremos alguma vez recuperar aquele optimismo? Duvido muito...

domingo, outubro 18, 2009

I Served the King of England, de Bohumil Hrabal

Depois da óptima eperiência com os livros suecos, resolvi fazer o mesmo em Praga, e escolhi uma amostra de livros de autores checos (em inglês, claro) numa das muitas boas livrarias da cidade. Até agora só conhecia Kafka (que aliás escrevia em alemão) e Kundera. Comecei por I Serve the King of England, de Bohumil Hrabal, e só espero que os próximos tenham a mesma qualidade. Gostei muito deste livro: escrito na primeira pessoa, as memórias fictícias de um criado de hotel aspirante a milionário passadas no período dos anos 30 aos anos 50, consegue mostrar, através da perspectiva de um homem de uma ingenuidade a tocar a tolice, a forma como aquele período histórico fundamental foi vivido pelos Checos. Todas as referências que entretanto vi sobre Bohumil Hrabal enfatizam a dificuldade da sua tradução, por ser tão enraizadamente checo na escrita e no humor. E de facto, sente-se ao longo de todo o livro um espírito muito especial, de um humor picaresco e irreverente, de um carácter resistente, acomodatício e casmurro, a que estive especialmente atento depois de ter visitado Praga e lido o divertido Xenophobe Guide to the Czechs (esta série é um delícia!). Tão diferente do espírito sério e nostálgico dos autores escandinavos!

O livro é muito bom, divertido de ler, inteligente e ajuda sem dúvida a compreender a Chéquia (à falta de melhor termo para a República Checa, este está a tornar-se aceite) através da viagem de auto-descoberta do narrador. E tem cenas verdadeiramente hilariantes, como a parte do campo de detenção dos milionários sob o comunismo.

(A foto é do Hotel Paris, onde se passa parte da acção. É óptimo reconhecer e visualizar os sítios dos romances!)

domingo, outubro 11, 2009

Viagem a Praga



Estive cinco dias em Praga, que me souberam magnificamente. Há muito tempo que tencionava lá ir, todos os meus amigos e conhecidos que a conheciam lhe teciam sempre rasgados elogios, de modo que fui com alguma expectativa. Que não foi frustrada, apesar de de uma forma um pouco diferente do que imaginava. Mas não é esse - a surpresa - um dos prazeres de viajar?



A cidade é de facto muito bonita, o centro histórico é magnífico, repleto de edifícios belíssimos de diferentes estilos arquitectónicos e com uma disposição que pouco mudou desde a Idade Média / Renascimento, ao contrário da maioria das outras grandes cidades europeias. É esse arranjo arquitectural, combinado com a beleza dos edifícios, que constitui o maior encanto de Praga - ruas cheias de curvas e contra-curvas, pátios, arcadas, recantos; a cada passo depara-se com uma perspectiva diferente de fachadas, janelas góticas, tabuletas renascentistas, espirais de igrejas, etc.



Houve dois aspectos que me desiludiram, provavelmente devido às expectativas alimentadas pelos relatos dos amigos. Um foi a atitude pouco amigável ou mesmo francamente antipática da maioria dos checos - sempre com ar enfadado, indolente e nada prestáveis. Claro que encontrámos muitos simpáticos e amigáveis, mas em geral, diria que são 80/20 de antipáticos/simpáticos. O segundo aspecto foi a multidão de turistas; já sabia que Praga era agora um destino turístico muito popular, mas não imaginava quanto, sobretudo tendo em conta que fui em Outubro. Acho que só vi mais turistas por metro quadrado em Veneza! Talvez por isso, aquele famoso ambiente de nostalgia, magia, mistério, que é tão associado a Praga no nosso imaginário, não existe de todo (ao contrário de Veneza, onde tive a surpresa contrária - apesar das multidões de turistas, a cidade mantém um ambiente único e mágico). Mas talvez indo no Inverno seja diferente.



Last but not least, houve o componente "de férias", lúdico, de estar longe do quotidiano e em boa companhia, e o prazer de estar com o meu amigo companheiro de viagem que nos últimos meses raramente via foi um grande contributo para o bem estar. Como é agradável conversar, comer fiambre fumado e salsichas grelhadas, beber Urquell (a melhor cerveja checa que provei), subir a torres (mesmo com vertigens...), tirar montes de fotografias, discutir as particularidades locais, falar de tolices ou simplesmente aboborar nas esplanadas... Foi uma injecção de boa disposição, e fico já com apetite para a próxima.

quinta-feira, outubro 08, 2009

Portraits and Observations - The Essays of Truman Capote

Truman Capote escrevia muito bem, tinha um sentido de humor acerado e satírico, e este livro reúne os seus ensaios, que o mostram no seu melhor e no seu pior. O melhor, por exemplo, The Muses are Heard, uma reportagem deliciosa sobre uma tournée de Porgy and Bess na Rússia em 1955, ou Handcarved Coffins, uma história negra sobre crimes em série. O pior, como o texto sobre um cruzeiro no Mediterrâneo, em que se limita a enumerar os seus "amigos" ricos e famosos, e outros textos em que o que se destaca é o seu snobismo e auto-indulgência - como anedotas repetidas e atribuídas a diferentes pessoas ou a ele próprio. No conjunto, um livro interessante e agradável de ler, como a maioria da prosa de Capote; no entanto não se consegue levá-lo tão a sério como ele gostaria e pretendia.

Autárquicas em Oeiras

As sondagens sobre as eleições autárquicas em Oeiras prevêem uma confortável vitória de Isaltino, apesar de ter sido condenado a 7 anos de prisão - o que por este tipo de crimes é bastante raro no nosso país, o que significa que as provas contra ele eram esmagadoras. Infelizmente, isto não me surpreende, e acho que estes resulatdos se devem a duas razões:

1) A ideia generalizada e enraizada na nossa população de que os políticos são corruptos por definição - logo, todos roubam, portanto mais vale eleger os que "fazem", já que qualquer outro seria igualmente ladrão.

2) O facto de a nossa população não considerar este tipo de crimes moralmente condenável - a maioria das pessoas acha perfeitamente normal que os políticos (ou qualquer outras pessoas) "aproveitem" as oportunidades e enriqueçam pelo suborno e a fuga aos impostos; no fundo sentem inveja e gostariam de poder fazer o mesmo. Enriquecer pelo trabalho honesto é tão trabalhoso...

Portanto, não me admira o sucesso eleitoral de pessoas como Isaltino, Valentim Loureiro ou Fátima Felgueiras. Representam o que os portugueses admiram e invejam: os chicos-espertos que vencem na vida sem grande esforço e escapando à legalidade/autoridade, que é vista como uma espécie de pai severo que sabe bem enganar.

Infelizmente para mim, não partilho dessas opiniões. Não acho que um político seja necessariamente corrupto, se muitos são isso não é desculpa, e deveriam ser punidos precisamente para desencorajar outros de o serem. E tenho a careta convicção de que a honestidade é uma virtude e que devemos ser éticos e cooperar de forma limpa - pagando impostos, sendo competenetes, etc - para construirmos uma sociedade civilizada e melhor. Azar meu, pois lá terei novamente um presidente da câmara que obviamente não partilha destas ideias tão aborrecidas...