quarta-feira, fevereiro 25, 2009
A doença que não tem nome...
Deparei com uma citação de Betty Friedan (uma autora feminista que desconhecia), que achei perfeita como descrição do "problem that has no name" que afecta de forma tão generalizada a nossa sociedade actual:
the ubiquitous malaise, tension, and anxiousness that results from the gap between the expectations of a fulfilling life and the realities of a stifling existence
(Although Friedan was referring to the malaise of housewives during the 1950s, the unnamed problem she noted is far more widespread in the general population of contemporary societies)
Retirado da secção Book Reviews do New England Journal of Medicine desta semana.
terça-feira, fevereiro 24, 2009
Sartre e Beauvoir - A História de uma Relação, de Hazel Rowley
Desde muito novo que tenho uma enorme admiração por Jean-Paul Sartre e por Simone de Beauvoir; li Memórias de uma Menina Bem Comportada no 11º ou 12º ano e senti uma sintonia imediata com o tom e os sentimentos da autora, e A Idade da Razão marcou a minha passagem á idade adulta (é sem dúvida um dos livros da minha vida, se eu fizesse essa lista). Ao longo dos anos, fui lendo muitos dos seus livros´- romances, memórias, correspondência - e desenvolvi uma forte admiração por eles, como escritores e como pessoas.
Foi por isso com muito prazer que li Sartre e Beauvoir, um livro contando a história do seu relacionamento de 50 anos - a perspectiva é quase sempre a de Simone de Beavoir, o que é natural, pois foi ela quem escreveu mais sobre as suas vidas, de modo que o grosso do testemunho é o seu. Sempre me fascinou a relação dos dois, e de certa forma sempre sonhei em ter uma relação assim - de confiança e compromisso, acima de e incluindo relacionamentos paralelos - talvez porque sempre achei que o amor e companheirismo estão muito além de simples e passageiros entusiasmos, sexuais ou não (aquilo a que eles chamavam as relações contingentes). Sim, é certo que cometeram muitos erros em relação a outras pessoas, que tiveram muitos momentos difíceis, mas isso só confirma que eram humanos, e uma das suas grandes qualidades foi precisamente a de reconhecerem esses erros e de os discutirem. E talvez seja devido ao meu carácter, ao meu gosto pela discussão, pela análise, pela intriga, que eu me sinta tão identificado com eles, como também com o grupo de Bloomsbury, que teve igualmente a coragem de romper com a família e os modelos convencionais. Para mim, foi esse o espírito cultural do século XX que transformou o mundo em que vivemos, que contribuiu para a liberdade de que hoje gozamos na sociedade ocidental, e estas pessoas foram fulcrais para essa mudança, para vivermos hoje de uma forma que nos parece adquirida desde sempre.
A Viagem do Elefante, de José Saramago
A Viagem do Elefante é um livro engraçado e bem disposto, que se lê praticamente de um fôlego. Como de costume, José Saramago é um verdadeiro mestre do uso das palavras e da Língua Portuguesa, que maneja como poucos. Ler a sua prosa é um puro prazer só pela leitura em si, e há que reconhecer que a idade avançada em nada diminuiu o seu vigor. A história é interessante e está bem contada, as personagens, como sempre nos livros de Saramago, parecem-se todas e falam todas da mesma maneira, mas é de facto a perícia da escrita que se destaca e delicia. Não sei se o autor gostaria desta apreciação... Nunca foi dos meus escritores preferidos, sempre achei que a maioria dos seus livros, sempre soberbamente escritos, começavam com uma boa ideia, e original, mas que depois esta se perdia numa certa pretensão de profundidade (que contribui para as personagens serem todas iguais e falarem todas com a mesma voz - a do autor) e se ficava geralmente no final com a sensação de que o passo era maior que a perna. Neste livro, talvez devido à propositada leveza do tema, isso não acontece.
(Acrescento que, apesar desta crítica se aplicar à maior parte dos livros de José Saramago que li, há três aos quais não se aplica, e que considero excelentes do princípio ao fim: Levantado do Chão, Memorial do Convento e Ensaio Sobre a Cegueira.)
quarta-feira, fevereiro 11, 2009
Nostalgia musical
Ultimamente, uma música dos Talking Heads não me tem saído da cabeça, Air, a primeira música dos Talking Heads que me lembro de ter ouvido. Tinha 14 anos, alguém me ofereceu o álbum Fear of Music, que eu desconhecia completamente, e lembro-me do fascínio que senti quando a agulha tocou no vinil e um som que me pareceu então extra-terrestre invadiu a sala, tão diferente da música que eu habitualmente ouvia nessa época - a descobrir o rock dos Pink Floyd e Led Zeppelin, o rock'n'roll dos anos 50, as músicas dos anos 60 a partir de Bob Dylan, e da "contemporânea" pouco mais que Kate Bush, Police e Dire Straits (refiro-me ao que ouvia em repeat, dos discos que comprava; obviamente ouvia os hits do tempo na rádio).
Mas este disco dos Talking Heads foi uma verdadeira descoberta - fortuita, como quase todas as melhores são - e lembro-me de o ouvir vezes sem conta. Curiosamente, só muitos anos depois apreciei os discos posteriores da banda; talvez devido à impressão tão forte que Fear of Music exerceu sobre mim, achei o que ia aparecendo deles mais fraco.
Procurei no youtube, e encontrei esta versão ao vivo de Air e Cities em 1979 - o som é fraco, mas o video de uma interpretação de Air por David Byrne num concerto, com muito melhor qualidade, está muito mais longe do som que eu ouvi e me fascinou naquela época.
Mas este disco dos Talking Heads foi uma verdadeira descoberta - fortuita, como quase todas as melhores são - e lembro-me de o ouvir vezes sem conta. Curiosamente, só muitos anos depois apreciei os discos posteriores da banda; talvez devido à impressão tão forte que Fear of Music exerceu sobre mim, achei o que ia aparecendo deles mais fraco.
Procurei no youtube, e encontrei esta versão ao vivo de Air e Cities em 1979 - o som é fraco, mas o video de uma interpretação de Air por David Byrne num concerto, com muito melhor qualidade, está muito mais longe do som que eu ouvi e me fascinou naquela época.
domingo, fevereiro 08, 2009
One Art, de Elizabeth Bishop
One Art
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
A arte de aceitar as perdas foi uma das conquistas mais inestimáveis que fiz na vida... Facilita tanto as coisas! (E o poema é lindo)
quinta-feira, fevereiro 05, 2009
The Quiet Girl, de Peter Høeg
O primeiro livro que li de Peter Høeg foi The History of Danish Dreams, há muitos anos, comprado em Londres por uma amiga, e gostei muito – da escrita, mágica e melancólica, e do ambiente, nebuloso e meio fantástico. Não conhecia a Escandinávia, e muito pouco da literatura dinamarquesa (apenas Karen Blixen e Hans Christian Andersen), e este livro evocava uma terra onírica de brumas e lendas. Li depois Miss Smilla’s Sense of Snow, um thriller excelente, com o mesmo estilo de escrita e uma história muito engenhosa e que nos mantém suspensos do princípio ao fim (fizeram a partir dele um filme muito fracote, com Julia Ormond no papel de Smilla). Muito mais tarde, li The Borderliners, de que gostei menos, por achar a história demasiado rebuscada, e fiquei com menos interesse por ler outros livros dele.
Recentemente, no entanto, a minha ida a Copenhaga, de que gostei imenso (e que me pareceu uma cidade tão serena e bem disposta, diferente do que seria de esperar a partir da escrita melancólica de Andersen, Blixen e Høeg), deu-me vontade de voltar a ler alguma coisa da sua literatura, e comprei lá o último livro dele, The Quiet Girl.
Mais uma vez, a escrita é melancólica, e a história muito complexa, uma combinação de thriller com realismo fantástico e reflexões sobre a arte, a vida e as relações humanas. Além de ter de se tomar atenção aos pormenores para não perder o fio à meada que está verdadeiramente emaranhada, a minha falta de conhecimentos musicais impediu-me de apreciar / compreender as inúmeras referências à linguagem musical, e as permanentes reflexões profundas das personagens tornam-se por vezes cansativas e um bocado irritantes. Apesar de todos estes defeitos, é um thriller engenhoso, capaz de nos agarrar até ao fim – mesmo que este se revele um tanto decepcionante – e bem escrito, e a organização da narrativa, em fragmentos que se vão revelando em diferentes momentos cronológicos, agradou ao apreciador de puzzles que sou. Não é um grande livro, mas é interessante; no entanto, ainda está muito longe de me transmitir algo próximo da sensação que Copenhaga me transmitiu, que espero um dia encontrar em algum outro autor, pois para mim ler sobre os lugares enriquece-os imenso (tal como conhecê-los enriquece a leitura sobre eles). Pelo menos, foi agradável visualizar muitos dos sítios onde se passa a acção – por exemplo, quando estacionavam o carro atrás da Bolsa, eu revi mentalmente o magnífico edifício da Bolsa, com o seu campanário formado pelas caudas entrelaçadas de quatro dragões.
Recentemente, no entanto, a minha ida a Copenhaga, de que gostei imenso (e que me pareceu uma cidade tão serena e bem disposta, diferente do que seria de esperar a partir da escrita melancólica de Andersen, Blixen e Høeg), deu-me vontade de voltar a ler alguma coisa da sua literatura, e comprei lá o último livro dele, The Quiet Girl.
Mais uma vez, a escrita é melancólica, e a história muito complexa, uma combinação de thriller com realismo fantástico e reflexões sobre a arte, a vida e as relações humanas. Além de ter de se tomar atenção aos pormenores para não perder o fio à meada que está verdadeiramente emaranhada, a minha falta de conhecimentos musicais impediu-me de apreciar / compreender as inúmeras referências à linguagem musical, e as permanentes reflexões profundas das personagens tornam-se por vezes cansativas e um bocado irritantes. Apesar de todos estes defeitos, é um thriller engenhoso, capaz de nos agarrar até ao fim – mesmo que este se revele um tanto decepcionante – e bem escrito, e a organização da narrativa, em fragmentos que se vão revelando em diferentes momentos cronológicos, agradou ao apreciador de puzzles que sou. Não é um grande livro, mas é interessante; no entanto, ainda está muito longe de me transmitir algo próximo da sensação que Copenhaga me transmitiu, que espero um dia encontrar em algum outro autor, pois para mim ler sobre os lugares enriquece-os imenso (tal como conhecê-los enriquece a leitura sobre eles). Pelo menos, foi agradável visualizar muitos dos sítios onde se passa a acção – por exemplo, quando estacionavam o carro atrás da Bolsa, eu revi mentalmente o magnífico edifício da Bolsa, com o seu campanário formado pelas caudas entrelaçadas de quatro dragões.
domingo, fevereiro 01, 2009
Déjà vu (a influência dos genes?)
Há dias, quando estava a guardar uma pasta de documentos numa gaveta da cómoda do meu quarto, tive uma sensação de déjà vu. E o que vi foi uma outra cómoda, num outro quarto, igualmente repleta de coisas, desde a óbvia roupa a documentos e fotografias, tal com a minha está. Era uma cómoda antiga, pesada, alta (cerca de 1,50 m), de madeira pintada de tinta castanha num dos acessos de bricolage da minha avó. Estava no quarto do meu avô, e ele guardava ali de tudo um pouco. Lembro-mede como me deliciava bisbilhotá-la, desde o topo, onde se acumulavam resmas de livros de Camilo Castelo Branco em velhas edições, até às gavetas, onde descobri velhas escrituras de hortas e fotografias da minha mãe e tios em crianças. O quarto do meu avô - como aliás toda a casa dos meus avós - era uma inesgotável fonte de deliciosas descobertas quando eu era criança, desde a sala que só era aberta para as grandes ocasiões, como os jantares de Natal, até aos armários da cozinha ou às arcas do sótão.
O facto de os meus avós terem cada um o seu quarto parecia-me inicialmente justificado por viverem numa casa tão grande, só mais tarde me apercebi que era uma consequência da longa guerra que foram os seus 60 anos de casamento. A minha avó governava toda a acasa, e o meu avô vivia praticamente confinado ao seu quarto - o que não significava de modo algum que fosse a parte mais fraca, mas fora o equilíbrio a que tinham chegado. Por motivos diferentes, também eu tenho vivido confinado no meu quarto numa casa grande. E, tal como as coisas do meu avô estavam todas guardadas numa cómoda (aliás, eram duas, do mesmo género) no seu quarto, também as minhas estão numa, que embora bem diferente, comprada na moderna Ikea, acaba por cumprir as mesmas funções. E foi essa a sensação que tive no momento em que estava a guardar numa gaveta a pasta de documentos, junto ao carregador do telemóvel, ao passaporte e outras utilidades - é assim que a história se repete em diferentes gerações? São os meus módulos de gavetas da Ikea a nova versão da velha e pesada cómoda do meu avô? Um avô de que herdei outra característica - a de dormir de janela aberta todo o an, faça frio, chuva ou sol.
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