Um bom policial negro, com uma história excelente, que faz lembrar os enredos de Raymond Chandler. O filme é grande, mas sempre com bom ritmo, boas interpretações e um ambiente de mistério convincente. A realização está no geral muito bem conseguida, com alguns planos muito interessantes dos subúrbios e das ruas de Paris, apenas por vezes cede um pouco ao sentimentalismo nos flashbacks das crianças. Kristin Scott Thomas mostra mais uma vez que é uma óptima e versátil actriz, e François Cluzet é espantosamente parecido com Dustin Hoffman.
sábado, maio 19, 2007
sexta-feira, maio 18, 2007
Tabagismo - essa inesgotável fonte de pérolas oratórias...
Geralmente não me sinto nada estimulado a escrever sobre os assuntos do dia, evitando aumantar assim os coros rituais que os ditos assuntos provocam em jornais, restantes media e blogs. Mas tanta inanidade tem sido escrita a propósito das leis anti-tabagismo que não resisto a comentar. Acho que o que me decidiu foi uma pérola da Fernanda Câncio, essa nova sacerdotisa da imprensa bem-pensante, digna descendente da Clara Pinto Correia e do seu estilo ai-que-gira-que-eu-sou-e-que-graça-que-eu-tenho-a-dizer-tolices-e-sou-tãão-esperta, estilo que foi cultivado por melhores cabeças, como a do Miguel Esteves Cardoso no tempo em que ainda tinha uma. Mas voltando à questão, dizia Fernanda Câncio no seu post, composto naquela escrita sem maiúsculas que deve achar que a torna muito original quando se limita a diminuir a sua legibilidade, por entre imensas queixase lamúrias contra os fumadores, esses assassinos que a tinham feito já inalar kilos de carcinogénios, que nem em sua casa estava a salvo das suas faltas de respeito, porque toda a gente sabe que os fumadores não respeitam sequer a santidade da casa de cada um e a pobre-e-tão-espirituosa escriba convidava os amigos para inocentes e saudáveis tertúlias e os malvados toca de puxar pelo cigarro e agredir os infelizes pulmões da desgraçada-mas-tãão-esperta jornalista.
De facto, o exagero, a falta de senso e a vontade de se mostrar original e/ou esperto são uma combinação fatal, e todo este debate à volta dos cigarros está repleto de intervenções deste género, de um lado e do outro. (Já agora, não sei se os amigos da Fernanda Câncio são todos assim tão grunhos, o que é estranho numa rapariga tão-mas-tão-gira-e-sofisticada-e-esperta, mas desde sempre as pessoas não costumam fumar nas casas onde os anfitriões não gostam... Já para não perguntar que raio de amizades são essas em que ela não pode dizer-lhes simplesmente que não fumem! Mas isso é o menos) Mas como é entediante este discurso dos mártires da nicotina! Aliás, é um discurso que tem o seu equivalente nos outros mártires, dos quais o expoente máximo é o Miguel Sousa Tavares, com inanidades igualmente delirantes. Mas o espectro é vastíssimo, passando pelo Eduardo Prado Coelho, que filosoficamente "sempre aceitou tacitamente o seu papel defumador passivo" ou por Mega Ferreira que poeticamente lembra que "a maioria da cultura está associada ás espirais azuis do fumo de um cigarro"...
No meio de tanta tolice, praticam-se algumas tolices mais perigosas, como as de pretender apagar os cigarros de fotografias de figuras históricas ou de passar a classificar cenas de filmes em que aparecem cigarros com a mesma severidade aplicada a cenas de violência ou pornográficas.
Às vezes interrogo-me - será que sou eu que estou errado? Ou são de facto as pessoas que gostam de complicar o que não é assim tão complicado como o fazem parecer? Por um lado, os detractores do tabaco têm tantos motivos verdadeiros e sensatos para apoiar a restrição ao tabagismo, porque hão-de recorrer a tanta patetice? Sobretudo a essa arma perigosa da intolerância, que é rotular o tabagismo como algo de moralmente errado, feio e condenável. É um péssimo princípio, e gostaria que esses apóstolos da virtude se lembrassem de que um dia mais tarde um hábito que eles cultivem poderá vir a ser alvo da mesma campanha.
Por outro lado, os defensores do tabagismo também recorrem a argumentos perfeitamente idiotas para defender o que não tem defesa razoável, socorrendo-se de comparações absurdas e perdendo completamente a razão. É claro que fumar faz mal, que é um hábito que deve ser desencorajado, e a proibição de fumar em espaços públicos fechados é perfeitamente razoável e exequível - já estive em grandes cidades repletas de fumadores com essas leis (no ano passado em Glasgow, Nova Iorque e San Francisco), e não me pareceu que as pessoas andassem oprimidas, a lei era cumprida e o ambiente nos bares era bem mais agradável. Será que já se esqueceram todos que há alguns anos se pdia fumar nos comboios e aviões? O tabaco é um hábito, que em tempos não existiu, depois apareceu e teve o seu período áureo e que poderá desaparecer, como desapareceram as escarradeiras (imagino o Miguel de Sousa Tavares, no século XIX, a vociferar dizendo que os pobres escarradores se iam sufocar em escarros retidos...) ou o rapé. Desencorajá-lo é bom, e restringir as oportunidades para fumar é uma excelente forma de o fazer. Mas não vamos fingir que nunca existiu nem rotulá-lo de coisa nefanda! Mas, como diz o epigrama utilizado pelo Asimov num livro, "contra a estupidez os próprios deuses lutam em vão".
Na Praia de Chesil, de Ian McEwan
Não é dos meus livros favoritos de Ian McEwan (acho que continuam a ser Expiação e Cães Pretos) mas é muito bom. Está como sempre soberbamente bem escrito, McEwan sabe descrever emoções e estados de espírito e dar voz às suas personagens como poucos, o tema e as interrogações são sempre interessantes, e o autor mantém-nos presos à leitura até ao final, que a mim me surpreendeu, embora fosse de certa forma inevitável.
quarta-feira, maio 16, 2007
...e a imprensa nacional, ou a falta de senso em Portugal
Em relação com o meu post anterior, não posso deixar de comentar as repercussões na imprensa portuguesa mainstream – neste caso no Diário de Notícias – deste mesmo número do New England Journal of Medicine. A partir de um número da revista médica mais conceituada do mundo, em que havia 3 artigos originais (de investigação clínica), 2 artigos de perspectiva, 2 editoriais e uma carta ao editor (e uma entrevista áudio na versão web) sobre o assunto do HPV (incluindo resultados das vacinas e os problemas levantados pela aplicação das recomendações de incluir uma vacina do HPV nos programas de vacinação obrigatória), o nosso ilustre DN publicou um artigo com o emocionante título: Sexo Oral Aumenta Probabilidades de Cancro! Palavras para quê? Só vem confirmar que o DN se transformou de facto no Correio da Manhã II (para quê? já havia um...), e reforçar a minha opção de voltar ao Público à 6ª feira e talvez guardar a Visão para ler ao fim-de-semana (em relação aos meu dilemas com a imprensa de que já falei)....
(No mesmo número do NEJM havia um artigo e um editorial sobre a prática da morte medicamente assistida na Holanda, mostrando que a eutanásia diminuiu e os cuidados paliativos de doentes terminais melhoraram desde a legalização da eutanásia e morte medicamente assistida. Mas isso também é um assunto sensaborão para a nossa imprensa!)
Os virtuosos atacam de novo, ou falta de senso nos Estados Unidos...
Novamente assistimos a uma manifestação da intolerância e hipocrisia de conservadores pretensamente virtuosos, com consequências negativas, desta vez a propósito da nova vacina contra o HPV (vírus do papiloma humano). O artigo de R. Charo no número de 10 de Maio do New England Journal of Medicine, Politics, Parents and Prophylaxis – Mandating HPV Vaccination in the United States, é interessante, elegante e esclarecedor. E pouco animador também, pela realidade para que chama a atenção.
Resumindo a questão: o HPV é um vírus de transmissão sexual (e possivelmente oral), responsável por várias patologias ano-genitais (papilomas, verrugas), pela maioria dos casos de carcinoma do colo do útero e provavelmente também por alguns casos de carcinoma orofaríngeo. Recentemente, produziram-se vacinas contra algumas estirpes do HPV (responsáveis por cerca de 70% dos casos de carcinoma), que se tem demonstrado serem muito eficazes em termos de imunização e desprovidas de efeitos laterais, pelo que o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) recomendou por voto unânime que a vacina fosse administrada a raparigas dos 11 aos 12 anos (uma vez que a eficácia é mais segura se forem vacinadas antes de expostas ao vírus, ou seja, antes de iniciarem vida sexual activa). A forma mais simples de aplicar a recomendação foi incluir esta vacina nos planos obrigatórios de vacinação dos vários estados, legislando-se nesse sentido – o meio mais eficaz de chegar à população de maior risco, constituída pelos elementos economica e culturalmente menos favorecidos.
Tudo aparentemente simples e linear... Só que isso é não contar com as incansáveis forças da moral e dos bons costumes, cujo poder e influência tem crescido perigosamente nos últimos tempos. Com efeito, esta legislação tem sido fortemente contestada, de tal forma que ainda apenas dois estados a promulgaram, e num deles está a tentar-se cancelá-la. E tudo porquê? Porque o HPV é transmitido sexualmente, portanto a sua prevenção activa (pela vacinação) significaria o reconhecimento implícito.... de quê? De que as raparigas virão a ter vida sexual algures depois dos 12 anos e eventualmente com mais do que um parceiro e sem usar preservativo? E isso não é evidente, perguntar-se-á?... Aparentemente, as almas virtuosas acham que não. Argumentam que não se deve obrigar as meninas a ser vacinadas, porque o que é preciso é fazer com que a vacina não seja necessária – ou seja, que pratiquem a castidade por tempo indeterminado... Pouco realista? Pouco prático? Para as almas virtuosas isso não interessa nada.
De notar que todas as leis incluem a possibilidade de parent opt-out, ou seja, de os pais recusarem a vacina. Mas isto é uma atitude típica da mentalidade virtuosa: o que lhes interessa não é terem o direito de escolherem para si próprios, é o direito de imporem as suas opiniões e valores aos outros. E assim se impede que uma medida simples, eficaz e inócua seja aplicada, por hipocrisia, intolerância e falta de senso – sim, porque essas pessoas esquecem (ou antes, recusam-se a perceber) que também as suas filhas correrão um risco maior. Mas devem estar convencidos que as suas filhas subirão puras ao altar e se manterão fiéis ao esposo com o qual se submeterão abnegadamente à cópula para a procriação.
domingo, maio 13, 2007
Cães e higiene
Confesso que enquanto tive o meu épagneul bretão nunca me habituei a recolher os seus dejectos. Contentei-me em ensiná-lo a nunca fazer nos passeios (e não fazia mesmo) e a recolhê-los apenas em alguns casos (por exemplo, se o fazia num relvado todo limpinho ou num sítio onde passassem pessoas), preferindo educá-lo a fazer em canteiros e na sargeta. Mas agora, com o meu cachorro perdigueiro, desde o início que cumpri a determinação de apanhar escrupulosamente os dejectos, porque de facto é desagradável, não só pisá-los como vê-los e cheirá-los, o que acontece com frequência numa vizinhança com muitos cães como a minha. E a verdade é que não custa nada, é mesmo só uma questão de hábito! Existem uns excelentes saquinhos, opacos e resistentes, que se vendem nas lojas de animais (por acaso durante umas semanas estiveram esgotados e tive de usar saquinhos de sandes, o que se estava a tornar um problema devido ao aumento do volume das excreções à medida que o cachorro crescia, além de serem transparentes, o que era decididamente pouco digno... - quando reapareceram, comprei logo um vasto stock!).
Lembro-me de que quando fui a Paris pela primeira vez me surpreendi com a quantidade de dejectos caninos que pejavam os passeios, e tenho notado nos últimos anos que desapareceram, tal como não se encontram em outras grandes cidades em que se vêem no entanto muitos cães (a última em que reparei nisso foi San Francisco). Portanto, penso que não é assim tão complicado convertermo-nos (como eu) ao hábito da recolha de dejectos. Tem uma dupla vantagem: por um lado todos beneficiamos da limpeza (se há coisa irritante é pisar cocó de cão! - além de que não cheira a rosas), por outro retira um argumento importante aos detractores dos cães, o que é muito útil para os apreciadores de cães. Porque eu sei que as pessoas que não gostam de cães se queixam deles não por causa dos dejectos nem do mal que possam fazer às criancinhas nem das doenças que podem transmitir mas porque simplesmente têm medo deles, mas por isso mesmo é bom não lhes dar argumentos e não lhes facilitar a vida, porque elas já nos dificultam a nossa o suficiente.
Lembro-me de que quando fui a Paris pela primeira vez me surpreendi com a quantidade de dejectos caninos que pejavam os passeios, e tenho notado nos últimos anos que desapareceram, tal como não se encontram em outras grandes cidades em que se vêem no entanto muitos cães (a última em que reparei nisso foi San Francisco). Portanto, penso que não é assim tão complicado convertermo-nos (como eu) ao hábito da recolha de dejectos. Tem uma dupla vantagem: por um lado todos beneficiamos da limpeza (se há coisa irritante é pisar cocó de cão! - além de que não cheira a rosas), por outro retira um argumento importante aos detractores dos cães, o que é muito útil para os apreciadores de cães. Porque eu sei que as pessoas que não gostam de cães se queixam deles não por causa dos dejectos nem do mal que possam fazer às criancinhas nem das doenças que podem transmitir mas porque simplesmente têm medo deles, mas por isso mesmo é bom não lhes dar argumentos e não lhes facilitar a vida, porque elas já nos dificultam a nossa o suficiente.
sexta-feira, maio 11, 2007
O Meu Tio, de Jacques Tati
Há muito tempo que não me ria com tanta vontade no cinema como ontem quando vi Mon Oncle. É um filme genial, com um retrato caricatural e impiedosamente mordaz dos adeptos possidónios da modernidade, com imensas cenas hilariantes, uma atenção fina a uma série de detalhes, desde a galeria de personagens (incluindo os cães!) e gags (o repuxo e as pedras dos caminhos do jardim, as inúmeras máquinas) aos pormenores dos contrastes entre o cenário très moderne em que se movem os Arpels & cª ao mundo meio arruinado, provinciano e simpático que os rodeia ainda intocado pelo progresso. Como se dizia num texto de Eça, "quem não há-de gabar os progressos deste século?" Todo a filme decorre muito ao jeito de um cartoon, enriquecido por cada detalhe, ao som de uma música deliciosamente apropriada. Um filme perfeito.
quinta-feira, maio 10, 2007
O Reino da Estupidez, de Jorge de Sena
Depois de ler recentemente a correspondência de Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen fiquei com vontade de conhecer melhor a obra de Jorge de Sena. Conheço alguma da sua poesia, de que gosto moderadamente - acho muitos dos poemas demasiado palavrosos, mas os não muito grandes acho muito bons. E descobri por acaso que tinha na estante O Reino da Estupidez, herdado no espólio de um avô anarquista e que não me lembrava nada de ter.
Não gostei muito do livro - uma colecção de ensaios, como de esperar pelo nome, muito maldizentes de Portugal e dos seus "intelectuais". O tom, tal como nas cartas a Sophia, é sempre amargo, desencantado, mordaz, de uma ironia triste e depressiva - que belo precursor de Vasco Pulido Valente! E apesar de no geral ter razão, preferiria um tom que sendo sarcástico e corrosivo - o que aprecio - fosse menos pomposo e arrogante. Sobretudo os primeiros ensaios (cronologicamente) são muito extensos e maçadores - um crime em Literatura. Mas os da última fase estão muito bem escritos e como tal atingem muito melhor o alvo.
Continuo a querer ler mais da prosa de Sena, que continuo a admirar - a poesia, e bastariam as traduções de Emily Dickinson e de Cavafy para o colocar muito alto na minha consideração. E acho que, se houvesse um prémio para os detractores inteligentes de Portugal, ganharia a medalha de prata ( a de ouro teria de ser para o Eça, pela elegância, humor e acutilância), com o poema A Portugal, impressionante de tão violento:
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. ƒÉs cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.
Não gostei muito do livro - uma colecção de ensaios, como de esperar pelo nome, muito maldizentes de Portugal e dos seus "intelectuais". O tom, tal como nas cartas a Sophia, é sempre amargo, desencantado, mordaz, de uma ironia triste e depressiva - que belo precursor de Vasco Pulido Valente! E apesar de no geral ter razão, preferiria um tom que sendo sarcástico e corrosivo - o que aprecio - fosse menos pomposo e arrogante. Sobretudo os primeiros ensaios (cronologicamente) são muito extensos e maçadores - um crime em Literatura. Mas os da última fase estão muito bem escritos e como tal atingem muito melhor o alvo.
Continuo a querer ler mais da prosa de Sena, que continuo a admirar - a poesia, e bastariam as traduções de Emily Dickinson e de Cavafy para o colocar muito alto na minha consideração. E acho que, se houvesse um prémio para os detractores inteligentes de Portugal, ganharia a medalha de prata ( a de ouro teria de ser para o Eça, pela elegância, humor e acutilância), com o poema A Portugal, impressionante de tão violento:
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. ƒÉs cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.
quarta-feira, maio 09, 2007
Os Filhos de Húrin, de Christopher Tolkien
Descobri Tolkien aos 20 anos, e acho que tive a sorte de o ler pela ordem certa: primeiro O Hobbit, depois O Senhor dos Anéis, depois O Silmarillion e Contos Inacabados. Gosto imenso da sua prodigiosa imaginação, que criou um verdadeiro universo paralelo, completo com línguas, história e lendas, bem escrito e fascinante. O meu saudoso épagneul bretão foi aliás baptizado com o nome de uma das personagens de Tolkien, nome que toda a gente achava aliás muito abstruso quando me faziam a eterna pergunta, tão familiar para quem quer que tenha um cão, "como é que se chama?" - foi antes dos filmes terem divulgado o mundo de Tolkien, nos últimos anos já quase todos reconheciam o nome. Portanto, claro que comprei e li o novo livro, repescado nos numerosos manuscritos que J.R.R. Tolkien deixou, editado pelo filho. A história de Túrin Turambar não é das minhas favoritas (preferiria que tivesse sido a de Beren e Lúthien, por exemplo, ou as narrativas relacionadas com os Silmarills ou Gondolin, que quem sabe não virão a aparecer mais tarde), mas sabe sempre bem ler uma história da Terra Média.
Hotel Memória, de João Tordo
João Tordo continua a escrever no estilo de Paul Auster, mas fá-lo muito bem, pelo que isso não é um defeito. Depois de O Livro dos Homens sem Luz , Hotel Memória confirma a sua qualidade, com uma intriga que prende e que me surpreendeu por não me desapontar no final - porque muitos livros conseguem criar um bom clima e aguçar a curiosidade à medida que o mistério se vai adensando mas depois chega-se a um anti-clímax e não um clímax, ou seja "a montanha acaba por parir um rato". Não é o caso deste, a história é engenhosa e tudo se explica de forma satisfatória. Por vezes, tal como no livro anterior, o autor carrega um pouco excessivamente nas lucubrações depressivas, mas no geral não exagera. E consegue ser arrepiante em algumas passagens, como na do olho (e mais não digo, para não estragar o prazer a quem o deseje ler). No conjunto, um bom livro de um autor interessante a seguir.
domingo, maio 06, 2007
These Foolish Things - a minha versão favorita
Oh will you never let me be?
Oh will you never set me free?
The ties that bound us are still around us
There´s no escape that I can see
And still those little things remain
That bring me happiness or pain
A cigarette that bears a lipsticks traces
An airline ticket to romantic places
And still my heart has wings
These foolish things
Remind me of you
A tinkling piano in the next apartment
Those stumbling words that told you what my heart meant
A fairgrounds painted swings
These foolish things
Remind me of you
You came, you saw, you conquered me
When you did that to me, I somehow knew that this had to be
The winds of march that make my heart a dancer
A telephone that rings - but who´s to answer?
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you
Gardenia perfume ling´ring on a pillow
Wild strawb´ries only seven francs a kilo
And still my heart has wings
These foolish things
Remind me of you
The park at evening when the bell has sounded
The isle de france with all the girls around it
The beauty that is spring
These foolish things
Remind me of you
I know that this was bound to be
These things have haunted me
For you´ve entirely enchanted me
The sigh of midnight trains in empty stations
Silk stockings thrown aside, dance invitations
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you
First daffodils and long excited cables
And candlelight on little corner tables
And still my heart has wings
These foolish things
Remind me of you
The smile of Garbo and the scent of roses
The waiters whistling as the last bar closes
The song that Crosby sings
These foolish things
Remind me of you
How strange, how sweet to find you still
These things are dear to me
That seem to bring you so near to me
The scent of smould´ring leaves, the wail of steamers
Two lovers on the street who walk like dreamers
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you, just you
Oh will you never set me free?
The ties that bound us are still around us
There´s no escape that I can see
And still those little things remain
That bring me happiness or pain
A cigarette that bears a lipsticks traces
An airline ticket to romantic places
And still my heart has wings
These foolish things
Remind me of you
A tinkling piano in the next apartment
Those stumbling words that told you what my heart meant
A fairgrounds painted swings
These foolish things
Remind me of you
You came, you saw, you conquered me
When you did that to me, I somehow knew that this had to be
The winds of march that make my heart a dancer
A telephone that rings - but who´s to answer?
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you
Gardenia perfume ling´ring on a pillow
Wild strawb´ries only seven francs a kilo
And still my heart has wings
These foolish things
Remind me of you
The park at evening when the bell has sounded
The isle de france with all the girls around it
The beauty that is spring
These foolish things
Remind me of you
I know that this was bound to be
These things have haunted me
For you´ve entirely enchanted me
The sigh of midnight trains in empty stations
Silk stockings thrown aside, dance invitations
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you
First daffodils and long excited cables
And candlelight on little corner tables
And still my heart has wings
These foolish things
Remind me of you
The smile of Garbo and the scent of roses
The waiters whistling as the last bar closes
The song that Crosby sings
These foolish things
Remind me of you
How strange, how sweet to find you still
These things are dear to me
That seem to bring you so near to me
The scent of smould´ring leaves, the wail of steamers
Two lovers on the street who walk like dreamers
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things
Remind me of you, just you
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