sexta-feira, novembro 28, 2008
O Palácio do Desejo, de Naguib Mahfouz
Mais um livro para me reconciliar com a ficção. O Palácio do Desejo é o segundo livro da Trilogia do Cairo, de Naguib Mahfouz. O primeiro é Entre os Dois Palácios, que li há algum tempo. Os nomes dos livros referem-se a bairros do Cairo - este segundo chama-se Qasr el-Shawq no original. Sempre gostei de sagas familiares, e esta é de excelente qualidade; ler o segundo livro é ainda melhor do que ler o primeiro, pois já nos sentimos familiarizados com as personagens e o ambiente. Como toda a boa ficção, esta transporta-nos a um mundo diferente do nosso, no qual entramos gradualmente e que se torna vivo e real. As personagens são extremamente humanas e reais, a escrita viva e expressiva. A cultura e o modo de vida revelados são muito diferentes dos nossos, e Mahfouz faz-nos compreendê-la e amá-la à medida que nos vai familiarizando com ela - de certa forma, fez-me lembrar a forma como os livros de Mishima revelam a cultura e a sociedade japonesas, ou A Suitable Boy, de Vikram Seth, a indiana, igualmente estranhas à nossa. Em resumo, muito bom, e fico com vontade de ler o terceiro.
terça-feira, novembro 25, 2008
Museu Nacional de Arqueologia
O Museu Nacional de Arqueologia é pequeno, mas vale bem uma visita. Para já, fica numa excelente localização - o Mosteiro dos Jerónimos, um dos monumentos mais bonitos de Portugal, numa das zonas mais bonitas de Lisboa - e a colecção, sendo pequena, tem peças muito interessantes. A colecção egípcia é modesta mas as peças são boas - melhor em Lisboa, só na Gulbenkian - e incluem a única múmia que penso haver no nosso país - fraco, se se pensar nas dezenas de múmias do British Museum, por exemplo, mas sempre é uma amostra. A sala do tesouro tem uma boa colecção de peças de ouro, com muitos belos torques e um colar belíssimo que parece uma obra de arte moderna, e a colecção romana é pequena mas bem representativa. Para terminar, a loja é bastante boa, e pode-se sempre aproveitar para visitar a igreja do mosteiro e o claustro, um dos mais belos da Europa.
segunda-feira, novembro 24, 2008
Satisfações
Depois de um dia de intenso trabalho, apesar do cansaço físico, fica-me sempre uma agradável sensação de satisfação e de realização. Não é só pelo sentimento de obrigação cumprida ligado à ética protestante de que por vezes sou acusado, ou pelo facto da imersão no trabalho me fazer abstrair de outros problemas. É porque gosto realmente do meu trabalho. Nunca me arrependi da especialidade que escolhi; pelo contrário, quanto mais passam os anos e aumenta a experiência mais me congratulo pelo acerto da escolha. Combina todos os elementos que aprecio e me estimulam na Medicina: uma matéria intelectualmente estimulante, doentes graves pelos quais se pode fazer alguma coisa, seguimento longitudinal de doentes crónicos, o que permite uma relação humana e familiar que é uma das satisfações da profissão, e o exercício de técnicas e intensivismo qb. Hoje apeteceu-me escrever sobre isto porque na minha última urgência tive uns poucos de doentes muito graves, um deles num estado de instabilidade com o qual felizmente não tenho de lidar todos os dias, do tipo em que se sente que cada gesto ou decisão, a cada 10 minutos, faz diferença. Acho que só quem tenha trabalhado em cuidados intensivos percebe bem o que se sente nessas alturas, são momentos simultaneamente angustiantes e exaltantes, pela responsabilidade e pelo imediatismo dos efeitos das nossas acções.
Ao contrário do que muita gente pensa, incluindo médicos, o trabalho numa unidade de cuidados intensivos é a maior parte do tempo bastante rotineiro e calmo, e a ausência de contacto com doentes que falam, e sobretudo a falta de seguimento longitudinal de doentes crónicos, nunca me atraiu particularmente. É por isso também que a minha especialidade me faz sentir realizado - lido com doentes graves, por vezes com as emoções do intensivismo, mas mantendo o contacto pessoal com os doentes que também me é tão gratificante. Sempre gostei imenso dos tempos de consulta, em que num período limitado de tempo se tenta orientar os problemas dos doentes da melhor forma que sabemos. E sinto uma especial satisfação ao reencontrar, ao longo de meses e anos, pessoas que vou conhecendo cada vez melhor, com as quais se estabelecem laços de uma certa intimidade e às quais sinto que faço alguma dferença, ao contribuir de alguma forma, mesmo que muitas vezes incompleta e limitada, para o seu bem estar.
Enfim, alegrias da Medicina...
sexta-feira, novembro 21, 2008
(Uma espécie de) Marley & Eu
Ele não se chama Marley, nem é um labrador (nem um boxer, ao contrário do que muita gente pensa, mas sim um perdigueiro português). Mas faz-me no entanto lembrar muitas vezes do protagonista do livro de John Grogan. Não é muito esperto, é muito bruto, e nos seus meses de maior energia de cachorrice revelou-se um verdadeiro vândalo, esventrando sofás, despedaçando almofadas, estraçalhando colchas e lençóis, roendo até paredes. Muitas vezes me provocou acessos de desespero e houvemomentos em que maldisse a hora em que decidi dar um sucessor ao meu saudoso épagneul breton.
Mas é tão bonzinho, tão meigo e afectuoso, que quando se encosta a mim a pedir festas e passo as mãos pelo seu focinho macio e quente lhe perdoo tudo. Ou quando me olha com aqueles olhos claros tão incondicionalmente dedicados, ou quando franze o sobrolho de um modo que lhe dá uma expressão tão cómica de seriedade num cão tão pateta. Derreto-me e penso que ao fim e ao cabo posso sempre substituir as almofadas e, agora que ele já fez 2 anos e acalmou bastante, posso esperar pela Primavera para estucar e pintar de novo as paredes. Será que, como diz a minha empregada russa, tenho mesmo "um coração mole"? Talvez, em certos aspectos.
segunda-feira, novembro 17, 2008
Outono
Gosto do Outono. Gosto das folhas secas a cair e espalhadas pelo chão, do cheiro da terra molhada depois das primeiras chuvas. Mas sobretudo gosto do regresso do frio, das manhãs límpidas e húmidas em que uma neblina suave cobre o rio, revelando ao desvanecer-se um azul limpo e claro. Lisboa tem uma luz espectacular, seja de manhãzinha ou ao fim da tarde, quando as casas e as igrejas ficam douradas por uma luz quente e avermelhada. É um verdadeiro repouso para os sentidos, depois da luz forte e do calor opressivo do Verão. Não que este Verão tenha sido muito quente, foi felizmente misericordiosamente benigno. Que me perdoem os frustrados adeptos da praia e do calor, mas o frio sabe-me muito melhor.
domingo, novembro 16, 2008
Guerra, SA, de Joshua Seftel
Um filme muito interessante, uma sátira violenta em traço grosso para ilustrar um dos problemas expostos no livro de Naomi Klein que li recentemente - o outsourcing da guerra a empresas privadas e a indecente exploração da destruição pelas grandes corporações. É arrepiante saber que o problema é bem real e que não parece estar a melhorar nada, antes pelo contrário. Mas é muito importante que as pessoas se apercebam dele, tal como dos outros resultantes do sucesso da implementação da Shock Doctrine e do capitalismo desregulado. Talvez assim se acabe por inverter a tendência... (Wishful thinking...)
quinta-feira, novembro 13, 2008
A propósito de uma citação de Chateaubriand
Estou a ler Mémoires d'Outre-Tombe, de Chateaubriand, e deparei a certa altura com este parágrafo, que transcrevo: Ceux qui me traitent
d'hypocrite et d'ambitieux me connaissent peu: je ne réussirai jamais
dans le monde, précisément parce qu'il me manque une passion et un
vice, l'ambition et l'hypocrisie. La première serait tout au plus chez
moi de l'amour-propre piqué; je pourrais désirer quelquefois être
ministre ou roi pour me rire de mes ennemis; mais au bout de
vingt-quatre heures je jetterais mon portefeuille et ma couronne par
la fenêtre.
Senti-me identificado com esta passagem. Com efeito, a hipocrisia é-me extremamente difícil, sou constantemente censurado por ser demasiado franco, "desbocado" mesmo; padeço talvez de um espírito crítico demasiado afiado, e não tenho pejo de exprimir as minhas opiniões nem de desmascarar a mediocridade. Em relação à ambição, também me falta, pelo menos aquela que é necessária para ter sucesso (para réussir dans le monde, como diria Saint-Simon). Quando era mais jovem, e comecei a trabalhar, era muito mais ambicioso, achava que tinha capacidade para réussir dans le monde e esperava consegui-lo; mas à medida que fui conhecendo esse "mundo" (no meu caso, o dos colégios de especialidade, universidade, Ordem dos Médicos), este pareceu-me tão ridículo, afectado e medíocre (parochial é um bom adjectivo), como dizia um antigo chefe meu, tão imbuído de um espírito jesuitico-coimbrão, que cedo achei que seria inútil sequer tentar alterá-lo. Mantenho-me assim de certa forma um outsider - faço o que acho correcto, exponho as minhas opiniões sem vergonha, e contento-me com o meu trabalho que me realiza e me faz sentir bem. Lembro-me da primeira - e última - assembleia do colégio da especialidade a que assisti. Senti-me de tal forma deslocado perante o acervo de hipocrisia e politiquices ridículas que decidi nunca mais comparecer. E penso que, infelizmente, este espírito não é exclusivo da classe médica, é uma característica do provincianismo nacional, e está de tal forma arreigado que penso que não desaparecerá nas próximas gerações. Lembro-me de pensar na altura que o motivo porque estas vetustas instituições (neste caso a Ordem dos Médicos e os colégios de especialidade, mas penso que se aplica às instituições portuguesas em geral) nunca mudam é porque as únicas pessoas que têm paciência para fazer parte delas são aquelas que pensam da mesma forma, e portanto vão perpetuando o status quo. Claro que há aqui e ali um espírito mais corajoso e empreendedor, que luta contra a corrente, mas infelizmente eu não tenho a apersistência suficiente para ser um deles. Limito-me a agir na minha esfera imediata de influência, que é bem pequena, e não é com orgulho que o afirmo. De qualquer forma, acho que é melhor que nada.
d'hypocrite et d'ambitieux me connaissent peu: je ne réussirai jamais
dans le monde, précisément parce qu'il me manque une passion et un
vice, l'ambition et l'hypocrisie. La première serait tout au plus chez
moi de l'amour-propre piqué; je pourrais désirer quelquefois être
ministre ou roi pour me rire de mes ennemis; mais au bout de
vingt-quatre heures je jetterais mon portefeuille et ma couronne par
la fenêtre.
Senti-me identificado com esta passagem. Com efeito, a hipocrisia é-me extremamente difícil, sou constantemente censurado por ser demasiado franco, "desbocado" mesmo; padeço talvez de um espírito crítico demasiado afiado, e não tenho pejo de exprimir as minhas opiniões nem de desmascarar a mediocridade. Em relação à ambição, também me falta, pelo menos aquela que é necessária para ter sucesso (para réussir dans le monde, como diria Saint-Simon). Quando era mais jovem, e comecei a trabalhar, era muito mais ambicioso, achava que tinha capacidade para réussir dans le monde e esperava consegui-lo; mas à medida que fui conhecendo esse "mundo" (no meu caso, o dos colégios de especialidade, universidade, Ordem dos Médicos), este pareceu-me tão ridículo, afectado e medíocre (parochial é um bom adjectivo), como dizia um antigo chefe meu, tão imbuído de um espírito jesuitico-coimbrão, que cedo achei que seria inútil sequer tentar alterá-lo. Mantenho-me assim de certa forma um outsider - faço o que acho correcto, exponho as minhas opiniões sem vergonha, e contento-me com o meu trabalho que me realiza e me faz sentir bem. Lembro-me da primeira - e última - assembleia do colégio da especialidade a que assisti. Senti-me de tal forma deslocado perante o acervo de hipocrisia e politiquices ridículas que decidi nunca mais comparecer. E penso que, infelizmente, este espírito não é exclusivo da classe médica, é uma característica do provincianismo nacional, e está de tal forma arreigado que penso que não desaparecerá nas próximas gerações. Lembro-me de pensar na altura que o motivo porque estas vetustas instituições (neste caso a Ordem dos Médicos e os colégios de especialidade, mas penso que se aplica às instituições portuguesas em geral) nunca mudam é porque as únicas pessoas que têm paciência para fazer parte delas são aquelas que pensam da mesma forma, e portanto vão perpetuando o status quo. Claro que há aqui e ali um espírito mais corajoso e empreendedor, que luta contra a corrente, mas infelizmente eu não tenho a apersistência suficiente para ser um deles. Limito-me a agir na minha esfera imediata de influência, que é bem pequena, e não é com orgulho que o afirmo. De qualquer forma, acho que é melhor que nada.
terça-feira, novembro 11, 2008
O Meu Nome é Vermelho, de Orhan Pamuk
Um bom livro, que teve o condão de me reconciliar com a ficção, já que nos últimos meses andava a ler quase exclusivamente memórias, clássicos ou livros de informação - depois deste já estou lançado no segundo volume da Trilogia do Cairo, de Naguib Mahfouz, e comprei mais alguns romances, com vontade de os ler. Demorei um pouco a "entrar" no livro, mas depois gostei bastante - pequenos capítulos com vários narradores, sucedendo-se como as miniaturas persas que são o tema do livro, organizadas à volta de uma história de crime e intrigas na Istambul do fim do século XVI. E ao longo do texto - ou vários textos, se cada narrador tivesse uma voz diferente, mas, e nesse aspecto penso que o autor não conseguiu totalmente o seu objectivo, quase todos falam da mesma forma - vão sendo expostos os verdadeiros temas do livro: a ideia da arte e dos seus objectivos, o conflito entre a tradição e a inovação, a tolerância e o fundamentalismo, a infiltração dos valores ocidentais na civilização muçulmana.
quarta-feira, novembro 05, 2008
Um bom resultado, para variar!
Finalmente, um bom resultado nas eleições americanas, depois do golpe constitucional de 2000 e do desastre de 2004 que nos deram 8 anos de um dos piores presidentes de sempre. Sabe bem acordar com uma perspectiva optimista, mesmo sabendo que as coisas não vão mudar de um dia para o outro. Mas é sem dúvida uma grande melhoria! Para já, congratulemo-nos com a vitória de Obama e com o bom sinal de os americanos se terem mobilizado para votar na mudança e contra a política de Bush.
domingo, novembro 02, 2008
Uma visita ao Museu Berardo
Fui hoje pela primeira vez ver o Museu Berardo, instalado no CCB. Penso que a exposição actual da colecção, Não te Posso Ver Nem Pintado, é apenas uma parte, espero que não a melhor. Quando vejo estas exposições, fico sempre com a ideia de que a arte contemporânea está num beco sem saída, de que há uns 50 ou 60 anos que não há ideias novas e de que, embora aqui e ali se encontrem trabalhos interessantes (e também vi alguns hoje), a esmagadora maioria é confrangedoramente má, sofrendo da tentativa patética de impressionar, chocar, ou de procurar uma originalidade postiça. Talvez eu seja muito filisteu, mas de facto este tipo de arte raramente me agrada - e eu até sou um grande admirador de arte moderna.
Vi também uma exposição, Desenhos de Escritores, que achei muito pobre. Seria bem mais interessante uma exposição - ou várias - de pintores integrados em movimentos que também incluíssem literatura. Mas obviamente não se pode gostar de tudo.
Enfim... Tirando o espaço, que é um excelente espaço de exposição, acho que o que mais apreciei no museu foi a loja.
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