quarta-feira, maio 16, 2007

Os virtuosos atacam de novo, ou falta de senso nos Estados Unidos...


Novamente assistimos a uma manifestação da intolerância e hipocrisia de conservadores pretensamente virtuosos, com consequências negativas, desta vez a propósito da nova vacina contra o HPV (vírus do papiloma humano). O artigo de R. Charo no número de 10 de Maio do New England Journal of Medicine, Politics, Parents and Prophylaxis – Mandating HPV Vaccination in the United States, é interessante, elegante e esclarecedor. E pouco animador também, pela realidade para que chama a atenção.

Resumindo a questão: o HPV é um vírus de transmissão sexual (e possivelmente oral), responsável por várias patologias ano-genitais (papilomas, verrugas), pela maioria dos casos de carcinoma do colo do útero e provavelmente também por alguns casos de carcinoma orofaríngeo. Recentemente, produziram-se vacinas contra algumas estirpes do HPV (responsáveis por cerca de 70% dos casos de carcinoma), que se tem demonstrado serem muito eficazes em termos de imunização e desprovidas de efeitos laterais, pelo que o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) recomendou por voto unânime que a vacina fosse administrada a raparigas dos 11 aos 12 anos (uma vez que a eficácia é mais segura se forem vacinadas antes de expostas ao vírus, ou seja, antes de iniciarem vida sexual activa). A forma mais simples de aplicar a recomendação foi incluir esta vacina nos planos obrigatórios de vacinação dos vários estados, legislando-se nesse sentido – o meio mais eficaz de chegar à população de maior risco, constituída pelos elementos economica e culturalmente menos favorecidos.

Tudo aparentemente simples e linear... Só que isso é não contar com as incansáveis forças da moral e dos bons costumes, cujo poder e influência tem crescido perigosamente nos últimos tempos. Com efeito, esta legislação tem sido fortemente contestada, de tal forma que ainda apenas dois estados a promulgaram, e num deles está a tentar-se cancelá-la. E tudo porquê? Porque o HPV é transmitido sexualmente, portanto a sua prevenção activa (pela vacinação) significaria o reconhecimento implícito.... de quê? De que as raparigas virão a ter vida sexual algures depois dos 12 anos e eventualmente com mais do que um parceiro e sem usar preservativo? E isso não é evidente, perguntar-se-á?... Aparentemente, as almas virtuosas acham que não. Argumentam que não se deve obrigar as meninas a ser vacinadas, porque o que é preciso é fazer com que a vacina não seja necessária – ou seja, que pratiquem a castidade por tempo indeterminado... Pouco realista? Pouco prático? Para as almas virtuosas isso não interessa nada.

De notar que todas as leis incluem a possibilidade de parent opt-out, ou seja, de os pais recusarem a vacina. Mas isto é uma atitude típica da mentalidade virtuosa: o que lhes interessa não é terem o direito de escolherem para si próprios, é o direito de imporem as suas opiniões e valores aos outros. E assim se impede que uma medida simples, eficaz e inócua seja aplicada, por hipocrisia, intolerância e falta de senso – sim, porque essas pessoas esquecem (ou antes, recusam-se a perceber) que também as suas filhas correrão um risco maior. Mas devem estar convencidos que as suas filhas subirão puras ao altar e se manterão fiéis ao esposo com o qual se submeterão abnegadamente à cópula para a procriação.

Sem comentários: