Estes 2 volumes são uma colectânea de cartas de 1926 a 1963, mas mais de dois terços correspondem ao período de Setembro de 1939 a Junho de 1940 quando, durante a drôle de guerre, Sartre escrevia diariamente a Simone de Beauvoir. É de longe a parte mais interessante, pelo olhar que nos permite lançar sobre um quotidiano, que por acaso é o de um homem inteligente, complexo e atento ao que o rodeava. Aliás, Simone de Beauvoir cita no prefácio uma afirmação de Sartre dita durante as conversas que foram publicadas no volume A Cerimónia do Adeus, em que ele explica o que pensava significarem as suas cartas: "Eram a transcrição da minha vida imediata... Um trabalho espontâneo. Pensava no fundo que seriam publicadas depois da minha morte... As minhas cartas foram em suma o equivalente a um testemunho sobre a minha vida".
É essa espontaneidade que nos mostra um homem pouco simpático, egoísta e egocêntrico, com uma ideias muitas vezes peregrinas e uma enorme auto-indulgência, mas também curioso, atento, intelectualmente corajoso e com uma capacidade de desenvolver e também de alterar as suas ideias, de viver segundo as mesmas, que é quanto a mim aquilo que o torna atractivo e interessante. Assistimos ao seu testemunho sobre a escrita de A Idade da Razão, que foi de certa forma um dos livros da minha vida (e estou certo que de muitas outras vidas), e acho sempre fascinante estes olhares sobre os processos criativos. Enfim, como pessoa, sempre simpatizei mais com a personalidade e as ideias de Simone de Beauvoir, mas reconheço que Sartre foi mais aventureiro e ousado, o que o levou a cometer mais erros, mas também a abrir mais caminhos.
No conjunto, mesmo considerando algumas cartas desprovidas de interesse (como as dirigidas a Simone Jollivet ou as dos últimos anos da colectânea), é um livro interessante e um bom complemento às Lettres à Sartre.
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
segunda-feira, fevereiro 26, 2007
Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood
Este foi um dos poucos anos em que tinha visto os 5 filmes nomeados para o Oscar de melhor filme do ano antes da cerimónia, e se tivesse voto na matéria teria escolhido Letters from Iwo Jima (em 2º lugar The Departed, em 3º Little Miss Sunshine, em 4º Babel e em 5º The Queen). Letters from Iwo Jima é também o melhor filme de Eastwood, o que não é dizer pouco, tendo em conta a qualidade de filmes como Bird ou Million Dollar Baby.
O filme tem um arranque um bocado lento, agravado pelo facto de ser falado em japonês, o que diminui a "adesão" ao enredo, mas assim que começa o ataque americano ganha um fôlego que não perde até à cena final. É um filme belíssimo, de uma poesia inspirada, sobre o absurdo da guerra e o que há de admirável na natureza humana - Eastwood gosta aliás de a representar com uma grandeza inspirada e poética na derrota que pode ser considerada um tanto idealista / ingénua, mas fá-lo melhor do que ninguém; é belo e edificante, e a arte não tem de ser forçosamente cínica ou realista, mesmo que nós o sejamos. As interpretações são excelentes e a fotografia é muito bela, contribuindo para o tom emocional do filme.
Gostei mesmo muito, e tenciono ver em breve Flags of our Fathers.
O filme tem um arranque um bocado lento, agravado pelo facto de ser falado em japonês, o que diminui a "adesão" ao enredo, mas assim que começa o ataque americano ganha um fôlego que não perde até à cena final. É um filme belíssimo, de uma poesia inspirada, sobre o absurdo da guerra e o que há de admirável na natureza humana - Eastwood gosta aliás de a representar com uma grandeza inspirada e poética na derrota que pode ser considerada um tanto idealista / ingénua, mas fá-lo melhor do que ninguém; é belo e edificante, e a arte não tem de ser forçosamente cínica ou realista, mesmo que nós o sejamos. As interpretações são excelentes e a fotografia é muito bela, contribuindo para o tom emocional do filme.
Gostei mesmo muito, e tenciono ver em breve Flags of our Fathers.
domingo, fevereiro 25, 2007
Amigos
Vi há alguns dias o filme Mon Meilleur Ami, de Patrice Leconte. É um filme simpático, bem disposto, com um argumento simples e dois bons actores. Trata do tema da amizade, e por coincidência vi-o quando andava a ruminar há alguns dias um texto para aqui – como é habitual, as ideias vão surgindo um pouco ao acaso, do que vejo, leio ou me acontece, e depois componho os textos mentalmente enquanto ando de carro de um emprego para outro ou passeio o cão; umas vezes aproveito-os outras nunca chego a escrevê-los.
Nos últimos meses houve alguns problemas na minha vida que me obrigaram a alterar de forma significativa uma rotina de longa data e que durante muitos anos nunca me passara pela cabeça alterar e me fizeram repensar uma série de coisas. E, como sempre nestas alturas de problemas e mudanças, os meus amigos estiveram comigo para me ajudar, me apoiar e me ouvir. Mais uma vez pude contar com eles e senti que sem eles teria descompensado por completo. Como diz Montaigne (e muito mais gente, decerto), amizade é de facto o melhor sentimento / experiência do mundo, e não é dos menores motivos o facto de depender sempre da nossa escolha – os amigos são a família que nos vamos criando ao longo da vida, podem surgir por acaso – serendipidade! – mas depende da nossa vontade mantê-los e cultivá-los.
Ao longo dos anos, tive várias amizades marcantes; desde os tempos de liceu que as minhas relações com os meus amigos ocuparam uma posição preponderante nos meus afectos. Os acasos da vida, as escolhas feitas por mim ou por eles, as mudanças que cada um de nós foi sofrendo, fizeram que algumas se fortalecessem, outras, mesmo que tivessem sido muito importantes, enfraquecessem ou desaparecessem de todo (a maioria num whisper, mas algumas com um bang).
Não consigo “ordenar” nem “classificar” os meus amigos; cada relação é diferente, tem a sua história, cada um deles é único, mas posso dizer que actualmente há quatro pessoas que são os meus melhores amigos, sem as quais não sei como seria a minha vida, mas imagino-a mais triste, sombria e seguramente mais complicada. Apetece-me falar deles, porque me têm estado muito presentes e porque gosto muito deles, e o simples acto de pensar e escrever sobre eles me dá prazer e me faz sentir bem. Não é uma questão de gratidão, porque na amizade essas questões não se colocam. E para evitar ordenações melindrosas, escolho a ordem cronológica, que é imutável e não dependeu de nenhum de nós.
A mais antiga é uma colega de curso, que conheci no primeiro dia de faculdade. A amizade veio depois, gradualmente, nos últimos anos do curso, e a partir de então foi-se sempre reforçando. Já passámos por casamentos e divórcios, nascimentos e mortes, férias e trabalho, estágios e especializações; esteve presente (felizmente!) em alguns dos momentos mais traumáticos e importantes da minha vida. Já falei dela várias vezes aqui, geralmente chamando-lhe Atena, porque liga bem com a sua personalidade eminentemente racional e sensata, felizmente temperada por alguns traços de loucura (como diz o Fernando Pessoa, “sem a loucura que é o homem / mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?”). Continuamos tão próximos como sempre, conversando e discutindo de tudo um pouco em jantares que se prolongam por cafés pela noite dentro.
O segundo começou por ser um parente por afinidade, tornando-se depois um amigo fiel e presente. Conto com ele em muitas ocasiões, e é um dos meus grandes auxiliares nos problemas e vivências como pai, pois partilhamos a experiência da monoparentalidade. É das poucas pessoas a que aplico sem ironia o termo “coração de ouro”, chegando a provocar-me ciúmes em algumas vezes por sentir que os meus filhos talvez gostassem mais de o ter a ele como pai... Anos de conversas, de férias juntos, é tudo aquilo que se pode desejar de uma relação familiar – não por acaso escolhida e não imposta pelos genes.
Segue-se uma colega de trabalho, com quem convivo quase diariamente há cerca de 15 anos. Ao longo dos anos, temos partilhado quotidianamente alegrias e angústias, problemas e piadas, e considero-a como uma irmã, segura, fiel e afectuosa. É das pessoas com quem passo mais tempo, e tem-me ajudado de forma inestimável em múltiplas ocasiões, sempre incondicionalmente como é característica de uma verdadeira amizade.
Last but not least, um amigo que conheci por acaso na net há pouco mais de 2 anos – e só por isso já teria valido a pena aderir às novas tecnologias! Não há moldes fixos para a amizade, e esta desenvolveu-se rápida e inesperadamente, de tal forma que se eu tivesse de dizer quem era actualmente o meu “melhor amigo” no sentido daquele com quem converso mais vezes, que sabe tudo sobre mim e com quem mais gosto de passar o tempo, seria certamente ele.
As relações humanas são complexas e por vezes estranhas, mas não imagino como poderia passar sem os meus amigos. Há outros de que poderia falar, e sinto-me um pouco injusto por não os referir, mas estes quatro são sem dúvida the top of the top, le crème de la crème. E é graças a eles que me sinto vivo e estimável, e um pouco orgulhoso, pois quem se pode queixar se conseguiu fazer quatro verdadeiros amigos?
sábado, fevereiro 24, 2007
Clash by Night, de Fritz Lang
Um bom drama à moda antiga, misto de film noir e melodrama. A história não é muito original - a badgirl de bom coração tornada cínica pela vida lutando entre o desejo de segurança e a sede de aventura, com um triângulo amoroso e um bom naipe de secundários - mas os diálogos são excelentes, repletos de lines memoráveis, sobretudo as de Barbara Stanwick. Esta tem uma interpretação poderosa, sem cair em excessos, e está bem secundada pelos outros. O ambiente, meio poético meio tenso, serve muito bem a história. Mais uma vez, sabe bem ver filmes antigos que perduram, aumenta tanto o cinema à nossa disposição.
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Dilemas médicos
Num número do New England Journal of Medicine deste mês saiu um artigo interessante sobre o problema das objecções morais / religiosas de médicos à realização de procedimentos legais mas moralmente controversos: Religion, Conscience, and Controversial
Clinical Practices, autores Farr A. Curlin, M.D., Ryan E. Lawrence, M.Div., Marshall H. Chin, M.D., M.P.H., and John D. Lantos, M.D. Reproduzo aqui o abstract e dois excertos das conclusões (tradução minha, poderá não ser muito boa, mas este é um blog português...).
Abstract:
Contexto
Existe um aceso debate sobre se os profissionais de saúde podem recusar tratamentos a que são objectores por motivos morais. É importante compreender a opinião dos médicos sobre os seus direitos e deveres éticos quando esses conflitos surgem na prática clínica.
Métodos
Conduzimos um estudo transversal numa amostra aleatorizada, estratificada, de 2000 médicos americanos de todas as especialidades por correio. As principais variáveis foram os julgamentos dos médicos sobre os seus direitos e deveres éticos quando pediam um procedimento medico-legal a que os médicos objectavam por motivos morais ou religiosos. Estes procedimentos incluíam a administração de sedação terminal em doentes moribundos, a realização de aborto para uma falha de contracepção e a prescrição de contraceptivos a adolescentes sem autorização dos pais.
Resultados
Um total de 1144 em 1820 médicos (63%) respondeu ao nosso inquérito. Com base nos nossos resultados, estimamos que a maioria dos médicos acredita ser eticamente admissível aos médicos explicarem as suas objecções morais aos doentes (63%). A maioria também acredita que os médicos são obrigados a apresentar todas as opções (86%) e a referir os doentes a outro médico que não objecte ao procedimento requerido (71%). Médicos do sexo masculino, religiosos, e que tinham objecções pessoais a práticas clínicas moralmente controversas apresentaram menor probabilidade de responder que os médicos devem revelar informação relevante ou referir os doentes para procedimentos aos quais o médico objectasse por motivos morais.
Conclusões
Muitos médicos não se consideram obrigados a revelar informação relevante nem a referir os doentes para procedimentos legais mas moralmente controversos. Os doentes que desejam informação ou acesso a esses processos podem precisar de tomar a iniciativa de determinar se os seus médicos lhes satisfarão esses pedidos.
É certo que o estudo foi realizado nos Estados Unidos, e retrata portanto uma realidade americana, mas penso que as suas conclusões são válidas no conjunto do mundo ocidental. Transcrevo dois excertos que me parecem particularmente interessantes, sobretudo o segundo:
"Os julgamentos dos médicos sobre as suas obrigações estão significativamente associados às suas características religiosas, de género e crenças sobre práticas clínicas moralmente controversas. Médicos do sexo feminino são mais a favor de uma informação completa e referência do que médicos do sexo masculino, talvez porque muitos temas controversos em Medicina (nomeadamente o aborto, a contracepção e tecnologias de reprodução assistida) envolvem desproporcionadamente a saúde sexual e reprodutiva da mulher. Médicos religiosos apresentam menor probabilidade de recomendar informação completa e referência do que os não religiosos, talvez porque, como muitos estudos anteriores mostraram, médicos religiosos têm maior probabilidade de opor objecções pessoais a muitas intervenções médicas controversas.
[...]
Estes conflitos podem ser compreendidos no contexto dos debates persistentes sobre paternalismo médico e autonomia dos doentes. Formas fortes de paternalismo são baseadas na assunção de que os médicos sabem o que é melhor para os seus doentes e podem portanto tomar decisões sem os informar de todos os factos, alternativas ou riscos. O paternalismo é largamente criticado por violar o direito de adultos à autodeterminação. O inverso de um forte paternalismo é o ênfase estrito na autonomia dos doentes, o que sugere que os médicos devem simplesmente apresentar todas as opções e permitir que os doentes escolham entre elas. Modelos que enfatizam a autonomia dos doentes a esse ponto têm sido criticados por diminuírem a responsabilidade dos médicos, tornando-os meros técnicos ou vendedores de cuidados e serviços de saúde."
Foco dois aspectos: o primeiro é que mais uma vez se confirma que são as pessoas religiosas aquelas que mais frequentemente actuam como detentoras da verdade, desrespeitando o direito dos outros à escolha e pretendendo impor o seu ponto de vista e o seu código de conduta. O segundo relaciona-se com a questão paternalismo médico / decisão informada do doente. Defendo absolutamente o direito dos doentes decidirem o que é melhor para eles e a obrigação dos médicos fornecerem toda a informação relevante. No entanto, temos de ter consciência de que na maioria dos casos (não me refiro a estes casos de práticas "moralmente controversas", mas sim aos problemas médicos em geral) os doentes não conseguem compreender ou assimilar as implicações, riscos e probabilidades envolvidas nas decisões clínicas - não é por acaso que o curso de Medicina é longo e trabalhoso eque a profissão exige um esforço de actualização constante para ser exercida com competência - pelo que é quase sempre pedido ao médico que tome grande parte da responsabilidade pelas decisões. E deve ser assim, de outra forma estaríamos a empurrar a responsabilidade de decisões, por vezes muito difíceis, para pessoas que de facto não estão em posição de as tomar da melhor forma, além de frequentemente o próprio processo da doença perturbar a sua capacidade de análise racional. Penso que essa capacidade de partilhar com o doente a informação e a decisão faz parte do dever profissional do médico, caso contrário seria de facto reduzido a um vendedor de cuidados de saúde. Obviamente, no entanto, estas considerações aplicam-se a decisões técnicas, relacionadas com o conhecimento médico, nunca a decisões morais, que são da exclusiva responsabilidade de cada um envolvido.
Clinical Practices, autores Farr A. Curlin, M.D., Ryan E. Lawrence, M.Div., Marshall H. Chin, M.D., M.P.H., and John D. Lantos, M.D. Reproduzo aqui o abstract e dois excertos das conclusões (tradução minha, poderá não ser muito boa, mas este é um blog português...).
Abstract:
Contexto
Existe um aceso debate sobre se os profissionais de saúde podem recusar tratamentos a que são objectores por motivos morais. É importante compreender a opinião dos médicos sobre os seus direitos e deveres éticos quando esses conflitos surgem na prática clínica.
Métodos
Conduzimos um estudo transversal numa amostra aleatorizada, estratificada, de 2000 médicos americanos de todas as especialidades por correio. As principais variáveis foram os julgamentos dos médicos sobre os seus direitos e deveres éticos quando pediam um procedimento medico-legal a que os médicos objectavam por motivos morais ou religiosos. Estes procedimentos incluíam a administração de sedação terminal em doentes moribundos, a realização de aborto para uma falha de contracepção e a prescrição de contraceptivos a adolescentes sem autorização dos pais.
Resultados
Um total de 1144 em 1820 médicos (63%) respondeu ao nosso inquérito. Com base nos nossos resultados, estimamos que a maioria dos médicos acredita ser eticamente admissível aos médicos explicarem as suas objecções morais aos doentes (63%). A maioria também acredita que os médicos são obrigados a apresentar todas as opções (86%) e a referir os doentes a outro médico que não objecte ao procedimento requerido (71%). Médicos do sexo masculino, religiosos, e que tinham objecções pessoais a práticas clínicas moralmente controversas apresentaram menor probabilidade de responder que os médicos devem revelar informação relevante ou referir os doentes para procedimentos aos quais o médico objectasse por motivos morais.
Conclusões
Muitos médicos não se consideram obrigados a revelar informação relevante nem a referir os doentes para procedimentos legais mas moralmente controversos. Os doentes que desejam informação ou acesso a esses processos podem precisar de tomar a iniciativa de determinar se os seus médicos lhes satisfarão esses pedidos.
É certo que o estudo foi realizado nos Estados Unidos, e retrata portanto uma realidade americana, mas penso que as suas conclusões são válidas no conjunto do mundo ocidental. Transcrevo dois excertos que me parecem particularmente interessantes, sobretudo o segundo:
"Os julgamentos dos médicos sobre as suas obrigações estão significativamente associados às suas características religiosas, de género e crenças sobre práticas clínicas moralmente controversas. Médicos do sexo feminino são mais a favor de uma informação completa e referência do que médicos do sexo masculino, talvez porque muitos temas controversos em Medicina (nomeadamente o aborto, a contracepção e tecnologias de reprodução assistida) envolvem desproporcionadamente a saúde sexual e reprodutiva da mulher. Médicos religiosos apresentam menor probabilidade de recomendar informação completa e referência do que os não religiosos, talvez porque, como muitos estudos anteriores mostraram, médicos religiosos têm maior probabilidade de opor objecções pessoais a muitas intervenções médicas controversas.
[...]
Estes conflitos podem ser compreendidos no contexto dos debates persistentes sobre paternalismo médico e autonomia dos doentes. Formas fortes de paternalismo são baseadas na assunção de que os médicos sabem o que é melhor para os seus doentes e podem portanto tomar decisões sem os informar de todos os factos, alternativas ou riscos. O paternalismo é largamente criticado por violar o direito de adultos à autodeterminação. O inverso de um forte paternalismo é o ênfase estrito na autonomia dos doentes, o que sugere que os médicos devem simplesmente apresentar todas as opções e permitir que os doentes escolham entre elas. Modelos que enfatizam a autonomia dos doentes a esse ponto têm sido criticados por diminuírem a responsabilidade dos médicos, tornando-os meros técnicos ou vendedores de cuidados e serviços de saúde."
Foco dois aspectos: o primeiro é que mais uma vez se confirma que são as pessoas religiosas aquelas que mais frequentemente actuam como detentoras da verdade, desrespeitando o direito dos outros à escolha e pretendendo impor o seu ponto de vista e o seu código de conduta. O segundo relaciona-se com a questão paternalismo médico / decisão informada do doente. Defendo absolutamente o direito dos doentes decidirem o que é melhor para eles e a obrigação dos médicos fornecerem toda a informação relevante. No entanto, temos de ter consciência de que na maioria dos casos (não me refiro a estes casos de práticas "moralmente controversas", mas sim aos problemas médicos em geral) os doentes não conseguem compreender ou assimilar as implicações, riscos e probabilidades envolvidas nas decisões clínicas - não é por acaso que o curso de Medicina é longo e trabalhoso eque a profissão exige um esforço de actualização constante para ser exercida com competência - pelo que é quase sempre pedido ao médico que tome grande parte da responsabilidade pelas decisões. E deve ser assim, de outra forma estaríamos a empurrar a responsabilidade de decisões, por vezes muito difíceis, para pessoas que de facto não estão em posição de as tomar da melhor forma, além de frequentemente o próprio processo da doença perturbar a sua capacidade de análise racional. Penso que essa capacidade de partilhar com o doente a informação e a decisão faz parte do dever profissional do médico, caso contrário seria de facto reduzido a um vendedor de cuidados de saúde. Obviamente, no entanto, estas considerações aplicam-se a decisões técnicas, relacionadas com o conhecimento médico, nunca a decisões morais, que são da exclusiva responsabilidade de cada um envolvido.
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
Old Songs
Como são deliciosas as letras ingénuas e malandras das velhas canções dos anos 20 e 30, cantadas por vozes consagradas como as de Bessie Smith, Ella Fitzgerald ou Billie Holiday, ou de outras menos conhecidas como Jean Eldridge, Ma Haines ou Adelaide Hall. Como exemplo, este excerto de If You Can't Hold the Man You Love, de Duke Ellington, cantado por Evelyn Preer:
If you can't hold the man you love
Don't cry when he's gone
..................................
You can't hold a bird unless you feed him wheat
You can't hold a dog without a bone to eat
A monkey he don’t get peanuts while he’s gone
can’t hold a chicken unless you feed him corn
...................................
you can’t hold a man unless you give him love
Vem isto a propósito de uns cds que tenho ouvido nos últimos dias, de uma série económica de jazz, a sagajazz. Esta música está no Duke's Singing Ladies; outros que tenho ouvido são Louis Armstrong Meets the Girls, Happy Billie e Erroll Garner - Piano Solos 1945-1955. É uma execelente série e tem-me dado imenso prazer ouvir e cantarolar.
If you can't hold the man you love
Don't cry when he's gone
..................................
You can't hold a bird unless you feed him wheat
You can't hold a dog without a bone to eat
A monkey he don’t get peanuts while he’s gone
can’t hold a chicken unless you feed him corn
...................................
you can’t hold a man unless you give him love
Vem isto a propósito de uns cds que tenho ouvido nos últimos dias, de uma série económica de jazz, a sagajazz. Esta música está no Duke's Singing Ladies; outros que tenho ouvido são Louis Armstrong Meets the Girls, Happy Billie e Erroll Garner - Piano Solos 1945-1955. É uma execelente série e tem-me dado imenso prazer ouvir e cantarolar.
terça-feira, fevereiro 20, 2007
The Master of Petersburg, de J.M. Coetzee
Conheço mal a obra de Coetzee, antes deste só tinha lido À Espera dos Bárbaros, que achei excelente e me impressionou fortemente. The Master of Petersburg é muito bom, algo pesado, deixando uma impressão meio estranha, mas forte. Está escrito um pouco à maneira dos romances de Dostoievski, que aliás é a personagem principal, tentando recriar a génese de um conto com uma das personagens marcantes de Os Possessos, Stavroguine. No entanto, enquanto que em Dostoievski as narrativas fluem de modo tempestuoso e inexorável, aqui predomina um tom sombrio e lento - é um livro sobre o envelhecimento, a perda, a procura de uma justificação moral que não existe, como se o que nos resta num mundo hostil e destituído de significado fosse apenas a exploração às cegas dos abismos que temos dentro de nós. Não sei se há uma alegoria política, como em À Espera dos Bárbaros, esta foi a impressão que me ficou. O Dopstoievski-personagem sente-se perdido e repleto de dúvidas, e a força do autor é conseguir transmitir-nos essas dúvidas. E também o deixar-nos perante várias leituras possíveis, vários níveis de significado. Não é de longe tão bom como À Espera dos Bárbaros, mas deixa-me com vontade de ler mais livros de Coetzee.
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
Pecados Íntimos (Little Children) de Todd Field
Little Children - cujo lamentável título português se deve destinar a atrair as audiências... - é um filme interessante, embora deixe no final um certo desconforto, em parte pela gradual mudança de registo, inicialmente irónico e progressivamente mais trágico e sombrio. A história trata das paixões e mesquinharias que se escondem sob a aparente normalidade da vida suburbana, de adultos limitados e encurralados pela sua imaturidade e dos riscos que se correm quando se tenta ultrapassar as fronteiras do conhecido, da segurança. A personagem do pedófilo, muito bem conseguida e que faz lembrar o assassino compulsivo de M, actua sobretudo como o catalisador que desmascara a crueldade de uma vizinhança honesta e normal. E sentimo-nos angustiados com a forma como as personagens principais se deixam encurralar nas suas vidas insatisfatórias, por uma passividade causada pela imaturidade, de onde penso que vem o título.
Kate Winslet tem mais uma excelente interpretação, muito bem secundada por Patrick Wilson e todo o resto do elenco.
Kate Winslet tem mais uma excelente interpretação, muito bem secundada por Patrick Wilson e todo o resto do elenco.
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Volver, de Pedro Almodóvar
Muito bom, Volver, já não gostava tanto de um Almodóvar desde Tudo Sobre a Minha Mãe. É um filme intimista e afectuoso, com um bom argumento, repleto dos pequenos pormenores e diálogos divertidos que são sempre tão bons nos seus filmes, sobre a solidariedade, o amor, o optimismo e a perseverança face à adversidade, a culpa, a família, partindo como habitualmente de um grupo de pessoas vulgares nas suas qualidades e defeitos apanhadas num momento de crise e com alguns fantasmas no passado.
Mais uma vez, Almodóvar é excelente na criação de personagens femininas (acho que apenas em A Lei do Desejo consegue criar personagens masculinas com igual veresimilhança) - todas as mulheres deste filme, da velha tia à adolescente, são reais e tocantes. Penélope Cruz mostra do que é capaz quando tem um bom papel e um realizador que a sabe dirigir, depois de um périplo desastrado em Hollywood (tal como Antonio Banderas, que poderá ser actualmente mais conhecido e mais rico, mas nunca mais teve um bom papel desde que deixou de ser actor de Almodóvar); Lola Dueñas está óptima, e sabe bem rever Carmen Maura e Chus Lampreave.
terça-feira, fevereiro 13, 2007
O resultado
Uma palavra apenas para me congratular do resultado do referendo sobre a despenalização do aborto. Como um amigo disse, "sabe bem acordarmos num país um pouco menos atrasado"... e um pouco menos hipócrita, acrescento eu. Mais uma vez, no entanto, a fraca afluência às urnas demonstra que a questão devia ter sido resolvida na Assembleia (já que obviamente não mobiliza a maioria da população, além de todos os outros motivos) e que o povo português é comodista e pouco participativo, preferindo sempre queixar-se de tudo mas nada fazer quando tem oportunidade.
Agora falta resolver os pormenores logísticos, a questão da comparticipação, etc. Mas estou certo de que, tal como aconteceu em 1984, em que também antes da lei parecia que cairia o Carmo e a Trindade caso fosse promulgada, tudo se fará sem barulho nem problemas. Porque, como de costume, o seixo já caiu no charco, os corifeus já se manifestaram como era suposto fazê-lo e o momento mediático passou. As questões práticas serão resolvidas, como de costume, sem ondas, pelas pessoas práticas que trabalham sem dramas nem fanfarras. Ainda bem.
sábado, fevereiro 10, 2007
Le Temps qui Reste, de François Ozon
Gostei muito deste filme. Fez-me lembrar em muitos aspectos My Life Without Me, de Isabel Caixet, sobre o mesmo tema. É um filme sensível e tocante, com uma excelente interpretação de Melvil Poupaud. A dieia da morte em breve, inevitável, provoca simultaneamente receio e fascínio. É fácil identificarmo-nos com o protagonista, com a sua perturbação, com a atitude de suprema liberdade perante um fim próximo, que obriga a repensar a noção de responsabilidade, do que fazemos nós aqui, do que fazer com o tempo que resta. François Ozon trata o assunto de forma inteligente e sensível, sem cair na pieguice e exprimindo muito bem a imperfeição e a fragilidade humanas. Já tinha visto um outro filme seu sobre a morte, Sous le Sable, esse sobre a perda, de que também tinha gostado, mas achei este ainda melhor. E tal como em My Life Without Me, termina-se o filme sem tristeza nem regret, com uma sensação de serenidade e missão cumprida, de que a vida é finita e que isso não faz assim tanta diferença. Muito bom.
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Scoop, de Woody Allen
Diverti-me imenso a ver Scoop, uma típica comédia "woodyallenesca", engraçada e inteligente. É certo que é muito decalcada de Manhattan Murder Mystery, e que Scarlett Johansson é lindíssima mas não chega aos calcanhares de Diane Keaton como comediante, mas não faz mal. Como sempre, os diálogos são brilhantes, e sabe bem rever Woody Allen num dos seus típicos papéis de pateta desajeitado. Para saborear e relaxar!
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
A campanha
Tenho de reconhecer que esta campanha para o referendo conseguiu surpreender-me. Era esperada a posição da maior parte das pessoas - algumas excepções, que me supreenderam agradavelmente, como José Miguel Júdice, Paula Teixeira da Cruz e até Margarida Rebelo Pinto, confirmam a regra - mas o que me espantou foi o encarniçamento, o empenhamento da campanha pelo não. Cartazes, panfletos, tempos de antena, tanto empenho e denodo! Fico genuinamente espantado - como é possível que tantas pessoas, muitas delas inteligentes, vão a tais extremos, gastem tanto dinheiro, para defender que mulheres que abortam até às 10 semanas de gestação sejam penalizadas? Já desconto a posição da Igreja, previsível e de acordo com o que dela se espera, tontas como Alexandra Teté, que só mesmo desta forma conseguem protagonismo, ou mesmo os argumentos arrevezados e risíveis do Professor Martelo, que há muito se tornou numa caricatura de si próprio, tão bem desmascarada pelos Gatos Fedorentos, mas que infelizmente ainda muitos levam a sério, apesar de parecer num processo acelerado de senilidade. Mas ainda sobra muita gente, gente que constrói uma teia de mentiras preconceituosas e desinformação, produzindo novos argumentos falaciosos de cada vez que um é rechaçado, qual Hidra de Lerna insidiosa e persistente. Sempre me há-de deixar perplexo este gosto na infelicidade dos outros. Espero bem que esta vergonhosa questão acabe com a vitória do sim, mas conhecendo o triste país em que vivemos, receio muito que esta não aconteça. Pela minha parte, vou dar o meu contributo.
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Walk the Line, de James Mangold
Um biopic muito típico, mas que vale a pena pela música e pelas interpretações - óptimos Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon. Não sabia nada sobre a vida de Johnny Cash, mas conhecia todas as músicas que passam no filme. Tem um ambiente divertido, mas incorre em alguns defeitos comuns neste tipo de filmes - história demasiado simplista, personagens muito estereotipadas (sobretudo as do pai e da primeira mulher de Cash). Mas apesar de tudo bom entretenimento. E já não ouvia há séculos a música It Ain't Me, que me acompanhou durante algum tempo da minha adolescência, pelo que me despertou uma agradável nostalgia.
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
Brokeback Mountain, de Ang Lee
Só agora vi o tão discutido (há cerca de 1 ano, depois, como sempre, nunca mais se falou no assunto) Brokeback Mountain, o que de certa forma até foi bom. Com efeito, ver o filme com algum distanciamento temporal em relação à polémica permite vê-lo sem aquela reacção inconsciente de "tomar partido" na dita polémica, o que seria tanto mais idiota quanto a tal polémica não tinha nenhuma razão de ser e era completamente fabricada (a não ser a parte das pessoas simplórias ou hipócritas cuja reacção era genuinamente "Ai que horror, dois homens aos beijos num filme!").
E que fica no fim de tudo? Um bom filme, visualmente muito belo (paisagens, actores e actrizes, cenas em que a postura estáctica e artística das personagens no cenário aliada à lentidão do ritmo evoca tableaux vivants), uma história clássica e convencional - o amor contrariado / impossível, semelhante a dezenas de outras histórias de outros filmes, em que o que separava os amantes era a fortuna, a classe social, a raça. O ritmo deliberadamente lento da narrativa reflecte a melancolia da história e a forma convencional em que é contada, que provavelmente é intencional para exprimir mais claramente a normalidade da história como conto de amor impossível (já que por exemplo em Ride With the Devil, um filme muito bom com uma perspectiva pouco vulgar da Guerra da Secessão, Ang Lee era bem mais subtil e sombrio na sua narrativa). Em termos emocionais, fica o travo de melancolia que associo sempre ao desperdício, à felicidade e oportunidades perdidas devido a preconceitos.
Os actores estão excelentes, sobretudo Heath Ledger, e conseguem criar um clima de erotismo entre os dois. Acredito que muita gente se sinta desconfortável ao ver o filme, porque ainda é raro sermos confrontados com manifestações de afecto e sexualidade entre homens e a falta de familiaridade gera desconforto e desconfiança, sobretudo alimentada por séculos de preconceito de origem judaico-cristã. Gostava muito que toda esta questão nem sequer se pusesse... Mas não vivemos no planeta Zorg.
E que fica no fim de tudo? Um bom filme, visualmente muito belo (paisagens, actores e actrizes, cenas em que a postura estáctica e artística das personagens no cenário aliada à lentidão do ritmo evoca tableaux vivants), uma história clássica e convencional - o amor contrariado / impossível, semelhante a dezenas de outras histórias de outros filmes, em que o que separava os amantes era a fortuna, a classe social, a raça. O ritmo deliberadamente lento da narrativa reflecte a melancolia da história e a forma convencional em que é contada, que provavelmente é intencional para exprimir mais claramente a normalidade da história como conto de amor impossível (já que por exemplo em Ride With the Devil, um filme muito bom com uma perspectiva pouco vulgar da Guerra da Secessão, Ang Lee era bem mais subtil e sombrio na sua narrativa). Em termos emocionais, fica o travo de melancolia que associo sempre ao desperdício, à felicidade e oportunidades perdidas devido a preconceitos.
Os actores estão excelentes, sobretudo Heath Ledger, e conseguem criar um clima de erotismo entre os dois. Acredito que muita gente se sinta desconfortável ao ver o filme, porque ainda é raro sermos confrontados com manifestações de afecto e sexualidade entre homens e a falta de familiaridade gera desconforto e desconfiança, sobretudo alimentada por séculos de preconceito de origem judaico-cristã. Gostava muito que toda esta questão nem sequer se pusesse... Mas não vivemos no planeta Zorg.
sábado, fevereiro 03, 2007
Nick Bantock
Descobri os livros de Nick Bantock por acaso, como geralmente acontece. Foi numa ida aos Estados Unidos, em 1996, em que um colega com quem andava às compras me falou neles; folheei-os e fiquei encantado com a sua riqueza visual. Rapidamente comprei a trilogia de Griffin & Sabine e The Venetian's Wife, mais tarde comprei os 3 livros que continuam a história de Griffin & Sabine, The Forgetting Room e, na minha última ida a Nova Iorque, este The Museum at Purgatory.
A beleza dos livros de Bantock, um desenhador canadiano, deve-se à sua apresentação gráfica mais do que às histórias. Mais do que um ilustrador, ele é sobretudo um desenhador; nos seus livros, são as palavras que "ilustram os desenhos mais do que o inverso. São livros esteticamente fantásticos, uma verdadeira delícia para os olhos. Os melhores são na minha opinião os de Griffin & Sabine, tanto pelos desenhos como pela história, mas sobretudo pela apresentação - envelopes colados às folhas, de onde se tiram cartas escritas à mão e ilustradas, mil pequenos pormenores em que se vai reparando de cada vez que se olha. Há aliás uma passagem em The Museum at Purgatory em que Nick Bantock expõe a sua concepção artística - as palavras e as imagens são duas formas de expressão, e ele tenta conciliá-las de forma complementar, em que nenhuma predomine sobre a outra; ao contrário do conceito habitual de livro ilustrado, os seus pretendem fundir a imagem e as palavras. E no seu melhor consegue-o.
Em The Forgetting Room, descreve pela voz de uma das suas personagens o processo da criação de colagens, que ele próprio utiliza profusamente. Li numa entrevista sua que deve muito à influência de Marcel Duchamp com os seus ready-mades e de Joseph Cornell e das suas "caixas", o que aumentou o meu apreço por ele, pois descobri Joseph Cornell há muitos anos no Art Institute of Chicago, que tem uma notável colecção deste artista, e acho-o fascinante.
The Museum at Purgatory não é dos seus melhores livros, mas é um bom exemplo da sua arte, com desenhos belíssimos e uma história fantasista com o seu ambiente onírico habitual. Utiliza extensamente mais uma vez fusões, selos, carimbos, pequenos objectos de arte, tapetes orientais, animais fantásticos...
Para terminar, deixo alguns exemplos dos seus desenhos (escolhi estes, mas poderia ter escolhido muitos outros). São livros cuja estrutrura torna certamente dispendiosos de publicar, e que por isso duvido muito que alguma vez sejam traduzidos em português.
A beleza dos livros de Bantock, um desenhador canadiano, deve-se à sua apresentação gráfica mais do que às histórias. Mais do que um ilustrador, ele é sobretudo um desenhador; nos seus livros, são as palavras que "ilustram os desenhos mais do que o inverso. São livros esteticamente fantásticos, uma verdadeira delícia para os olhos. Os melhores são na minha opinião os de Griffin & Sabine, tanto pelos desenhos como pela história, mas sobretudo pela apresentação - envelopes colados às folhas, de onde se tiram cartas escritas à mão e ilustradas, mil pequenos pormenores em que se vai reparando de cada vez que se olha. Há aliás uma passagem em The Museum at Purgatory em que Nick Bantock expõe a sua concepção artística - as palavras e as imagens são duas formas de expressão, e ele tenta conciliá-las de forma complementar, em que nenhuma predomine sobre a outra; ao contrário do conceito habitual de livro ilustrado, os seus pretendem fundir a imagem e as palavras. E no seu melhor consegue-o.
Em The Forgetting Room, descreve pela voz de uma das suas personagens o processo da criação de colagens, que ele próprio utiliza profusamente. Li numa entrevista sua que deve muito à influência de Marcel Duchamp com os seus ready-mades e de Joseph Cornell e das suas "caixas", o que aumentou o meu apreço por ele, pois descobri Joseph Cornell há muitos anos no Art Institute of Chicago, que tem uma notável colecção deste artista, e acho-o fascinante.
The Museum at Purgatory não é dos seus melhores livros, mas é um bom exemplo da sua arte, com desenhos belíssimos e uma história fantasista com o seu ambiente onírico habitual. Utiliza extensamente mais uma vez fusões, selos, carimbos, pequenos objectos de arte, tapetes orientais, animais fantásticos...
Para terminar, deixo alguns exemplos dos seus desenhos (escolhi estes, mas poderia ter escolhido muitos outros). São livros cuja estrutrura torna certamente dispendiosos de publicar, e que por isso duvido muito que alguma vez sejam traduzidos em português.
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
The Illusionist e The Prestige
Vi recentemente estes dois filmes, de que falo em conjunto por ambos tratarem do mundo dos mágicos ilusionistas. Têm outros pontos em comum - ambiente sombrio, boas histórias com vários twists inesperados, boas interpretações - no primeiro Edward Norton e Paul Giamatti, no segundo Hugh Jackman, Christian Bale, Michael Caine e a sempre bela Scarlett Johansson. A realização de Christopher Nolan (The Prestige) é mais engenhosa do que a de Neil Burger (The Illusionist), mas em The Prestige desapontou-me o recurso ao sobrenatural, que acho sempre uma solução facilitista - é muito mais inteligente conseguir um bom twist com uma história possível do que fantástica. De qualquer forma, são dois filmes que sabe bem ver, entretimento de boa qualidade.
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