domingo, maio 07, 2006
Lettres à Sartre, de Simone de Beauvoir
Estou a ler as cartas de Simone de Beauvoir a Sartre e, como sempre, gosto imenso deste género de testemunho sobre pessoas no seu quotidiano, no seu tempo, sobretudo quando se trata de pessoas interessantes – como é o caso. É como se nos fossem mostrados pedaços da vida das pessoas, das suas ideias, à medida que aconteceram, e através das suas palavras, das suas opiniões, assistimos ao seu dia-a-dia, ao quotidiano de uma determinada época, à génese de uma obra.
Desde que li pela primeira vez, aos 18 anos, “Memórias de uma Menina Bem Comportada”, sempre admirei a clareza com que Simone de Beauvoir expunha as suas ideias e tentava explorar a sua vida, dar-lhe um sentido – no fundo, perceber “o que fazia ela ali”, e não é este o título deste weblog? E, se muitas vezes não concordo com as conclusões a que ela e Sartre chegaram, ou com as posições que tomaram, no geral admiro a atitude que tiveram perante a vida e as ideias, a forma como viveram intensamente as suas convicções e exploraram e dissecaram as suas vidas, a sua posição no mundo, as relações com os outros. Claro que os admiro porque, apesar das diferenças referidas, são muitos os pontos em que concordo com eles.
No período da correspondência que já li, que abrange a 2ª Guerra Mundial, as cartas diárias de S. de B. a Sartre – primeiro soldado, depois prisioneiro de guerra – traçam um retrato pormenorizado da sua vida quotidiana – os amigos, os cafés, a escrita de L’Invitée – e ilustram um fenómeno que sempre me fascinou: como as pessoas se adaptam e vivem o seu dia-a-dia durante tempos trágicos, como a banalidade do quotidiano permanece e ocupa a maior parte do tempo e do pensamento mesmo em períodos terríveis.
Um outro aspecto que sempre me fascinou é a relação que Sartre e Beauvoir mantiveram ao longo de toda a sua vida, tão próxima e íntima, e no entanto tão independente e sincera. De certa forma, é a relação perfeita, não dependente da sexualidade – quase sempre uma força de atracção / ligação transitória – mas sim de um verdadeiro e persistente entendimento dos espíritos, de um gosto partilhado pela vida e uma comunhão de interesses.
Finalmente, aprecio a postura optimista que tinham perante a vida – gostavam de passear, de beber, de cafés, de conversar, de mexericos, de escrever, de quadros, de ouvir jazz, de seduzir, de sexo, de viajar. Se Alfred de Musset e George Sand foram os enfants du siècle do século XIX, Sartre e Beauvoir foram-no do século XX.
(Projectos para próximas leituras: “As Palavras”, “Memórias de Guerra” e “Cartas ao Castor”, de Sartre!)
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