Sempre admirei imensamente a obra de Marguerite Yourcenar, desde que li, aos 18 ou 19 anos, o excepcional Memórias de Adriano, que desde então reli várias vezes - e ainda me falta lê-lo em francês, um velho projecto que por um motivo ou outro ainda não realizei, mas a tradução para português é de enorme qualidade. Ao longo dos anos, fui lendo quase tudo o que escreveu, desde os romances (os meus favoritos, depois do Adriano, são A Obra ao Negro e Alexis), os muitos excelentes ensaios, as cartas, e mesmo a sua biografia por Josyanne Savigneau. Só agora tive oportunidade de ler De Olhos Abertos, recentemente reeditado após a edição anterior ter esgotado há muitos anos.
Trata-se de uma longa entrevista, em que Marguerite Yourcenar fala de tudo um pouco: da sua vida (tinha então publicado já dois livros da trilogia sobre a sua família, O Labirinto do Mundo), da sua obra, da sua forma de trabalhar, das suas opiniões e filosofia de vida. E esta leitura de certa forma confirmou a ideia que eu tinha dela. Uma mulher de enorme inteligência e sensibilidade, extremamente forte e lúcida, observadora e perspicaz na sua visão do mundo e da condição humana, mas de uma grande arrogância intelectual, se bem que apresentada sob uma pretensa modéstia, que me faz pensar que não devia ser uma pessoa muito agradável no tarcto e convivência diários. Ficara com essa impressão ao ler a biografia de Savigneau, e sobretudo ao ler uma recolha das suas cartas - Lettres à Ses Amis et Quelques Autres. Os seus numerosos e mesquinhos processos contra os seus sucessivos editores, a sua insistência maníaca em controlar a sua imagem, o tom paternalista com que dava conselhos aos seus admiradores, a declaração de uma antiga aluna de que "era impossível para nós imaginá-la a fazer coisas como usar um secador de cabelo", a sua postura acima da política e a posição repetidamente assumida de que para ela a classe e a cultura não contavam, que me soa sempre como a declaração de quem se pode colocar acima dessas questões precisamente porque uma classe e educação privilegiada lho permitem.
Mas o que interessa num escritor é sobretudo a sua obra, e a de Yourcenar é magnífica. Ela tem razão quando repetidamente afirma que procurar conhecer detalhes da vida de um escritor falha o essencial, que é a leitura da sua obra, porque ao fim e ao cabo, o principal, aquilo que ele nos transmite, está lá. E gosto muito do que ela diz sobre a forma como os seus livros foram pensados e escritos; é sempre muito interessante conhecer o método de trabalho de um escritor. E ela escrevia extremamente bem, quando leio Memórias de Adriano, por exemplo, fico sempre fascinado como cada palavra, cada frase, parece ser exactamente aquilo que devia ser, perfeita. E, por muito pouco simpática ou altivamente aristocrática que tenha sido, a sua compreensão do homem e do mundo, a sua ligação a uma universalidade e intemporalidade da vida é admirável e inspiradora.
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