
Como nos contos das Mil e Uma Noites, que frequentemente começam insidiosamente e de súbito nos mergulham num turbilhão de peripécias, fui lendo capítulo após capítulo à espera desse momento de encantamento. Quando dei por mim a preferir pegar num número de uma revista médica (que nem sequer era o meu bem-amado New England Journal of Medicine!) em vez de no romance de Salman Rushdie, e reparei que este já ia a mais de um terço, resignei-me à ideia de que esse momento não chegaria – como não chegou.
Não é o que o livro seja mau, é simplesmente médio, e um bocado maçador. Os livros de Salman Rushdie utilizam geralmente uma história para expor / criticar uma situação – a Índia dos anos 60-70 em Os Filhos da Meia-Noite, o Paquistão em Vergonha, o fundamentalismo islâmico e o Irão em Os Versículos Satânicos e Harun e o Mar de Histórias, a Caxemira e o novo terrorismo em Shalimar, por exemplo. Mas havia sempre duas características: a história e as personagens eram interessantes e fortes por si próprias, sem um didactismo óbvio, e havia sempre algo de orgânico, visceral, no tom da sua escrita, mesmo em livros de que gostei pouco com Fúria ou O Chão Que Ela Pisa. Neste A Feiticeira de Florença, a história é chocha, as personagens quase todas simultaneamente caricaturais e vagas, os “toques” de "realismo fantástico" parecem pinceladas aqui e ali para dar “pitoresco”, e a sensação geral com que se fica é de aborrecimento. É certo que a intenção de fundo é “boa”, no sentido em que as ideias sobre a tolerância e a religião expressas pela personagem de Akbar são dignas de ser expostas e defendidas (como nestas passagens: "Se nunca tivesse havido um Deus, pensou o imperador, poderia ser mais fácil entender o que era o bem. Esta questão do culto, da renúncia a si próprio peranto o Todo-Poderoso, era uma distracção, uma falsa pista. Onde quer que o bem estivesse, não era na obediência ritual,

