terça-feira, junho 26, 2007

Queixas de médicos


Recentemente, as queixas de um amigo sobre o atendimento que recebera do médico de família num Centro de Saúde deram-me vontade de escrever um pouco sobre isso. Começo por dizer que sendo médico ouvir queixas a respeito de médicos me causa sempre um certo desconforto, por dois motivos. Em primeiro lugar, por muito que eu deteste generalizações e tenha relutância em amalgamar num grupo homogéneo a "classe médica", que é um termo que me irrita por englobar na mesma designação centenas de pessoas muito diferentes, a verdade é que essa generalização é feita pela maioria das pessoas, de modo que me sinto sempre indirectamente atingido no meu brio profissional. Em segundo lugar, a maioria das críticas e queixas que ouço no dia-a-dia são mais fruto de expectativas descabidas das pessoas ou da má organização / coordenação / concepção dos serviços do que propriamente da actividade directa dos médicos, que são sempre um alvo fácil por serem a "cara" do sistema e também alvo de uma certa hostilidade tradicional por serem considerados como uma classe privilegiada (o que actualemente é cada vez menos verdade).

Depois desta "declaração de interesses", acrescento que as queixas concretas do meu amigo eram perfeitamente razoáveis e ele tinha toda a razão. Tinham a ver com aquilo que não deve falhar na actividade dos médicos - falta de respeito pelos pacientes (no caso, atrasos injustificados no atendimento e atitude desinteressada em relação aos seus problemas) e incompetência (mau atendimento e prescrição errada - entendida no sentido lato e não só da medicação). E foi de certa forma por isso que quis escrever: a nossa actividade é complicada e ansiogénica, lidamos com pessoas em sofrimento e vulneráveis, as nossas acções têm sempre potenciais complicações muitas vezes impossíveis de evitar, e somos confrontados tantas vezes com queixas absurdas e injustas que temos de rebater, que me revolta e enfurece ver colegas a falhar em coisas estupidamente simples e básicas por desleixo e falta de respeito, contribuindo para alimentar o clima de suspeição e hostilidade que cada vez mais ensombra a nossa prática profissional.

Com efeito, será assim tão difícil ser-se pontual? É apenas uma questão de organização, e pode fazer o contacto com o paciente começar logo mal. E também não é assim tão complicado estar-se actualizado de forma a não cometer erros grosseiros; é claro que ninguém pode saber tudo, mas é indispensável saber-se o suficiente para resolver os problemas básicos e orientar os mais complexos. E também convém saber comunicar com os doentes de forma a responder às suas questões mais prementes e fazê-los sair do consultório menos inseguros do que lá entraram. Porque se é verdade que existem doentes hostis e desconfiados com quem é muito difícil conseguir um entendimento, na esmagadora maioria dos casos os doentes confiam em nós e os médicos têm (ou deveriam ter) tanta mais informação do que eles sobre as doenças que o controle da conversa está quase sempre do nosso lado.

Sempre defendi que a maioria dos médicos são pessoas sérias e interessadas pelo que fazem. Ao contrário do que em geral se pensa, quem queira apenas ganhar dinheiro tem seguramente outras formas mais fáceis de o fazer, sem necessidade de tirar notas elevadas no liceu, fazer um curso exigente de 6 anos, seguido de exame de candidatura à especialidade, anos de avaliação, exames depois dos 30 anos, e uma prática profissional com as responsabilidades e os riscos que se conhecem. Por isso mesmo também defendo que os médicos têm de estar ao nível dessas responsabilidades; não têm de ser perfeitos nem santos, mas respeito pelos doentes e competência profissional não são opcionais, sobretudo se queremos deixar de ouvir este tipo de queixas, que sendo fundamentadas, nos fragilizam para quando temos de enfrentar os verdadeiros desafios (que incluem as queixas indevidas). E afinal de contas uma atitude correcta não é assim tão difícil.

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