segunda-feira, maio 22, 2006
Maternidades
Este assunto já está tão batido, que nem tinha vontade de escrever sobre ele, mas escrevo porque tem a ver com dois assuntos que me interessam: os cuidados de saúde, porque me dizem directamente respeito, e a demagogia (portuguesa e não só), que é um dos meus ódios de estimação.
Com efeito, acho toda esta questão bem representativa das tolices que regem a nossa opinião pública e as nossas autarquias. Porque, como de costume, a desinformação e a demagogia imperam.
Há muito tempo que o parto, como aliás outros processos biológicos, passou a ser "medicalizado", e como tal deixou de ser um acontecimento doméstico e passou a acontecer em ambiente hospitalar. Há muitas boas razões para isso acontecer, como a vida e a saúde das mães e dos recém-nascidos, e graças a essa "medicalização", lamentada por certos sectores saudosistas e psudo-ecológicos, a mortalidade infantil e materna caiu a pique e aquilo que antigamente era um ordálio com sérias
probabilidades de custar a vida à parturiente transformou-se num acontecimento mais ou menso banal - como uma pequena cirurgia - durante o qual ninguém espera morrer. Da mesma forma, sempre desaconselhei o recurso às clínicas em que o factor "hotelaria" é o predominante, e em que não existem cuidados neonatais capazes - é certo que na maioria dos casos são desnecessários, mas a priori ninguém adivinha quem vai precisar deles, e o tempo de transferência para uma unidade neonatal noutro local pode significar a diferença entre um bom desenlace ou a morte ou incapacidade futura do recém-nascido, numa altura em que cada minuto conta.
Ora, a partir do momento em que o parto foi medicalizado - o que, pelos motivos atrás expostos, foi uma boa coisa - a gestão das maternidades não é diferente da de outras unidades hospitalares, e obedece forçosamente a critérios técnicos (de qualidade e diferenciação) e claro, economicistas, pois não faz sentido desprezar esses critérios, e não só em países pobres como o nosso, porque obviamente influenciam os primeiros (já dizia o outro: money makes the world go round...). Portanto, desprezar as questões financeiras como se estivéssemos acima delas é mais uma manifestação da demagogia mais básica. Não faz, pois, mais sentido ter uma maternidade em cada terrinha do que ter um hospital. É certo que isso fez com que em muitas terras deixasse de haver nascimentos - hoje já ninguém nasce em Cafède ou em Pampilhosa, mas também não se nasce em Mem Martins ou no Seixal; não me parece um preço muito grande a pagar pelo aumento de segurança e diminuição da mortalidade. Se isso cria uma situação particular em zonas fronteiriças, em que se torna mais prático nascer em Espanha do que nas maternidades portuguesas mais próximas, é uma questão a ver, mas de modo algum insolúvel, nem sequer um grande problema: por um lado, porque não é de modo algum impossível chegar às maternidades portuguesas, tendo em conta as distâncias no nosso país (e se é difícil, a solução passa por melhorar a comunicação e não por multiplicar as maternidades), por outro lado porque a nacionalidade não é determinada pelo sítio onde se nasce, senão, que dizer de todos os portugueses que nasceram no ultramar, ou que por algum motivo nascem no estrangeiro?
E aí chegamos então à demagogia - da oposição, que continua saloiamente a contestar tudo o que o governo faça, "porque sim" (e essa atitude não é exclusiva da actual oposição, o PS faz exactamente o mesmo quando não é governo), e dos autarcas, para quem ter uma maternidade é como ter uma piscina municipal ou mais um jardim ou mais um centro de dia. E a imprensa, como de costume, pela-se por tudo o que dê para encher jornais e televisões... E assim se vai alegremente discutindo tolices, sempre ao lado do que realmente importa.
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