domingo, maio 14, 2006

Mais um livrinho de Paul Bowles


"Their Heads are Green and Their Hands are Blue - Scenes from a Non-Christian World" é um conjunto de textos sobre o Norte de África em que Bowles passou a maior parte da sua vida, com mais um ou dois sobre outros sítios (Istambul, Sri Lanka e a América Central). Está, como sempre, soberbamente bem escrito e tem algumas passagens interessantes, embora o tom geral seja um tanto paternalista e snob. Li a crítica do New York Times ao livro quando saiu em 1963, e a autora da recensão acha que "combina um sobrebo dom para a observação com uma quase total ausência de a utilizar" e que "nos deixa descontentes não com o que o autor escreve mas com aquilo que a rica textura das suas viagens poderiam originar se ele apenas se desse ao trabalho" e tece a consideração de que "é talvez um sinal da decadência literária - uma idade do documentário dedicada à colheita de factos misturados" (tradução minha).

Por acaso, deparei enquanto lia este livro com um comentário de Simone de Beauvoir a "The Sheltering Sky", o primeiro livro de Bowles que li e que adorei, que transcrevo aqui: "Li finalmente The Sheltering Sky, de Paul Bowles; é menos mau do que Algren me tinha dito (ele odeia este livro e é o único que lhe fez uma crítica detestável, pela qual aliás foi muito maltratado) mas está longe de ser muito bom e do nosso ponto de vista não tem interesse nenhum. Não é de todo a África, mas uma viagem em África pelos olhos de americanos snobs, com uma história de adultério no meio e um fim extravagante. Descreve-se os autocarros, os hotéis, a alimentação e o aspecto turístico das cidades, nada mais." Claro que esta opinião está muito longe da minha... mas de certa forma tudo o que diz é verdade. O livro não é sobre o Sahara, mas sobre as personagens, sobre a sua viagem interior, e o cenário ilustra e reflecte a sua evolução e a sua experiência. Achei um livro fascinante, que nem nunca quis reler para não alterar a impressão com que fiquei. Mas achei engraçado encontrar esta opinião de Simone de Beauvoir; claro que a ela interessavam sobretudo os problemas sociais, sobretudo quando a escreveu (1950). Porque é interessante perceber porque gostamos deste ou daquele livro, desta ou daquele escritor, e eu aprecio alguns radicalmente diferentes uns dos outros por diferentes motivos.

Para terminar, transcrevo uma passagem deste "Their Heads are Green and Their Hands are Blue" (sobre o deserto):

"Perhaps the logical question to ask at this point is: Why go? The answer is that when a man has been there and undergone the baptism of solitude he can't help himself. Once he has been under the spell of the vast, luminous, silent country, no other place is quite strong enough for him, no other surroundings can provide the supremely satisfying sensation of existing in the midst of something that is absolute. He will go back, whatever the cost in comfort and money, for the absolute has no price."

Desculpem por não traduzir, mas não quis estragar! Com uma escrita assim, vale sempre a pena ler, mesmo que seja de snobs - porque pelo menos este snob sentiu e transmitiu de uma forma tão bela.

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