sábado, maio 13, 2006

IRS e a esperteza saloia consentida


Há dias, cumpri a minha obrigação fiscal anual e preenchi a minha declaração do IRS. Nos últimos anos delegara essa tarefa num contabilista, de modo que ainda não utilizara a versão online, mas este ano achei que era um disparate gastar dinheiro numa coisa tão simples e tratei eu do assunto. Para já, gostava de elogiar o site - por uma vez, uma verdadeira melhoria nos serviços! É muito mais prático desta forma: nada de tempo perdido em deslocações às Finanças e em filas intermináveis, e está tudo muito claro e bem explicado, e a ajuda funciona muito bem. Até descobri sem dificuldade o código da minha actividade, que nem sabia que existia, e os dados da caderneta predial do meu apartamento! E é muito prático fazer logo a simulação e saber quanto vamos ter de pagar (infelizmente, no meu caso, nada de receber...). Sabe bem, para variar, poder constatar uma diminuição da burocracia em Portugal.

Mas, por outro lado, há uma coisa que sempre me irrita nesta altura: os estratagemas de fuga aos impostos. Ninguém gosta de pagar impostos, é sempre uma frustração reduzir o rendimento, mas são um mal necessário e se a população cumprisse as suas obrigações fiscais muitos dos problemas dos nossos serviços públicos, de que as pessoas tanto gostam de se queixar, provavelmente seriam bem menores. Os impostos sustentam o estado, e acho que é uma questão de responsabilidade cívica cumprirmos a nossa parte, tal como sermos competentes no trabalho. Mas a verdade é que a esmagadora maioria das pessoas não pensa assim, e que a nossa legislação permite inúmeras formas de fugir aos impostos.

Exemplifico com situações que conheço bem, e que são a causa directa, por isso mesmo, da irritação que senti. Como eu, muitos colegas meus - médicos - trabalham para o estado no hospital e fazem clínica privada, trabalhando para entidades como clínicas, hospitais ou centros de diagnóstico. No hospital e nos recibos que passamos, desconta-se 20% na fonte, depois fazem-se os acertos na declaração anual. E é nessa fase que entra a esperteza saloia. A maior parte dos meus colegas forma empresas fictícias, geralmente com familiares, o que lhes permite fazer deduções de tudo e mais alguma coisa - desde a renda da casa e consumos de electricidade a roupa como despesas de representação - e conseguem não só pagar pouco como muitas vezes ainda ser reembolsados. Ora isto subverte o princípio ético das deduções, mas é tudo perfeitamente legal. De modo que os "galegos" como eu acabam a pagar mais, mesmo que ganhem por vezes bastante menos... E isto é na minha área, porque obviamente em todas as actividades há imensa fuga fiscal, e na minha nem é certamente das mais afrontosas.

Mas por que raios é que as empresas hão-de ser favorecidas? Enfim, esta é apenas uma pequena irritação anual; felizmente tenho dinheiro para pagar os meus impostos - como aliás é lógico, já que estes são proporcionais ao que ganho - e resta-me a consciência tranquila. Mas que a ausência de justiça fiscal irrita, isso irrita. E às vezes apetece-me mostrar aos "espertos" uma tira da Mafalda, que mostrava o Manelinho de olhos esbugalhados e mãos crispadas a dizer: "ele quer sempre mais, mais, MAIS!!!!" Que raios, o dinheiro fá-los assim tão felizes?

1 comentário:

Artur Neves disse...

Não queres explicar um pouco melhor para os leigos essas tais empresas fictícias de alguns dos teus colegas?