quarta-feira, maio 31, 2006
Farmácias
Finalmente termina a lei absurda que concedia aos licenciados em Farmácia o monopólio da propriedade das farmácias. Há muitos anos que uma farmácia não é mais que uma loja de medicamentos, e a lei não trazia qualquer vantagem, a não ser aos licenciados em Farmácia, claro. Vi no jornal a lista das medidas agora aprovadas, e pareceram-me sensatas e necessárias. Já há muito tempo que era preciso fazer isto!
segunda-feira, maio 29, 2006
Pearl, de Janis Joplin
Decididamente, é difícil ir à fnac sem comprar qualquer coisa... e já me restrinjo às promoções, aos preços verdes ou coisas do género. Mas ora é um cd de piano de jazz que me sabe bem ouvir, ou um livrinho que saiu e tenho vontade de ler... Ontem, mais uma vez, o vírus do consumo atacou, e não resisti a um livro da Taschen com as gravuras do Piranesi - €8,99, uma pechincha! - nem ao Pearl, de Janis Joplin, que não devia ouvir há uns vinte anos, sem exagero.
Descobri Janis Joplin por volta dos 16 anos, na minha fase de encanto pelo rock e pelas ganzas (e ganzados/as), e nessa altura Pearl foi uma revelação, uma exaltação. Nesse tempo, o disco estava esgotado cá, gravei-o de um primo que comprava música na fnac de Paris, e depois comprei o Anthology quando saiu. Devo tê-lo ouvido centenas de vezes, vibrando sempre com a voz poderosa e as interpretações desesperadas de Janis, tão adequadas às minhas angústias existenciais adolescentes.
Depois, fui deixando de a ouvir, acho que foi substituída nos meus sentimentos e no meu gosto por Billie Holiday, mais ou menos na transição da adolescência para a
idade adulta - aproximadamente quando as angústias das paixões não correspondidas deram lugar à estabilidade de uma relação amorosa feliz, numa época em que eu sentia que tinha encontrado o meu lugar no Mundo - um amor, uma profissão, um futuro, a liberdade da independência. Isso não durou sempre, claro... e voltei a viver sem saber bem o que faço eu aqui, mas desta vez sem desesperos, pelo menos quando os há são fugazes.
Mas foi bom voltar a ouvir Janis Joplin, tão angustiada e poderosa como sempre, possivelmente a voz branca mais adequada ao espírito dionisíaco dos blues. E agora, como há 20 anos, como sempre, ainda me arrepio ao ouvi-la cantar temas como Get it While You Can - 'cause there ain't gonna be there when you wake up...
In this world, if you read the papers, darling,
You know everybody's fighting with each other.
You got no one you can count on, dear,
Not even your own brother.
So if someone comes along,
He gonna give you love and affection,
I'd say get it while you can, yeah,
Honey, get it while you can, yeah,
Honey, grab it while you can,
Don't you turn your back on love, no, no, no.
When you're loving somebody, baby,
You're taking a gamble against some sorrow.
But who knows, baby,
'Cause we may not be here tomorrow.
And if anybody comes along,
He gonna give you love and affection,
I'd say get it while you can, yeah!
Honey, grab it when you're gonna need it!
Yeah hey, hold it while you can,
Don't you turn your sweet back on love,
No no no, no no no no no!
Descobri Janis Joplin por volta dos 16 anos, na minha fase de encanto pelo rock e pelas ganzas (e ganzados/as), e nessa altura Pearl foi uma revelação, uma exaltação. Nesse tempo, o disco estava esgotado cá, gravei-o de um primo que comprava música na fnac de Paris, e depois comprei o Anthology quando saiu. Devo tê-lo ouvido centenas de vezes, vibrando sempre com a voz poderosa e as interpretações desesperadas de Janis, tão adequadas às minhas angústias existenciais adolescentes.
Depois, fui deixando de a ouvir, acho que foi substituída nos meus sentimentos e no meu gosto por Billie Holiday, mais ou menos na transição da adolescência para a
idade adulta - aproximadamente quando as angústias das paixões não correspondidas deram lugar à estabilidade de uma relação amorosa feliz, numa época em que eu sentia que tinha encontrado o meu lugar no Mundo - um amor, uma profissão, um futuro, a liberdade da independência. Isso não durou sempre, claro... e voltei a viver sem saber bem o que faço eu aqui, mas desta vez sem desesperos, pelo menos quando os há são fugazes.
Mas foi bom voltar a ouvir Janis Joplin, tão angustiada e poderosa como sempre, possivelmente a voz branca mais adequada ao espírito dionisíaco dos blues. E agora, como há 20 anos, como sempre, ainda me arrepio ao ouvi-la cantar temas como Get it While You Can - 'cause there ain't gonna be there when you wake up...
In this world, if you read the papers, darling,
You know everybody's fighting with each other.
You got no one you can count on, dear,
Not even your own brother.
So if someone comes along,
He gonna give you love and affection,
I'd say get it while you can, yeah,
Honey, get it while you can, yeah,
Honey, grab it while you can,
Don't you turn your back on love, no, no, no.
When you're loving somebody, baby,
You're taking a gamble against some sorrow.
But who knows, baby,
'Cause we may not be here tomorrow.
And if anybody comes along,
He gonna give you love and affection,
I'd say get it while you can, yeah!
Honey, grab it when you're gonna need it!
Yeah hey, hold it while you can,
Don't you turn your sweet back on love,
No no no, no no no no no!
domingo, maio 28, 2006
Lisboetas, de Serge Tréfaut
Achei o documentário de Serge Tréfaut sobre os novos imigrantes bastante interessante. É muito centrado nos imigrantes mais desfavorecidos, que são certamente a maioria, e mais nos dos países de Leste, embora também com referências aos africanos, chineses e indianos - e até a uma comunidade de africanos anglófonos, que não fazia ideia que existisse. Em alguns momentos "puxa" um pouco demais ao sentimento fácil, nomeadamente na utilização da banda sonora - aqueles violoncelos melancólicos... - mas também tem momentos caricatos e engraçados (como a lição de Português com a conjugação do útil verbo "ser aldrabado", a cena do perplexo sr. Luciano frente à burocracia ou o angariador de mão-de-obra). De qualquer forma, é um olhar interessante sobre uma certa Lisboa e os seus novos habitantes, de uma realidade que ainda nos passa um bocado despercebida, e termina com um toque optimista de esperança - não pelo parto, que me parece de um simbolismo demasiado óbvio, mas pelas entrevistas às crianças, tão iguais às nossas e a todas as crianças em qualquer lugar.
Uma nota final - a ironia de se ouvir uma imigrante russa a comentar de forma infelizmente lúcida e realista o nosso sistema educativo... Que pena os nossos responsáveis e os sindicatos não escutarem aquelas observações!
Uma nota final - a ironia de se ouvir uma imigrante russa a comentar de forma infelizmente lúcida e realista o nosso sistema educativo... Que pena os nossos responsáveis e os sindicatos não escutarem aquelas observações!
quarta-feira, maio 24, 2006
Evocação
Conheci a Beatriz aos 14 anos, ela tinha 19, e achei-a bela como uma Madonna renascentista. Loira, olhos azuis, expressão vulnerável... Anos mais tarde, tive uma enorme paixão por ela, que me fez suspirar e andar deprimido. Mas nessa altura já éramos grandes amigos; foi com ela e os seus amigos que comecei a frequentar bares, a conversar de temas mais adultos e a ler muita coisa. Foi uma presença marcante na minha adolescência, a vários níveis, e associo-a indissoluvelmente à minha transição para a idade adulta. Aliás, outra influência fundamental que teve em mim foi o ter sido um dos factores determinantes que me levou a escolher Medicina...
Depois da paixão, que se consumiu e terminou, mantive uma grande amizade por ela, e acompanhámo-nos vários anos. Passado o fascínio, não fui cego aos seus muitos defeitos, mas sempre gostei de pessoas com defeitos, mesmo que grandes; como me lembro de lhe dizer uma vez, gosto de quem sinto que tem um "toque de génio", aborrece-me a mediania e a previsibilidade. Nos últimos anos, no entanto, afastámo-nos insensivelmente; nunca nos zangámos, mas os nossos caminhos foram-se afastando por um ou outro motivo, a frequência dos nossos encontros espaçou-se progressivamente, deixámos de nos procurar. De tal forma que, quando dou por isso, agora que somos literalmente vizinhos (situação pela qual eu venderia a alma aos 18 anos!) apenas nos vemos se nos cruzamos por acaso no átrio.
É este o destino de muitas relações que num momento são tão intensas e importantes, e depois caem nesta espécie de limbo. Mas de qualquer forma, mesmo com todos os altos e baixos, foi bom tê-la conhecido, e ainda hoje permanece aquela familiaridade básica e afectuosa que sobra com quem fomos verdadeiramente íntimos.
Depois da paixão, que se consumiu e terminou, mantive uma grande amizade por ela, e acompanhámo-nos vários anos. Passado o fascínio, não fui cego aos seus muitos defeitos, mas sempre gostei de pessoas com defeitos, mesmo que grandes; como me lembro de lhe dizer uma vez, gosto de quem sinto que tem um "toque de génio", aborrece-me a mediania e a previsibilidade. Nos últimos anos, no entanto, afastámo-nos insensivelmente; nunca nos zangámos, mas os nossos caminhos foram-se afastando por um ou outro motivo, a frequência dos nossos encontros espaçou-se progressivamente, deixámos de nos procurar. De tal forma que, quando dou por isso, agora que somos literalmente vizinhos (situação pela qual eu venderia a alma aos 18 anos!) apenas nos vemos se nos cruzamos por acaso no átrio.
É este o destino de muitas relações que num momento são tão intensas e importantes, e depois caem nesta espécie de limbo. Mas de qualquer forma, mesmo com todos os altos e baixos, foi bom tê-la conhecido, e ainda hoje permanece aquela familiaridade básica e afectuosa que sobra com quem fomos verdadeiramente íntimos.
segunda-feira, maio 22, 2006
Maternidades
Este assunto já está tão batido, que nem tinha vontade de escrever sobre ele, mas escrevo porque tem a ver com dois assuntos que me interessam: os cuidados de saúde, porque me dizem directamente respeito, e a demagogia (portuguesa e não só), que é um dos meus ódios de estimação.
Com efeito, acho toda esta questão bem representativa das tolices que regem a nossa opinião pública e as nossas autarquias. Porque, como de costume, a desinformação e a demagogia imperam.
Há muito tempo que o parto, como aliás outros processos biológicos, passou a ser "medicalizado", e como tal deixou de ser um acontecimento doméstico e passou a acontecer em ambiente hospitalar. Há muitas boas razões para isso acontecer, como a vida e a saúde das mães e dos recém-nascidos, e graças a essa "medicalização", lamentada por certos sectores saudosistas e psudo-ecológicos, a mortalidade infantil e materna caiu a pique e aquilo que antigamente era um ordálio com sérias
probabilidades de custar a vida à parturiente transformou-se num acontecimento mais ou menso banal - como uma pequena cirurgia - durante o qual ninguém espera morrer. Da mesma forma, sempre desaconselhei o recurso às clínicas em que o factor "hotelaria" é o predominante, e em que não existem cuidados neonatais capazes - é certo que na maioria dos casos são desnecessários, mas a priori ninguém adivinha quem vai precisar deles, e o tempo de transferência para uma unidade neonatal noutro local pode significar a diferença entre um bom desenlace ou a morte ou incapacidade futura do recém-nascido, numa altura em que cada minuto conta.
Ora, a partir do momento em que o parto foi medicalizado - o que, pelos motivos atrás expostos, foi uma boa coisa - a gestão das maternidades não é diferente da de outras unidades hospitalares, e obedece forçosamente a critérios técnicos (de qualidade e diferenciação) e claro, economicistas, pois não faz sentido desprezar esses critérios, e não só em países pobres como o nosso, porque obviamente influenciam os primeiros (já dizia o outro: money makes the world go round...). Portanto, desprezar as questões financeiras como se estivéssemos acima delas é mais uma manifestação da demagogia mais básica. Não faz, pois, mais sentido ter uma maternidade em cada terrinha do que ter um hospital. É certo que isso fez com que em muitas terras deixasse de haver nascimentos - hoje já ninguém nasce em Cafède ou em Pampilhosa, mas também não se nasce em Mem Martins ou no Seixal; não me parece um preço muito grande a pagar pelo aumento de segurança e diminuição da mortalidade. Se isso cria uma situação particular em zonas fronteiriças, em que se torna mais prático nascer em Espanha do que nas maternidades portuguesas mais próximas, é uma questão a ver, mas de modo algum insolúvel, nem sequer um grande problema: por um lado, porque não é de modo algum impossível chegar às maternidades portuguesas, tendo em conta as distâncias no nosso país (e se é difícil, a solução passa por melhorar a comunicação e não por multiplicar as maternidades), por outro lado porque a nacionalidade não é determinada pelo sítio onde se nasce, senão, que dizer de todos os portugueses que nasceram no ultramar, ou que por algum motivo nascem no estrangeiro?
E aí chegamos então à demagogia - da oposição, que continua saloiamente a contestar tudo o que o governo faça, "porque sim" (e essa atitude não é exclusiva da actual oposição, o PS faz exactamente o mesmo quando não é governo), e dos autarcas, para quem ter uma maternidade é como ter uma piscina municipal ou mais um jardim ou mais um centro de dia. E a imprensa, como de costume, pela-se por tudo o que dê para encher jornais e televisões... E assim se vai alegremente discutindo tolices, sempre ao lado do que realmente importa.
sábado, maio 20, 2006
A Máquina do Arcanjo, de Frederico Lourenço
Mais um lirvinho de Frederico Lourenço, que retoma a evocação auto-biográfica começada em Amar Não Acaba. Trata-se aqui do relato de um primeiro amor, violento e marcante, que transformou a vida do narrador / autor. Mais uma vez, Frederico Lourenço escreve muito bem, e fala da homossexualidade da forma natural e desempoeirada a que nos habituou e que é um dos seus melhores talentos. Acho que se compraz um pouco excessivamente na admiração / fascínio pela aristocracia, o que faz pensar que esse fascínio não desapareceu inteiramente com a imaturidade da juventude, que o justificava, mas enfim, ninguém é perfeito, e o snobismo é um direito como qualquer outro.
segunda-feira, maio 15, 2006
Kate Bush
Há uns tempos, encomendei alguns cds de Kate Bush que não ouvia há imenso tempo (desde a mudança do vinil para o compact): The Kick Inside, The Dreaming e Hounds of Love. Tenho-os saboreado um a um - ultimamente Hounds of Love.
Ouvi Kate Bush pela primeira vez quando saiu o single Wuthering Heights, que foi um mega-sucesso em 1978, e foi na altura amor à primeira vista, ou melhor, à primeira audição. Foi aliás por causa da música que li o livro, que é magnífico, e embora tenha lido numa entrevista que Kate não o lera quando escreveu a canção, tendo-se inspirado apenas numa cena do filme com laurence Olivier e Merle Oberon (que nunca vi), soube captar admiravelmente o espírito da história, e ainda hoje é a "banda sonora" que associo aos tempestuosos amores e ódios de Cathy Earnshaw e Heathcliff. Ouvi inúmeras vezes o disco nesse Verão, e ofereci o álbum à minha irmã para eu o poder ouvir, vindo mais tarde a apoderar-me dele subrepticiamente, já que ela não o apreciava tanto como eu.
Nos anos seguintes, fui comprando os seus discos, até Hounds of Love. Depois, voltei-me para outras músicas, e foi caindo um tanto no esquecimento; não deixei de gostar, mas os últimos discos não me disseram muito e já a ouvia tão poucas vezes que quando me converti ao cd não comprei nenhum dos seus. Há uns anos, encontrei por acaso uma colectânea, The Whole Story, em promoção, e comprei-a; ao voltar a ouvir, descobri com prazer que o velho encanto, se não tão arrebatado, ainda estava lá, e há poucos meses encomendei na Amazon os cds antigos (por acaso, foi mais ou menos na altura em que saiu um novo cd dela, que ainda não ouvi).
E o encanto que me fascinou aos 12 anos continua lá - embora Wuthering Heights se mantenha uma das minhas músicas favoritas dela, hoje gosto mais dos álbuns The Dreaming e Hounds of Love. A música de Kate Bush, as inflexões e a sensualidade da sua voz, ora apolínea ora sombriamente dionisíaca, os instrumentos de sonoridade original ou tradicional que utiliza, despertam um prazer de embriaguez, onírico e mágico, uma certa música dos elementos - terra, ar, fogo, água - como se ela fosse uma sacerdotiza ou feiticeira que nos transporta com ela numa dança pagã. Não sei exprimir-me muito bem, mas é essa mais ou menos a sensação que me provoca. Não sinto especial vontade de ouvir os seus trabalhos recentes, pois um dos prazeres de a ouvir liga-se ao reconhecimento, e concordo que a qualidade da sua música está longe de ser homogénea, mas acho que tem momentos geniais e só por eles sinto-me grato por existir e pelo que me proporciona, e não é isso o que desejamos da arte?
Ouvi Kate Bush pela primeira vez quando saiu o single Wuthering Heights, que foi um mega-sucesso em 1978, e foi na altura amor à primeira vista, ou melhor, à primeira audição. Foi aliás por causa da música que li o livro, que é magnífico, e embora tenha lido numa entrevista que Kate não o lera quando escreveu a canção, tendo-se inspirado apenas numa cena do filme com laurence Olivier e Merle Oberon (que nunca vi), soube captar admiravelmente o espírito da história, e ainda hoje é a "banda sonora" que associo aos tempestuosos amores e ódios de Cathy Earnshaw e Heathcliff. Ouvi inúmeras vezes o disco nesse Verão, e ofereci o álbum à minha irmã para eu o poder ouvir, vindo mais tarde a apoderar-me dele subrepticiamente, já que ela não o apreciava tanto como eu.
Nos anos seguintes, fui comprando os seus discos, até Hounds of Love. Depois, voltei-me para outras músicas, e foi caindo um tanto no esquecimento; não deixei de gostar, mas os últimos discos não me disseram muito e já a ouvia tão poucas vezes que quando me converti ao cd não comprei nenhum dos seus. Há uns anos, encontrei por acaso uma colectânea, The Whole Story, em promoção, e comprei-a; ao voltar a ouvir, descobri com prazer que o velho encanto, se não tão arrebatado, ainda estava lá, e há poucos meses encomendei na Amazon os cds antigos (por acaso, foi mais ou menos na altura em que saiu um novo cd dela, que ainda não ouvi).
E o encanto que me fascinou aos 12 anos continua lá - embora Wuthering Heights se mantenha uma das minhas músicas favoritas dela, hoje gosto mais dos álbuns The Dreaming e Hounds of Love. A música de Kate Bush, as inflexões e a sensualidade da sua voz, ora apolínea ora sombriamente dionisíaca, os instrumentos de sonoridade original ou tradicional que utiliza, despertam um prazer de embriaguez, onírico e mágico, uma certa música dos elementos - terra, ar, fogo, água - como se ela fosse uma sacerdotiza ou feiticeira que nos transporta com ela numa dança pagã. Não sei exprimir-me muito bem, mas é essa mais ou menos a sensação que me provoca. Não sinto especial vontade de ouvir os seus trabalhos recentes, pois um dos prazeres de a ouvir liga-se ao reconhecimento, e concordo que a qualidade da sua música está longe de ser homogénea, mas acho que tem momentos geniais e só por eles sinto-me grato por existir e pelo que me proporciona, e não é isso o que desejamos da arte?
domingo, maio 14, 2006
Mais um livrinho de Paul Bowles
"Their Heads are Green and Their Hands are Blue - Scenes from a Non-Christian World" é um conjunto de textos sobre o Norte de África em que Bowles passou a maior parte da sua vida, com mais um ou dois sobre outros sítios (Istambul, Sri Lanka e a América Central). Está, como sempre, soberbamente bem escrito e tem algumas passagens interessantes, embora o tom geral seja um tanto paternalista e snob. Li a crítica do New York Times ao livro quando saiu em 1963, e a autora da recensão acha que "combina um sobrebo dom para a observação com uma quase total ausência de a utilizar" e que "nos deixa descontentes não com o que o autor escreve mas com aquilo que a rica textura das suas viagens poderiam originar se ele apenas se desse ao trabalho" e tece a consideração de que "é talvez um sinal da decadência literária - uma idade do documentário dedicada à colheita de factos misturados" (tradução minha).
Por acaso, deparei enquanto lia este livro com um comentário de Simone de Beauvoir a "The Sheltering Sky", o primeiro livro de Bowles que li e que adorei, que transcrevo aqui: "Li finalmente The Sheltering Sky, de Paul Bowles; é menos mau do que Algren me tinha dito (ele odeia este livro e é o único que lhe fez uma crítica detestável, pela qual aliás foi muito maltratado) mas está longe de ser muito bom e do nosso ponto de vista não tem interesse nenhum. Não é de todo a África, mas uma viagem em África pelos olhos de americanos snobs, com uma história de adultério no meio e um fim extravagante. Descreve-se os autocarros, os hotéis, a alimentação e o aspecto turístico das cidades, nada mais." Claro que esta opinião está muito longe da minha... mas de certa forma tudo o que diz é verdade. O livro não é sobre o Sahara, mas sobre as personagens, sobre a sua viagem interior, e o cenário ilustra e reflecte a sua evolução e a sua experiência. Achei um livro fascinante, que nem nunca quis reler para não alterar a impressão com que fiquei. Mas achei engraçado encontrar esta opinião de Simone de Beauvoir; claro que a ela interessavam sobretudo os problemas sociais, sobretudo quando a escreveu (1950). Porque é interessante perceber porque gostamos deste ou daquele livro, desta ou daquele escritor, e eu aprecio alguns radicalmente diferentes uns dos outros por diferentes motivos.
Para terminar, transcrevo uma passagem deste "Their Heads are Green and Their Hands are Blue" (sobre o deserto):
"Perhaps the logical question to ask at this point is: Why go? The answer is that when a man has been there and undergone the baptism of solitude he can't help himself. Once he has been under the spell of the vast, luminous, silent country, no other place is quite strong enough for him, no other surroundings can provide the supremely satisfying sensation of existing in the midst of something that is absolute. He will go back, whatever the cost in comfort and money, for the absolute has no price."
Desculpem por não traduzir, mas não quis estragar! Com uma escrita assim, vale sempre a pena ler, mesmo que seja de snobs - porque pelo menos este snob sentiu e transmitiu de uma forma tão bela.
sábado, maio 13, 2006
IRS e a esperteza saloia consentida
Há dias, cumpri a minha obrigação fiscal anual e preenchi a minha declaração do IRS. Nos últimos anos delegara essa tarefa num contabilista, de modo que ainda não utilizara a versão online, mas este ano achei que era um disparate gastar dinheiro numa coisa tão simples e tratei eu do assunto. Para já, gostava de elogiar o site - por uma vez, uma verdadeira melhoria nos serviços! É muito mais prático desta forma: nada de tempo perdido em deslocações às Finanças e em filas intermináveis, e está tudo muito claro e bem explicado, e a ajuda funciona muito bem. Até descobri sem dificuldade o código da minha actividade, que nem sabia que existia, e os dados da caderneta predial do meu apartamento! E é muito prático fazer logo a simulação e saber quanto vamos ter de pagar (infelizmente, no meu caso, nada de receber...). Sabe bem, para variar, poder constatar uma diminuição da burocracia em Portugal.
Mas, por outro lado, há uma coisa que sempre me irrita nesta altura: os estratagemas de fuga aos impostos. Ninguém gosta de pagar impostos, é sempre uma frustração reduzir o rendimento, mas são um mal necessário e se a população cumprisse as suas obrigações fiscais muitos dos problemas dos nossos serviços públicos, de que as pessoas tanto gostam de se queixar, provavelmente seriam bem menores. Os impostos sustentam o estado, e acho que é uma questão de responsabilidade cívica cumprirmos a nossa parte, tal como sermos competentes no trabalho. Mas a verdade é que a esmagadora maioria das pessoas não pensa assim, e que a nossa legislação permite inúmeras formas de fugir aos impostos.
Exemplifico com situações que conheço bem, e que são a causa directa, por isso mesmo, da irritação que senti. Como eu, muitos colegas meus - médicos - trabalham para o estado no hospital e fazem clínica privada, trabalhando para entidades como clínicas, hospitais ou centros de diagnóstico. No hospital e nos recibos que passamos, desconta-se 20% na fonte, depois fazem-se os acertos na declaração anual. E é nessa fase que entra a esperteza saloia. A maior parte dos meus colegas forma empresas fictícias, geralmente com familiares, o que lhes permite fazer deduções de tudo e mais alguma coisa - desde a renda da casa e consumos de electricidade a roupa como despesas de representação - e conseguem não só pagar pouco como muitas vezes ainda ser reembolsados. Ora isto subverte o princípio ético das deduções, mas é tudo perfeitamente legal. De modo que os "galegos" como eu acabam a pagar mais, mesmo que ganhem por vezes bastante menos... E isto é na minha área, porque obviamente em todas as actividades há imensa fuga fiscal, e na minha nem é certamente das mais afrontosas.
Mas por que raios é que as empresas hão-de ser favorecidas? Enfim, esta é apenas uma pequena irritação anual; felizmente tenho dinheiro para pagar os meus impostos - como aliás é lógico, já que estes são proporcionais ao que ganho - e resta-me a consciência tranquila. Mas que a ausência de justiça fiscal irrita, isso irrita. E às vezes apetece-me mostrar aos "espertos" uma tira da Mafalda, que mostrava o Manelinho de olhos esbugalhados e mãos crispadas a dizer: "ele quer sempre mais, mais, MAIS!!!!" Que raios, o dinheiro fá-los assim tão felizes?
Frida Kahlo - a exposição no CCB
Depois de vários adiamentos, fui finalmente ver a exposição de Frida Kahlo no CCB. Tinha bastantes expectativas, porque gosto muito da sua pintura e por causa da publicidade que lhe fora feita, com frases como "a maior mostra dos quadros de Frida Kahlo alguma vez exibida". E talvez devido a essas expectativas, fiquei consideravelmente desiludido. É certo que estão lá alguns belos quadros, representativos da sua obra, como "A Coluna Partida", alguns auto-retratos e desenhos, que há uma boa selecção de fotografias e de citações, que o documentário é interessante. Mas sabe a tão pouco...
Em primeiro lugar, é uma exposição extremamente pequena; se calhar é a maior que se exibiu até agora, mas, conhecendo a sua obra, cria-se a expectativa de algo bem mais vasto - que diferença de algumas grandes exposições de outros pintores que já vi! Depois, e pior ainda, achei-a tecnicamente péssima: as condições de iluminação muito más - como aquelas cores vivas e brilhantes mereciam uma luz que condissesse com elas e as realçasse! parece um velório - e a ordenação dos quadros desajeitada, além de parecerem dispersos e perdidos entre os textos extensos e as fotografias bem mais numerosas - se é para disfarçar como são poucos, obtem-se precisamente o efeito contrário. O altar mexicano, para quem já viu verdadeiros altares mexicanos do dia de los muertos - e eu por acaso já passei esse dia no México - é apenas folclórico e postiço. E porque não tiveram o trabalho de legendar o documentário? Porque exploraram tão pouco as potencialidades do diário?
Enfim, vale a pena ver, porque os quadros de Frida Kahlo são bons, e ela própria é uma personalidade interessante - é fascinante a forma como ela exprime pela sua obra de uma maneira tão completa e pungente o seu drama pessoal, a dor, a convivência com um corpo semi-destroçado; sempre achei aliás que a sua insistência nos auto-retratos e o seu cultivar da originalidade e do carisma eram uma forma de se encontrar, de se justificar, de desafio, de se vingar e de vencer a adversidade. Seguramente viveu momentos muito negros, e a insistência na exploração do seu corpo, do seu rosto, lembra-me a necessidade que alguém que está desesperadamente deprimido tem de se sentir real; essas depressões também são evocadas pela paisagem árida de alguns quadros. Mas as cores, a exuberância e riqueza do conjunto da obra mostra que ela lutava eficazmente contra o desespero. Só pela sua força, merece a nossa admiração - e além do mais, os quadros são verdadeiramente belos, nas suas formas duras, cores violentas e imagens poéticas e fortes; quanto a mim, era bem melhor pintora que Diego Rivera. Mas teria sido melhor terem poupado na megalomania publicitária e terem exibido o material que têm da forma que ele merecia.
segunda-feira, maio 08, 2006
Tagabismos e anti-tabagismos
Já algumas vezes tive vontade de escrever sobre a questão das medidas contra o tabagismo, que se tornou sinónimo de discriminação contra os fumadores. Em geral, as pessoas tendem a tomar uma de duas posições: ou são intensamente anti-tabaco, proclamando que fumar é um crime e uma “porcaria” e que os fumadores são uma escória da Humanidade pelo simples facto de fumarem, ou são arrogantemente anti-anti-tabagistas (já que mesmo os fumadores geralmente não conseguem defender o tabagismo em si), e arvoram o estandarte da defesa das liberdades individuais contra os totalitarismos.
Ora eu discordo destas duas atitudes, que acho aliás bem representativas da nossa sociedade ocidental contemporânea que, seguindo o exemplo americano, tanto gosta de rotular comportamentos, extremar posições e exercer julgamentos morais. Como em tantos outros casos, o gosto de polemizar e a intolerância dominam e abafam os problemas.
Em primeiro lugar, é claro que o tabaco faz mal à saúde. Ninguém hoje em dia ignora isso – e, apesar de haver já processos ganhos às tabaqueiras de pessoas que adoeceram por causa do tabaco, acho que sempre se soube que fazia mal, mesmo que não os pormenores – mesmo os miúdos que começam a fumar. Aliás, o “fazer mal” é provavelmente um dos atractivos do acto, tal como parecer cool, provar o fruto proibido ou desobedecer aos pais.
Quanto ao tabagismo passivo, por mais que alguns fumadores reclamem, também é claro que faz mal. O que não é por vezes fácil de estabelecer é o grau de fumo passivo absorvido em cada circunstância, logo, o grau de risco, mas penso que qualquer alma sensata percebe que é alto num ambiente fechado e com muita densidade de fumo, menor em espaços mais amplos, e negligenciável ao ar livre.
Faço estas considerações iniciais para abordar o tema da actualidade – as leis anti-tabaco, nomeadamente a proibição de fumar em espaços fechados, como cafés, restaurantes, locais de trabalho (escritórios, escolas, hospitais, etc), discotecas. Os cruzados anti-tabaco bradam sobre os perigos do fumo passivo, os fumadores ripostam com a liberdade individual.
Eu sou contra fundamentalismos e fanatismos, e irritam-me soberanamente as intolerâncias em nome das virtudes, incluindo em nome da saúde. Mas penso que neste caso, são os opositores das leis que estão a ser intolerantes e disparatados. Se fumar é prejudicial à saúde e susceptível de incomodar outros utilizadores dos espaços (obviamente quando estes são fechados, provocando densidades de fumo suficientes para serem sentidas), e não se tratando de um acto propriamente necessário à vida, é difícil sustentar a defesa dessa posição sem cair em argumentos pouco sólidos. A liberdade individual? Não me parece assim tão atacada por não se poder fumar num café ou num bar, onde se vai por prazer e de onde se pode sair a qualquer altura – nomeadamente para fumar lá fora. Há anos que não se fuma nos aviões e autocarros ou cinemas, e duvido que alguém com juízo vá defender a reinstituição desse direito.
Como tantos hábitos nocivos, acho que este deve ser permitido na medida em que prejudique apenas quem o faz. Fumar deve ser um prazer, não um vício sofrido nem uma imposição aos outros. Não me digam que os pobres fumadores não conseguem estar sem fumar quando vão ao café ou à discoteca, ou quando esperam por uma consulta no hospital ou no trabalho. E também não me digam que os não fumadores se incomodam com o fumo na praia ou em plena rua… Então é melhor pensarem em banir também os escapes dos carros e os maus cheiros em geral.
Discordo profundamente que as medidas anti-tabagismo – que acho necessárias e úteis por uma questão de saúde pública, e só alguém muito desonesto pode negá-lo – se baseiem na estigmatização dos fumadores, quer como assassinos pelo fumo passivo quer como desgraçadinhos nicotinodependentes, quer como porcos grosseirões (como nuns anúncios em que fumar era depreciativamente comparado com expelir gases intestinais – mas que espírito fino e elegante, o destes publicitários!) Acho que deve basear-se, sim, na informação sobre os malefícios verdadeiros do tabaco – e não é preciso inventar, os existentes são mais do que suficientes –, no aumento do preço, que é sempre um factor dissuasor, e na diminuição da facilidade em fumar, com medidas como esta da restrição dos locais de fumo. Não me parece nenhuma medida fascizante, apenas sensata. E, apesar de eu próprio fumar, será muito agradável poder ir a um café ou um bar e não sair de lá malcheiroso, ou de poder subir as escadas do meu hospital e não me sentir como numa chaminé. Mas também, se já passámos o tempo em que fumar era sinal de glamour e quem não fumava era totó, não caiamos no outro extremo, em que fumar é pior que ser leproso ou… peidoso!
domingo, maio 07, 2006
Lettres à Sartre, de Simone de Beauvoir
Estou a ler as cartas de Simone de Beauvoir a Sartre e, como sempre, gosto imenso deste género de testemunho sobre pessoas no seu quotidiano, no seu tempo, sobretudo quando se trata de pessoas interessantes – como é o caso. É como se nos fossem mostrados pedaços da vida das pessoas, das suas ideias, à medida que aconteceram, e através das suas palavras, das suas opiniões, assistimos ao seu dia-a-dia, ao quotidiano de uma determinada época, à génese de uma obra.
Desde que li pela primeira vez, aos 18 anos, “Memórias de uma Menina Bem Comportada”, sempre admirei a clareza com que Simone de Beauvoir expunha as suas ideias e tentava explorar a sua vida, dar-lhe um sentido – no fundo, perceber “o que fazia ela ali”, e não é este o título deste weblog? E, se muitas vezes não concordo com as conclusões a que ela e Sartre chegaram, ou com as posições que tomaram, no geral admiro a atitude que tiveram perante a vida e as ideias, a forma como viveram intensamente as suas convicções e exploraram e dissecaram as suas vidas, a sua posição no mundo, as relações com os outros. Claro que os admiro porque, apesar das diferenças referidas, são muitos os pontos em que concordo com eles.
No período da correspondência que já li, que abrange a 2ª Guerra Mundial, as cartas diárias de S. de B. a Sartre – primeiro soldado, depois prisioneiro de guerra – traçam um retrato pormenorizado da sua vida quotidiana – os amigos, os cafés, a escrita de L’Invitée – e ilustram um fenómeno que sempre me fascinou: como as pessoas se adaptam e vivem o seu dia-a-dia durante tempos trágicos, como a banalidade do quotidiano permanece e ocupa a maior parte do tempo e do pensamento mesmo em períodos terríveis.
Um outro aspecto que sempre me fascinou é a relação que Sartre e Beauvoir mantiveram ao longo de toda a sua vida, tão próxima e íntima, e no entanto tão independente e sincera. De certa forma, é a relação perfeita, não dependente da sexualidade – quase sempre uma força de atracção / ligação transitória – mas sim de um verdadeiro e persistente entendimento dos espíritos, de um gosto partilhado pela vida e uma comunhão de interesses.
Finalmente, aprecio a postura optimista que tinham perante a vida – gostavam de passear, de beber, de cafés, de conversar, de mexericos, de escrever, de quadros, de ouvir jazz, de seduzir, de sexo, de viajar. Se Alfred de Musset e George Sand foram os enfants du siècle do século XIX, Sartre e Beauvoir foram-no do século XX.
(Projectos para próximas leituras: “As Palavras”, “Memórias de Guerra” e “Cartas ao Castor”, de Sartre!)
sexta-feira, maio 05, 2006
3 poemas de Emily Dickinson - dedicados a...
Some, too fragile for winter winds
Some, too fragile for winter winds
The thoughtful grave encloses --
Tenderly tucking them in from frost
Before their feet are cold.
Never the treasures in her nest
The cautious grave exposes,
Building where schoolboy dare not look,
And sportsman is not bold.
This covert have all the children
Early aged, and often cold,
Sparrow, unnoticed by the Father --
Lambs for whom time had not a fold.
I have a Bird in spring
I have a Bird in spring
Which for myself doth sing --
The spring decoys.
And as the summer nears --
And as the Rose appears,
Robin is gone.
Yet do I not repine
Knowing that Bird of mine
Though flown --
Learneth beyond the sea
Melody new for me
And will return.
Fast is a safer hand
Held in a truer Land
Are mine --
And though they now depart,
Tell I my doubting heart
They're thine.
In a serener Bright,
In a more golden light
I see
Each little doubt and fear,
Each little discord here
Removed.
Then will I not repine,
Knowing that Bird of mine
Though flown
Shall in a distant tree
Bright melody for me
Return.
So proud she was to die
So proud she was to die
It made us all ashamed
That what we cherished, so unknown
To her desire seemed --
So satisfied to go
Where none of us should be
Immediately -- that Anguish stooped
Almost to Jealousy --
quarta-feira, maio 03, 2006
Sabe bem comprar discos - e ouvi-los ainda mais
Este fim-de-semana passei numa discoteca e comprei alguns cds, o que me deixou muito satisfeito. Um deles foi um duplo com as Suites Inglesas de Bach, por Bob van Asperen. Sempre achei a música para cravo de Bach particularmente apolínea - leve e celestial.
Continuo a preferir os concertos para cravo e violinos, mas este também é muito bom. Ouvi uma vez Bob van Asperen tocar nos Jerónimos, há já muitos anos, na época em que eu estava a descobrir Bach, e gostei muito.
Outro dos cds que comprei foi do Louis Armstrong com a orquestra do Duke Ellington, que é excelente. Gosto imenso de Duke Ellington, acho que é do melhor que houve no jazz. Já o ouvi várias vezes, e vai decerto ainda proporcionar-me muito tempo de prazer auditivo!
Continuo a preferir os concertos para cravo e violinos, mas este também é muito bom. Ouvi uma vez Bob van Asperen tocar nos Jerónimos, há já muitos anos, na época em que eu estava a descobrir Bach, e gostei muito.
Outro dos cds que comprei foi do Louis Armstrong com a orquestra do Duke Ellington, que é excelente. Gosto imenso de Duke Ellington, acho que é do melhor que houve no jazz. Já o ouvi várias vezes, e vai decerto ainda proporcionar-me muito tempo de prazer auditivo!
segunda-feira, maio 01, 2006
M, de Fritz Lang
O clássico de Fritz Lang, "M", merece a fama que tem. É um excelente filme, quer formalmente - os planos ameaçadores, as cenas apresentadas em paralelo - quer pelo conteúdo. Não me parece necessário invocar alegorias da ascensão do nazismo para ser uma boa história; o filme já inclui vários conteúdos interessantes: a história do assassino de crianças, o terror da população e as acusações à toa fruto da histeria, a ineficácia bonacheirona do polícia - da República de Weimar -, o problema da justiça feita pelo Estado ou pelas "próprias mãos", neste caso a um inimputável, o retrato irónico do submundo...
A sequência do tribunal popular dos criminosos é magistral, tal como a da perseguição do assassino, quando é marcado com a letra M, qual marca de Caim. E as interpretações são muito boas, sobretudo as de Peter Lorre, do polícia Lohmann e do chefe gangster Schränken.
Só foi pena a legendagem falhar com alguma frequência, porque o meu alemão é demasiado insuficiente... Mas são os óbices de ver filmes antigos.
Uma observação final, que não tem nada a ver com o filme em si: achei engraçado reconhecer em várias personagens características que associamos hoje unicamente a Hitler, como o penteado ou o bigodinho; a imagem de Hitler enraizou-se de tal forma no nosso imaginário que esquecemos que afinal era um homenzinho vulgar, que se penteava e arranjava como outros, provavelmente seguindo alguma moda da época, mas que a sua proeminência nos fez associar indissoluvelmente a ele.
A sequência do tribunal popular dos criminosos é magistral, tal como a da perseguição do assassino, quando é marcado com a letra M, qual marca de Caim. E as interpretações são muito boas, sobretudo as de Peter Lorre, do polícia Lohmann e do chefe gangster Schränken.
Só foi pena a legendagem falhar com alguma frequência, porque o meu alemão é demasiado insuficiente... Mas são os óbices de ver filmes antigos.
Uma observação final, que não tem nada a ver com o filme em si: achei engraçado reconhecer em várias personagens características que associamos hoje unicamente a Hitler, como o penteado ou o bigodinho; a imagem de Hitler enraizou-se de tal forma no nosso imaginário que esquecemos que afinal era um homenzinho vulgar, que se penteava e arranjava como outros, provavelmente seguindo alguma moda da época, mas que a sua proeminência nos fez associar indissoluvelmente a ele.
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