
Gostei deste livro, que acho interessante em vários aspectos. Para começar, é uma leitura agradável e o enredo é engraçado, no género comédia romântica. Mas o que me tocou foram dois aspectos - primeiro, o tema da vida como viagem, tão bem ilustrado pelo poema de Cavafis
Ítaca, e da procura da amizade
perfeita; segundo, a experiência dos locais como incluindo as memórias das outras pessoas que os visitaram e do que lemos e sonhámos sobre eles.
Com efeito, quando visitamos um local, experimentamo-lo no contexto do nosso imaginário - tal como a Corfu de Dessaix é permeada pela presença dos Durrells e de Sissi, também a "minha" Paris é habitada pelo grupo de Sartre, pelas ersonagens de Zola ou mesmo pelas de Dumas, tal como Londres pelos Bloomsburyites ou Nova Iorque pelas personagens dos filmes de Woody Allen. O nosso imaginário histórico, literário, cinematográfico, musical, etc etc, enriquece e influencia imenso a forma como experimentamos e vivemos os locais que visitamos.
Quanto à vida como uma viagem, muitos livros, desde a
Odisseia, tratam esse tema, e este não diz propriamente nada de novo. Mas o autor escreve com sensibilidade e inteligência, discorre sobre as peças de Tchékov de forma inteligente e que dá vontade de as ver de novo (e como lamento nunca ter visto
O Tio Vânia!), cita os poemas de Safo e de Cavafis a propósito e faz-nos senti-los, e as suas evocações da procura da amizade
perfeita tocam-me particularmente, pois foi sempre um dos objectivos / sonhos da minha vida. É sempre bom ler passagens como esta:
"... veio-me à mente uma frase de Emerson, à minha mente seca como o pó, analítica, uma expressão que me fascinara quando a lera pela primeira vez: "inimigos magníficos". Segundo Emerson, era o que os amigos (no sentido de seres que enriquecem a nossa vida) deviam ser uns para os outros. De repente a expressão fazia algum sentido, um sentido um tanto bizarro: o amigo como invasor a quem admiramos, a quem desejamos (pois a capitulação é doce), mas a quem resistimos, a quem afastamos continuamente. Era tão menos sentimentalista, muito mais dinâmico do que "almas gémeas", "amigos íntimos" e todas as outras palavras que eu tentara escolher entretanto." Ou:
"Acho que vou falar de um "amigo especial", suponho que é o que quer dizer uma "alma gémea", aquele género de amigo que Montaigne amou há quatrocentos anos (o seu nome era La Boétie), alguém que foi por ele amado pela única razão de "ele ser ele e eu ser eu"."