
A primeira vez que ouvi falar de Lytton Strachey foi nos
Diários de Virginia Woolf. Aliás, foi através destes Diários que se desenvolveram o meu interesse e admiração pelo Grupo de Bloomsbury.
Lembro-me vagamente de ler Virginia Woolf pela primeira vez por volta dos 18 anos,
Mrs.Dalloway, de ter gostado mas sem me impressionar especialmente (gostei muito mais quando o reli, anos mais tarde). Só mais tarde, com
Rumo ao Farol, seguidos de
Orlando,
O Quarto de Jacob e
As Ondas, e dos
Diários, é que me tornei um fervoroso adepto da escrita de Virginia Woolf e, através dela, de Bloomsbury. Por essa altura já conhecia também os romances de E.M. Forster, a que chegara pelos filmes de James Ivory dos finais dos anos 80, e que nem sabia ser conhecido de Virginia Woolf. Mas, ao contrário de Lytton Strachey, Morgan Forster nunca foi uma personagem fulcral do grupo. Ao longo do tempo, os nomes e as vidas de pessoas como Virginia e Leonard Woolf, Vanessa Bell, Duncan Grant, Roger Fry, Lytton Strachey, Clive Bell, Maynard Keynes (de quem ouvira falar nos livros de História), Ralph Partridge e outros foram-se-me tornando familiares, quase como amigos ou velhos conhecidos.

O Bloomsbury Group esteve alternadamente na moda e fora de moda ao longo das décadas, foi meticulosamente escalpelizado (a começar pelos seus próprios elementos) e abundantemente criticado – as críticas mais frequentemente apontadas aos
bloomsberries ou
bloomsburyites, como são chamados, são as de serem pretensiosos, pedantes, maldizentes, mentirosos ao ponto da mitomania, auto-complacentes, narcisistas, superficiais, frívolos, e em geral inconsequentes.
Certamente, cada um deles tinha muitos defeitos, eram provavelmente vaidosos e algo arrogantes, seguramente mexeriqueiros (como disse Gore Vidal algures,
they turned gossip into a form of art), e o valor artístico do que fizeram foi muito variável. Mas para mim, representam uma época que me fascina e que admiro imensamente – o começo do século XX, o aparecimento da modernidade, a ruptura com os valores tradicionais dos séculos anteriores que permitiu o nosso mundo contemporâneo de ideias e valores modernos (não consigo encontrar palavra melhor), no sentido de liberdade de espírito, de independência e tolerância.
Uma passagem do livro de Holroyd (episódio que já lera na biografia de Virginia Woolf de Quentin Bell):
“Lytton ‘released Vanessa from guilt and the need to conform’, wrote her biographer Frances Spalding. Her sister Virginia recorded a
famous incident the following year when, entering the drawing room at Gordon Square, Lytton pointed his finger at a stain on Vanessa’s dress and inquired ‘Semen?’ Could one really say it, they wondered, ‘& we burst out laughing’. Only those getting to know Lytton well in those days when freedom of mind and expression were almost unknown, Vanessa wrote, ‘can understand what an exciting world of explorations of thought and feeling he seemed to reveal.’”Os
bloomsburyites fizeram parte da geração que criou o mundo moderno – intelectual e moralmente aventureiros, irreverentes, tolerantes, pacifistas, curiosos. Aquilo que na época era tomado como decadência de costumes porque tão aberrantemente diferente da norma estabelecida e que hoje parecem frivolidades para atrair as atenções porque são comportamentos que actualmente já não espantam ninguém, exigiu na altura muita coragem moral. E de certa forma, a intrincada rede de relações de amizades e solidariedades entre eles contribuiu para que tivessem a coragem e a segurança para viver segundo as suas ideias – é de todos os tempos a tendência de grupos com comportamentos / ideias pouco convencionais encontrarem segurança num código de conduta / atitudes partilhadas, que facilmente parecem aos outros tolices arrogantes.
Quanto a Lytton Strachey, era provavelmente muito irritante, teatral, e aquilo que

hoje chamaríamos
“muito bicha”. Mas escrevia admiravelmente bem, e defendia as suas ideias com uma ironia aparentemente suave mas arrasadora – o seu
Eminent Victorians é demolidor, desmascarando completamente os valores vitorianos em toda a sua hipocrisia e influência perniciosa sobre a liberdade de espírito, e no entanto sempre no tom mais perfeitamente culto e educado que se possa imaginar. Aliás, ouvira falar muito deste livro antes de o ler, e já conhecia então a vida de Lytton Strachey em linhas gerais, e fiquei surpreendido em como é bom – imensamente actual (porque a hipocrisia e o tartufismo são eternos, e não exclusivos dos vitorianos – e como tendem por natureza a tomar conta dos moeurs!) e delicioso de ler. E a vida de Lytton, a sua longa relação com Carrington, é mais um exemplo de como as relações e os amores podem ser diferentes, estranhos só na aparência, mas essencialmente individuais, no sentido em que cada um é um caso, precioso para quem está envolvido, e podendo evoluir das mais variadas formas, até onde cada um se deixar ir.
A biografia de Michael Holroyd é minuciosa e compreensiva, e mostra um imenso afecto e admiração pelos seus sujeitos. Lê-se como um romance, interessante, divertido e dramático. Há anos, vi o filme
Carrington, de Christopher Hampton, que é baseado neste livro – penso que no geral é uma boa adaptação, com um ambiente bem recriado e personagens bem conseguidas, nomeadamente a Carrington de Emma Thompson e o Lytton de Jonathan Pryce.
Continuo pois um
fan de Bloomsbury – próxima incursão, a correspondência entre Virginia Woolf e Vita Sackville-West!