Até agora não escrevi nada sobre um dos temas do dia, a gripe A e a pandemia, porque estava pouco interessado, pouco informado e nada alarmado. Além disso, aborrece-me escrever sobre o que toda a gente fala, acho que já várias vezes referi a minha aversão aos ecos propagados e repetidos ao infinito... Mas este sempre é um problema de saúde, agora estou mais informado (mas continuo não alarmado), e os meus amigos e conhecidos perguntam-me sempre o que acho, já que sou médico. Como penso que nestes assuntos (e noutros também) a informação de boa qualidade é o mais útil, passo a transmitir alguns pontos publicados num artigo de 18 de Junho no New England Journal of Medicine (a tradução é minha) que me pareceu muito esclarecedor sobre o que caracteriza uma pandemia, e é sempre bom sabermos do que estamos a falar... Inicialmente transcrevi-o integralmente, mas numa releitura concordo com a crítica de um amigo de que é demasiado técnico (ou talvez se tornasse chato devido à tardução) de modo que altero o post, deixando apenas os aspectos que me parecem mais relevantes.
The Signature Features of Influenza Pandemics - Implications for Policy
Mark E. Miller, MD, Cecile Viboud, PhD, Marta Balinska, PhD, Lone Simonsen, PhD
NEJM, June 18, 2009
A ideia básica é analisar as características típicas de uma pandemia de gripe, a partir do que se sabe das 3 pandemias do século XX (A/H1N1 de 1918-1919, A/H2N2 de 1957-1963 e A/H3N2 de 1968-1970), e retirar lições ara a próxima, que aparentemente já começou.
O autor apresenta como carcterísticas típicas (signature features) das pandemias:
1 - um desvio no subtipo viral
2 - desvios das maiores taxas de mortalidade para populações mais jovens
3 - sucessivos surtos pandémicos
4 - maior transmissibilidade do que a da gripe sazonal
5 - diferentes impactos em diferentes regiões geográficas.
Dado a primeira destas características ser habitualmente a mais falada, o autor concentra-se nas outras.
A segunda característica - o desvio da mortalidade para grupos etários mais jovens - foi a mais notável das pandemias do século XX. Não se sabe exactamente a razão, mas pensa-se que teria a ver com alguma imunidade prévia dos indivíduos mais velhos, que teriam contactado com tipos de vírus imunologicamente próximos no passado, tornando-os mais resistentes à estirpe quando esta provocou a pandemia. Por outro lado, outros dois factores contribuiram, quase de certeza pelo menos na gripe de 1918 (a de maior mortalidade): o vírus provocar uma "tempestade de citokinas" (citokine storm), que consiste numa activação exagerada do sistema imunitário que acaba por ser mais lesiva para o hospedeiro (e mais forte nos jovens, cujo sistema imunitário é mais activo) e diminuição das defesas respiratórias às infecções bacterianas (provocando pneumonias bacterianas, muitas vezes fatais sobretudo na era pré-antibióticos). O conhecimento inicial de quais as populações em maior risco de mortalidade pode condicionar a optimização das estratégias de controlo.
A terceira característica, um padrão de múltiplos surtos, caracterizou as três pandemias do século XX, cada uma causando aumento da mortalidade por 2 a 5 anos. Esta característica deve ser um incentivo a uma apertada vigilância epidemiológica e colaboração e partilha internacional de dados, para aproveitar as "janelas" entre os surtos para desenvolver lanos preventivos, vacinas e fármacos eficazes.
A quarta característica, o aumento de transmissibilidade da gripe devido à alta susceptibilidade da população, também foi documentado em todas as pandemias prévias, apesar das estimativas dos números reprodutivos - uma medida do número médio de infecções secundárias causadas por cada caso individual - variarem consideravelmente conforme os estudos e as pandemias. Estudos recentes sugerem que durante o primeiro surto ligeiro da pandemia de 1918-1919 o número reprodutivo terá variado entre 2 e 5, contra uma média de 1.3 para a gripe sazonal. O conhecimento destes dados é igualmente importante para o delinear de estratégias preventivas (do género de valer a pena ou não fechar escolas, etc).
Grande heterogeneidade entre regiões em termos de incidência e de mortalidade é também uma característica das pandemias. Esta variabilidade explica-se provavelmente pela complexa heterogeneidade no grau de imunidade das populações locais às estirpes de gripe circulantes, assim como por factores de transmissão como condições geográficas, tecido social, grau de infecciosidade viral e "forcing" sazonal (pequenas variações sazonais na taxa de transmissão efectiva). Os benefícios da partilha de dados sobre todas estas variáveis são incentivos fundamentais à colaboração internacional.
A gripe aviária, ainda recente nas nossas memórias, caracterizava-se por uma elevada taxa de mortalidade (50%), mas a sua transmissão, em parte por isso mesmo (matava mais depressa do que era transmitida) era pouco eficaz. Esta gripe de origem suína até agora tem uma mortalidade documentada de 0.2%, o que está dentro dos valores habituais para a gripe sazonal. No entanto, o risco é o da transmissão maciça - uma pequena pertcentagem de um grande número torna-se um número considerável, e a implementação de meddas de prevenção do contágio - como ficar em casa - podem complicar seriamnete o funcionamento da sociedade.
Por fim, o conhecimento destas características é útil para definir as prioridades de vacinação, tendo em conta as populações em maior risco e a evolução da pandemia.
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