Alguns números impressionantes:
- 10% de todas as crianças de 10 anos nos Estados Unidos estão rotuladas como sofrendo de ADHD, e medicadas para o efeito
- isso representa cerca de 2500000 (2.5 milhões!) de crianças
A ADHD - Attention-Deficit Hyperactivity Disorder, ou síndrome de hiperactividade / deficit de concentração - tomou proporções ciclópicas nos últimos anos, ou melhor dizendo, o diagnóstico de síndrome de hiperactividade tomou essas proporções.
A Medicina, como tudo o resto, sempre conheceu modas - eu, por exemplo, passei pela época da moda dos "pés chatos", como houve poucos anos antes a das amigdalectomias; houve a moda da psicanálise e dos "complexos", mais remotamente a dos "chiliques"... A terapêutica também conheceu modas, e vários fármacos viram o seu momento de glória, sempre devidamente amplificado pelos mass media: o diazepam (Valium), a fluoxetina (Prozac), o sildenafil (Viagra), para citar apenas os mais recentes e famosos. No caso da ADHD, a estrela tem sido o metilfenidato (Ritalina). (Ressalvo que se trata de excelentes fármacos, mas foram badalados muito para além das suas reais potencialidades e de uma forma mais aparentada com o star system da banha da cobra milagrosa do que com a seriedade científica que mereciam.)
No caso da ADHD, trata-se não só de uma condição sobre-diagnosticada e sobre-tratada por motivos sociais, como também de uma das situações que nos fazem questionar sobre as fronteiras entre saúde / doença, entre normalidade / desvio, o que é sempre interessante. A nossa sociedade habituou-se a um elevado grau de conforto e a procurar na Medicina a solução para males que, antigamente, seriam considerados fatalidades, acasos, castigos de Deus, possessões pelo Demónio, etc. A partir de certa época, desconforto ou diferença ou sofrimento passou a ser equivalente a doença, que forçosamente deve ser tratável. A infelicidade passou a ser depressão, que se trata com inibidores da recaptação da serotonina, os dentes tortos corrigem-se com aparelho, e as crianças turbulentas passaram a ser doentes de ADHD.
Claro que existem crianças que são mesmo doentes de ADHD. Como em outras doenças em que não há uma substância identificada alterada em estrutura ou em quantidade, ou um agente infeccioso ou outro responsável, o diagnóstico faz-se somando um certo número de critérios que, individualmente, não são patológicos, mas cuja combinação se considera preencher os requisitos para a definição da doença. Só que estas combinações de critérios, como aliás acontece noutras doenças e tanto mais quanto menos patológico ou mais inespecífico é o crutério em si, permitem uma certa elasticidade que, aliada à pressão social que torna mais aceitável uma criança ser doente de ADHD do que simplesmente malcriada (ou ser disléxica em vez de trapalhona), permite encaixar no síndrome hordas de crianças que provavelmente são apenas miúdos irrequietos com energias que não gastam suficientemente na nossa vida urbana e sedentária. Aliás, quando há uns tempos li um artigo de revisão sobre ADHD e vi os critérios, consegui facilmente encaixar neles o meu Abdallah, que é um diabrete, mas nada mais. Pelos vistos, a maioria das mães americanas - e dos médicos - dar-lhe-ia Ritalina.
É devido ao exagero da "epidemia" de ADHD que começam a surgir mais artigos e editoriais em revistas médicas chamando a atenção para estes números, sobretudo porque se começa a ter a noção de que a Ritalina e outros fármacos usados no tratamento não são tão inócuos quanto inicialmente se julgava. Portanto, mesmo que seja tão mais fácil e desculpabilizante para os pais que os comportamentos indesejáveis dos filhos sejam doenças e não da responsabilidade deles (deles - dos pais e dos filhos), é altura de a comunidade médica deixar de alimentar a moda... apesar de ser certamente também uma boa fonte de proventos para os pedopsiquiatras.
E sobretudo, é bom que as pessoas se lembrem sempre de reequacionar a noção do que é doença ou do que é a variação aceitável ("normal") do comportamento humano - como qualquer característica, em qualquer espécie, a variabilidade é desejável e contribui para a evolução e adaptabilidade, a não ser que se seja partidário da tese do intelligent design... - e que aquilo que se considera doença numa época deixa de o ser noutra (a homossexualidade e a masturbação são dois bons exemplos), portanto, convém não se ser demasiado fundamentalista na defesa de sistemas de classificação e diagnóstico que são discutíveis e que nada nos garante que vão durar muito - como uma colega da área que me ia apedrejando por eu formular algumas dúvidas cépticas quanto à definição de doenças como a ADHD ou o síndrome da fadiga crónica...).
1 comentário:
Odeio esses comentarios que vcs que não são portadores de nenhum problema psíquico ficam metendo a boca nas doenças mentais e ficam dizendo que é coisa da moda.
Vcs deveriam defender as descobertas da medicina de tentar melhorar o sofrimento das pessoas isso é uma maneira de igualar a sociedade e nao priveligiar apenas
alguns dotados de estados cerebrais
mais normais. Sendo assim o diferencial de cada ser humano seria só sua forca de vontade, personalidade, dons e Q.I o qual
é camuflado de muitas pessoas por tras de depressao, ansiedade, tdah e outros.
Vcs que ficam criticando tais doenças e respectivos remédios deveriam cuidar mais de suas vidas.
Vc não tem ideia de todas as comorbidades que se adquire porcausa de um funcionamento tdha
Sou bipolar e dda, vc não tem ideia
do que é isso.
Vcs precisam ouvir mais o que passa
conosco portadores de transtorno mentais e serem mais empaticos.
E mais, uma mente doente, faz o corpo adoecer muito mais do que qq remédio, mesmo que alguns remédios
até minimizem a espectativa de vida de algumas pessoas. Antes viver um pouco menos porém anos mais felizes.
A maioria das pessoas existem e não vivem.
Quem quase morre está vivo, quem quase vive já morreu.
Enviar um comentário