quinta-feira, janeiro 18, 2007

O meu voto no referendo

Tal como os partidos de direita, acho absurdo que se referende a despenalização do aborto. Só que pelos motivos contrários - em primeiro lugar, discordo que a questão seja referendada, o governo (dito socialista, e com maioria absoluta no Parlamento!) devia simplesmente legislar sobre o assunto. Para piorar as coisas, o primeiro-ministro ainda decidiu que o resultado do referendo será vinculativo, mesmo que a participação seja inferior a 50%, o que além de abrir um péssimo e perigoso precedente é um disparate completo - obviamente, se as pessoas não votarem significa que não se interessam particularmente pela questão, o que é mais um motivo para ser decidida no Parlamento. Em segundo lugar, acho completamente anacrónico que áinda se esteja a debater a questão da despenalização do aborto, ou seja, se as mulheres devem ser julgadas e presas por abortar. Isto é tanto mais absurdo quanto significa equiparar o aborto voluntário a um assassínio, o que automaticamente obrigaria a considerar um assassínio um aborto realizado segundo a lei actual (porque se abortar é assassinar, é evidente que as situações actualmente autorizadas não o deveriam ser, porque o produto de uma concepção por violação ou portador de deficiência vale tanto, em si, como outro qualquer), o que é um paradoxo.


E haverá alguém no seu juízo perfeito que ache sinceramente que uma mulher utilize o aborto como meio anticoncepcional de escolha? Já deixando de lado os problemas morais (que são convenientemente ignorados pelos opositores da despenalização, que devem considerar que as mulheres - essas potenciais abortadeiras / assassinas, com a provável excepção de extremosas mães como Maria José Nogueira Pinto - não têm consciência e se lançarão alegremente no caminho do aborto / assassínio para não terem o incómodo de tomar a pílula), será que pensam de facto que alguém escolhe sofrer um processo doloroso e traumatizante e não isento de riscos como opção preferencial?


Enfim, toda esta argumentação anti-despenalização se reveste de uma tal hipocrisia e tartufice que causa náuseas. E sobretudo interrogo-me - mas porque é que estas personalidades fazem isto? Como se conseguirão sentir bem consigo próprias defendendo publicamente o sofrimento, o recurso ao aborto clandestino ou no estrangeiro, esgrimindo argumentos absurdos ou nojentos (os cartazes que proliferam pelas ruas são particularmente desonestos), para quê? Racionalemente,a cho impossível que essas pessoas acreditem no que dizem ou se julguem de facto defensoras da vida de inocentes bebézinhos, e acho incrível como a desonestidade intelectual - e moral - e a ambição da manipulação / rodriguinho políticos pode chegar a este ponto.


Para finalizar, e para o caso de não ter sido claro, gostava que despachássemos de vez este assunto constrangedor (o debate, não o aborto voluntário, que é um recurso desagradável e deprimente, mas por vezes necessário, sendo obsceno estar ainda a culpabilizar as pessoas que já estão em sofrimento), e por isso espero que muita gente faça como eu e vote pela despenalização do aborto.

(E isto não tem a ver com a questão da despenalização, mas lembrei-me porque era um dos assuntos abordados na entrevista de Zita Seabra que li há dias num jornal que encontrei na sala de espera de um consultório. Mas aquela mulher existe mesmo?? Foi sempre uma caricatura - primeiro da estupidez e casmurrice comunistas, depois da vira-casaquice despudorada, agora de quê? Do capitalismo selvagem neocon? Até a sua fealdade disforme é caricatural. Há pessoas mesmo inacreditáveis! Esta devia estar num freak show.)

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