sexta-feira, janeiro 19, 2007
Guerra e Paz, de Lev Tolstói, relido
Não me lembro exactamente de quando li pela primeira vez Guerra e Paz, provavelmente por volta dos 17 - 18 anos, mas lembro-me de que gostei na altura mas pensei no final: "é só isto?". Esta relativa decepção deveu-se a dois factores: primeiro, tinha lido Ana Karenina aos 14 anos e tinha sido um verdadeiro amor à primeira vista, e depois a aura de fama que rodeia Guerra e paz é tão grande que suponho que esperava algum tipo de revelação ou deleitamento que não aconteceu (já quando li um pouco mais tarde Em Busca do Tempo Perdido, outro livro envolto numa aura mítica, as minhas expectativas foram fantasticamente excedidas). Recentemente, a propósito da nova tradução e da minha reaproximação à literatura russa desde a descoberta de Dostoievski, reli-o.
Desta vez, fui surpreendido no sentido oposto. Quase a cada página, dei por mim a pensar: "mas isto é tão bom! Como foi possível não ter percebido antes?". Li os quatro volumes a uma velocidade inesperada, tendo em conta que os horários da vida profissional dificilmente se conciliam com a leitura de livros muito longos, que têm de ser mesmo bons para se conseguir embarcar neles sem desvios, longas pausas ou mesmo desistências.
De facto, Guerra e Paz é mesmo uma obra-prima, amplamente merecedor de toda a fama que tem. Tolstoi mostra uma extraordinária capacidade de conciliar uma visão de conjunto inteligente e lúcida com uma minúcia e perspicácia na descrição (criação, uma vez que se trata de ficção) de sentimentos, situações, atitudes, que tornam as suas personagens, cenas e diálogos extremamente credíveis e reais - do género que nos faz pensar com surpresa e deleite "mas é mesmo assim!".
Um aspecto que admiro imenso em Tolstói é o seu conceito das causas dos acontecimentos históricos, a forma como ele analisa com lucidez e sensibilidade a complexa rede de causas e efeitos e a dependência das teorias do ponto do observador e do distanciamento no tempo, numa altura em que não se conheciam os conceitos de relatividade ou de efeito de borboleta nem as teorias do caos. A sua análise lógica leva-o a duas conclusões possíveis - a da falta de sentido de tudo, ou seja, a de que tudo é como é porque a sequência lógica dos acontecimentos desde sempre o determinou, ou a de que existe um sentido que está tão para além do nosso conhecimento que não fazemos a mínima ideia dele. Isto leva obviamente à noção da existência de um deus cujos desígnios desconhecemos, e é possível que ele acreditasse nisso, mas mais uma prova da sua honestidade intelectual é que nunca o afirma (o que de resto seria perfeitamente razoável num homem do século XIX), limitando-se a apresentar os seus raciocínios e a deixar a conclusão ao leitor - no meu caso, obviamente, opto pela primeira.
Para terminar, e já que tenho também falado dela, deixo a palavra a Virginia Woolf:
"Life dominates Tolstoy as the soul dominates Dostoevsky. There is always at the centre of all the brilliant and flashing petals of the flower this scorpion, 'Why live?' There is always at the centre of the book some Olenin, or Pierre, or Levin who gathers into himself all experience, turns the world round between his fingers, and never ceases to ask, even as he enjoys it, what is the meaning of it, and what should be our aims." (in The Common Reader)
Ou seja, no fundo, mais uma forma da eterna pergunta: o que fazemos nós aqui?
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