quinta-feira, junho 01, 2006

O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene

Vi ontem o clássico do expressionismo alemão O Gabinete de Dr. Caligari, em versão restaurada e com textos em inglês. É um filme excelente, só lamento não o ter visto num écran de cinema para apreciar melhor o ambiente.

É interessante como o filme, de 1919, conserva ainda hoje a qualidade intrínseca, como filme, não como obra documental ilustrativa de um determinado período, neste caso o expressionismo alemão. Mas de resto, é isso o que distingue uma obra de arte a sua intemporalidade - da mesma forma ouve-se com prazer uma peça de Bach ou admira-se um frecso de Masaccio, sem ser preciso pensar neles como, testemunhos do barroco ou do renascimento - embora, claro, a sua inserção numa época e numa cultura os enriqueça, no sentido de aumentar o prazer, as sensações e as ideias que nos despertam.

Caligari é um filme fantástico, um thriller perfeito e actual, que
até tem um twist no final. Os cenários são soberbos, e contribuem ainda mais do que as interpretações excelentes e a fotografia e a coloração - aprendi que os filmes mudos eram muitas vezes coloridos - para criar o ambiente do filme, de irrealidade onírica e macabra.

Há cerca de um ano, quando descobri o cinema mudo, escrevi um pouco sobre isso, na altura a propósito de Metropolis, de Fritz Lang. Até essa altura, sempre pensara no cinema mudo com alguma condescendência, como se se tratasse de uma forma algo rudimentar de uma arte que depois se aperfeiçoou e cujo interesse era meramente documental. Percebi depois que isso era uma ideia preconcebida incorrecta - aliás, o cinema dessa época foi feito por pessoas adultas e com tanta sensibilidade artística como em qualquer outra, apenas a tecnologia era mais limitada, e eles souberam utilizar os meios que tinham para criar uma forma de cinema que depois caiu em desuso por se dispor de novas técnicas, mas seria tão pouco acertado compará-lo depreciativamente com o cinema mais recente como comparar nesses termos a escultura grega clássica com as obras de Giacometti ou Brancusi.

Resta-me sentir-me mais uma vez grato a quem me proporcionou esta descoberta, e saborear os muitos e muitos filmes que ainda tenho para ver!


2 comentários:

Artur Neves disse...

Muito simpático, este post! Espero que tenhas a oportunidade um dia de rever o Caligari (e o Metropolis, e outros que hás-de ver pela primeira vez no pequeno écran) numa sala de cinema, muito provavelmente na Cinemateca do nosso amigo JBC. E que te possas também interessar pelos contemporâneos escandinavos, franceses, italianos (estes conheço pouco), russos (sobretudo Eisenstein), e americanos (sobretudo Griffith) do Robert Wiene (sim, só com um "n).

Chatwinesque disse...

Can't hardly wait! :))