domingo, março 21, 2010
The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, de Edward Gibbon
Terminei a leitura dese clássico de Gibbon com pena. Como outras longas obras que me dão especial prazer, gostaria que continuasse indefinidamente, pelo puro prazer da degustação da leitur. De facto, uma das maiores qualidades deste livro é a elegância da linguagem, que o torna uma verdadeira delícia de ler. Devorei a primeira parte rapidamente, até ao século VI, que é a mais interessante, depois deixei alongarem-se os mil anos até à tomada de Constantinopla pelos Turcos - de certa forma, um ritmo adequado à longa decadência do Império Bizantino. Este livro literalmente monumental - vários milhares de páginas - publicado entre 1776 e 1787 - nada perdeu da sua actualidade, e é simultaneamente um registo de uma certa forma de escrever própria do elegante século XVIII (outro magnífico testemunho desse estilo são as Memórias de Saint-Simon) e de uma forma de pensar radicalmente nova para a sua época, e por isso tão actual ainda hoje.
Como diz Italo Calvino no seu excelente ensaio Porquê Ler os Clássicos?, "A única razão que se pode aduzir é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos."
sábado, março 20, 2010
O resort
Nas minhas recentes férias na Bahia, fiquei pela primeira vez hospedado num resort de praia completo (já tinha ficado em vários hotéis de praia, com piscina e comodidades semelhantes, mas nunca num empreendimento com esta dimensão e tão... típico). Fora-me aconselhado por vários colegas e, embora o conceito não me atraísse particularmente, a relação qualidade / preço e a vantagem do regime "tudo incluido" para umas férias de aboboranço na praia (e tendo em conta que não desejava ter de ir muitas vezes à cidade) convenceram-me.
Não lamento a decisão: as ditas vantagens confirmaram-se, a praia era uma delícia, a comida muito boa, descansei imenso e aboborei qb, de modo que as férias corresponderam inteiramente ao que eu desejava. Mas, decididamente, este tipo de resort não é o meu alojamento ideal.
Para lá entrar, passava-se por três controlos, para afastar com segurança a pobreza da região, de modo que os nossos pertences ficavam perfeitamente resguardados, podendo os hóspedes esquecr os seus blackberries ou câmaras digitais nas espreguiçadeiras, que cedo lhes seriam entregues por um dos múltiplos empregados. Aliás, no check in era-nos aplicada uma pulseirinha de plástico que servia como livre-trânsito para utilizar as instalações, bares, etc. O complexo era de grandes dimensões, com centenas de quartos e os correspondentes ocupantes - muitos brasileiros, portugueses e italianos, a maioria com a sua próspera barriguita, e muitas criancinhas. Podia-se comer a qualquer hora, entre os vários restaurantes e cafetarias (todos com nomes de romances de Jorge Amado) - das 5 às 7, o café continental, das 7 às 11, o café buffet, das 11 às 13, o buffet de piscina, das 13 às 16, o almoço buffet, das 16 às 19, o lanche buffet, das 19 às 23, o jantar buffet, das 23 às 5, a ceia buffet... Além do bar molhado da piscina e do bar do lobby. Não vim mais gordo, porque o calor dos trópicos convidava a comer sobretudo saladas e fruta, e os doces de coco regionais são demasiado enjoativos, mas ainda comi saborosos pratos baianos como vatapá e xinxim de galinha, e os mojitos e as margaritas sabiam muito bem.
Mas o crème de la crème era a animação da piscina. A toda a hora havia uns frenéticos animadores, dando aulas de samba, de capoeira, de ritmo, de relaxamento, etc. Apesar da variedade dos temas, a actividade dos participantes era sempre muito parecida: de pé na piscina, braços erguidos ondulando de um lado para o outro. Já os animadores mexiam-se como se possuídos por um poltergeist - um negro pulava e saracoteava-se qual bicha louca como um boneco com molas nos pés, uma negra, a "Tia Tempestade", deixaria a Madonna verde de inveja; mas o máximo foi uma mulata de cabelo pintado de louro e calças negras artisticamente crivadas de buracos que deu uma aula de "relaxamento intensivo". Por entre música New Age (a eterna Enya) e frases omo "...porque o todo é o um, e o colectivo é o individual...", "agora formem um círculo... sempre de mãos dadas...", acabando por "abram os olhos, e vão ver um clarão, e voltarão a entrar no ventre materno"!!! Enfim, epifanias à parte, a zona da piscina era geralmente demasiado barulhenta para ler, embora a água fosse deliciosamente quente.
Resumindo, embora este tipo de resort não me atraia, aproveitei e diverti-me, como viajante optimista que sou (e não, não participei em nenhuma animação da piscina!).
Manuscrito Encontrado em Saragoça, de Jan Potocki
Um livro delicioso, que foi uma excelente descoberta. É uma espécie de Mil e Uma Noites gótico, com histórias dentro de histórias, aventuras rocambolescas e labirintos que se entrecruzam, desde as montanhas de Granada até ao Egipto de Cleópatra, mistérios, tesouros, odaliscas, enforcados e fantasmas, com o cuidado de tudo se desvendar no final. Decididamente, estes romancistas do início do século XIX teriam muito que ensinar aos escritores de pulp fiction histórica da actualidade (tipo Dan Brown)! Gostei imenso.
Mais entrevistas da Paris Review!
Depois de ler a colectânea recentemente publicada de entrevistas literárias da Paris Review, fui ao site da revista e tenho lido outras entrevistas; foi uma óptima descoberta! Nos últimos dias li as entrevistas a:
Lilian Hellman - Descobri Lilian Hellman há muitos anos, quando vi o filme Julia, de Fred Zinnemann, baseado num capítulo de um dos seus livros de memórias. Gostei muito do filme, de modo que encomendei o livro, Pentimento, a Book of Portraits, depois li várias peças e outros livros de memórias. Gosto bastante da sua escrita, do seu tom, e de algumas peças (sobretudo The Children's Hour e The Little Foxes; mais tarde vi o filme com a magnífica interpretação de Bette Davis, é muito bom). A entrevista confirmou a ideia que eu tinha dela - uma mulher determinada e opinionated, não muito simpática, que gostava de construir a sua imagem, da qual fazia parte a sua ligação com Dashiell Hammett, de quem fala inúmeras vezes. Mas gostei das suas declarações sobre o período de McCarthy, e acho que era uma boa escritora, e uma mulher "com coluna vertebral".
Henry Miller - Em miúdo, li Sexus às escondidas, pela curiosidade pelo título, que sugeria algo proibido, mas achei-o incrivelmente chato (ainda acho, aliás); só muito mais tarde tive vontade de voltar a ler Henry Miller, quando, apaixonado pelo Quarteto de Alexandria, descobri que ele fora amigo de Lawrence Durrell. Li primeiro a correspondência entre os dois, publicada em 1962, depois Trópico de Cancer, que é muito bom, e O Colosso de Maroussi, de que também gostei muito; achei Trópico de Capricórnio algo repetitivo e não voltei a ler nada dele. A entrevista mostra-o como o imagino - um homem com imensa vitalidade e determinação, algo irregular como escritor, mas com a qualidade da franqueza e um amor pela vida contagiante. Não é dos mes escritores favoritos, acho as suas ideias algo ingénuas e datadas, mas penso que vale a pena ser lido.
Dorothy Parker - O nome era-me familiar há muito; a sua pessoa começou a tomar forma quando li sobre ela em Pentimento, de Lilian Hellman; mais tarde li uma colectânea dos seus contos e poesia de que gostei imenso, e vi o filme Mrs. Parker and the Vicious Circle, onde é interpretada por Janet Jason-Leigh (excelente interpretação, num biopic simultaneamente melancólico e divertido, como ela própria era). Tem alguns contos excelentes, tal como alguns poemas, e inúmeras frases célebres que fizeram a sua reputação de wit (ou, como ela diz depeciativamente, de wisecrack). A entrevista revela uma mulher inteligente, mas imensamente amarga e desiludida com a vida. Achei curioso ela referir E.M. Forster como um dos seus escritores favoritos. Foi sem dúvida uma personalidade, muito representativa do seu tempo, corajosa e independente, mas que obviamente foi prejudicada pela sua depressão crónica. Qiçá teria sido mais feliz na era do Prozac.
Isak Dinesen / Karen Blixen - Como muita gente, conheci Karen Blixen devido ao filme Out of Africa. Li inicialmente os seus contos, de que gostei muito, depois as suas memórias de África, que achei excelentes, embora por vezes me irritasse o seu discurso aristocrático (como quando usava tantas vezes os pronomes possessivos, "os meus cães", "os meus kikuyus", "a minha quinta"). Foi o meu primeiro contacto com a literatura dinamarquesa (se exceptuar Andersen), e encantou-me o seu tom algo sombrio e misterioso, a forma como as suas histórias se desenrolam de forma tão perfeita e ao mesmo tempo imprevisível. A entrevista mostra-a como ela sempre se mostrou, aristocrática e algo distante, mas dotada de um inegável fascínio e de uma sensibilidade muito especial.
Simone de Beauvoir - Depois de ler as memórias, vários romances (os melhores são Os Mandarins e A Convidada), O Segundo Sexo e a correspondência com Sartre e outros, a entrevista de Simone deBeauvoir nada acrescenta ao conhecimento e à ideia que tenho dela. Sempre a admirei intensamente, desde que li, aos 17 anos, Memórias de uma Menina Bem Comportada, e continuo a admirá-la (tal como a Sartre), com todas as suas qualidades e imperfeições; foi alguém que viveu a sua vida plenamente e conscientemente, com uma curiosidade e atenção pelo mundo inesgotáveis e uma lucidez invejável.
Lilian Hellman - Descobri Lilian Hellman há muitos anos, quando vi o filme Julia, de Fred Zinnemann, baseado num capítulo de um dos seus livros de memórias. Gostei muito do filme, de modo que encomendei o livro, Pentimento, a Book of Portraits, depois li várias peças e outros livros de memórias. Gosto bastante da sua escrita, do seu tom, e de algumas peças (sobretudo The Children's Hour e The Little Foxes; mais tarde vi o filme com a magnífica interpretação de Bette Davis, é muito bom). A entrevista confirmou a ideia que eu tinha dela - uma mulher determinada e opinionated, não muito simpática, que gostava de construir a sua imagem, da qual fazia parte a sua ligação com Dashiell Hammett, de quem fala inúmeras vezes. Mas gostei das suas declarações sobre o período de McCarthy, e acho que era uma boa escritora, e uma mulher "com coluna vertebral".
Henry Miller - Em miúdo, li Sexus às escondidas, pela curiosidade pelo título, que sugeria algo proibido, mas achei-o incrivelmente chato (ainda acho, aliás); só muito mais tarde tive vontade de voltar a ler Henry Miller, quando, apaixonado pelo Quarteto de Alexandria, descobri que ele fora amigo de Lawrence Durrell. Li primeiro a correspondência entre os dois, publicada em 1962, depois Trópico de Cancer, que é muito bom, e O Colosso de Maroussi, de que também gostei muito; achei Trópico de Capricórnio algo repetitivo e não voltei a ler nada dele. A entrevista mostra-o como o imagino - um homem com imensa vitalidade e determinação, algo irregular como escritor, mas com a qualidade da franqueza e um amor pela vida contagiante. Não é dos mes escritores favoritos, acho as suas ideias algo ingénuas e datadas, mas penso que vale a pena ser lido.
Dorothy Parker - O nome era-me familiar há muito; a sua pessoa começou a tomar forma quando li sobre ela em Pentimento, de Lilian Hellman; mais tarde li uma colectânea dos seus contos e poesia de que gostei imenso, e vi o filme Mrs. Parker and the Vicious Circle, onde é interpretada por Janet Jason-Leigh (excelente interpretação, num biopic simultaneamente melancólico e divertido, como ela própria era). Tem alguns contos excelentes, tal como alguns poemas, e inúmeras frases célebres que fizeram a sua reputação de wit (ou, como ela diz depeciativamente, de wisecrack). A entrevista revela uma mulher inteligente, mas imensamente amarga e desiludida com a vida. Achei curioso ela referir E.M. Forster como um dos seus escritores favoritos. Foi sem dúvida uma personalidade, muito representativa do seu tempo, corajosa e independente, mas que obviamente foi prejudicada pela sua depressão crónica. Qiçá teria sido mais feliz na era do Prozac.
Isak Dinesen / Karen Blixen - Como muita gente, conheci Karen Blixen devido ao filme Out of Africa. Li inicialmente os seus contos, de que gostei muito, depois as suas memórias de África, que achei excelentes, embora por vezes me irritasse o seu discurso aristocrático (como quando usava tantas vezes os pronomes possessivos, "os meus cães", "os meus kikuyus", "a minha quinta"). Foi o meu primeiro contacto com a literatura dinamarquesa (se exceptuar Andersen), e encantou-me o seu tom algo sombrio e misterioso, a forma como as suas histórias se desenrolam de forma tão perfeita e ao mesmo tempo imprevisível. A entrevista mostra-a como ela sempre se mostrou, aristocrática e algo distante, mas dotada de um inegável fascínio e de uma sensibilidade muito especial.
Simone de Beauvoir - Depois de ler as memórias, vários romances (os melhores são Os Mandarins e A Convidada), O Segundo Sexo e a correspondência com Sartre e outros, a entrevista de Simone deBeauvoir nada acrescenta ao conhecimento e à ideia que tenho dela. Sempre a admirei intensamente, desde que li, aos 17 anos, Memórias de uma Menina Bem Comportada, e continuo a admirá-la (tal como a Sartre), com todas as suas qualidades e imperfeições; foi alguém que viveu a sua vida plenamente e conscientemente, com uma curiosidade e atenção pelo mundo inesgotáveis e uma lucidez invejável.
quinta-feira, março 18, 2010
Férias na Bahia
Este ano fui novamente para a praia no Brasil, desta vez para Guarajuba, perto da Praia do Forte, na Bahia. Não sou um grande adepto de praia, mas adoro o mar de água quente, pelo que vale a pena fazer a longa viagem até aos trópicos; não sou da mesma forma um grande admirador do Brasil, mas é o destino de praia tropical mais acessível (voos directos), de modo que, depois de Pipa há um ano, fui novamente para o Brsail.
Mais uma vez, cumpriu as minhas expectativas - água deliciosamente quente, permitindo ficar literalmente horas no mar, de onde passava para a piscina do hotel, boa comida, descanso, alguma leitura, a doce sonolência do calor dos trópicos... Foram umas excelentes férias, em boa companhia, e quando regressei sentia-me verdadeiramente regenerado. Sabe imensamente bem sair do Inverno por uns dias!
São Salvador da Bahia era uma das poucas cidades brasileiras que tinha curiosidade em conhecer. O sítio é belíssimo, sobre a Baía de Todos-os-Santos, e o centro histórico muito interessante, com a arquitectura portuguesa do século XVIII nos trópicos, o Farol da Barra, a igreja de S. Francisco, que me surpreendeu pelo esplêndido interior barroco. Mas a pobreza deprimiu-me - é impossível abstrair dos pedintes, das favelas (só no Bairro da Liberdade, visível sobre os montes, moram cerca de 500 000 pessoas), do cheiro a falta de higiene no centro, do aspecto degradado dos edifícios, dos "ilhéus" dos condomínios dos ricos. As ruas à volta do Pelourinho, assim que terminavam as lojas de souvenirs, lembraram-me o cabo Verde da minha infância, com fachadas coloridas e descascadas de lojas a vender artigos de má qualidade. Para chegar ao hotel onde fiquei, passava-se por 3 controles; nunca estive em Israel, masdeve ter-se uma sensação semelhante. E as igrejas evangélicas omnipresentes, como a IURD e semelhantes; contemplando a vista de um ponto alto no centro histórico ouvi uma "missa" em megafones com um pastor desvairado a gritar: "Sai! Sai!", suponho que "exorcizando" algum demónio.
Decididamente, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer na luta contra a desigualdade social.
segunda-feira, março 08, 2010
Entrevistas da Paris Review - selecção e tradução de Carlos Vaz Marques
Uma colectâea de entrevistas muito interessantes; é fascinante ler sobre as opiniões e métodos de trabalho de escritores que admiramos expostas por eles próprios. E os escritores cujas entrevistas foram seleccionadas - com excepção de Saul Bellow, de quem nunca li nada, e de Graham Greene, de quem li alguns livros mas que não me impressionaram especialmente; quanto a Boris Pasternak, conheço-o pouco, apenas li Doutor Jivago há muitos anos e lembro-me mal, mas fiquei com vontade de o reler, parece-me aliás que a sua obra principal é poética - são todos autores de obras que li e que aprecio, em diferentes graus, é certo, mas o suficiente para me despertar a curiosidade e o interesse de ler o que têm a dizer.
Abordando os restantes autores: gosto muito dos livros de E.M. Forster, cujas declarações sobre como imagina os livros antes de os escrever achei interssantes. A entrevista de William Faulkner é belíssima, como a sua escrita e os seus livros. A de Ernest Hemingway surpreendeu-me agradavelmente, já que é um autor com o qual a minha relação tem variado ao longo dos anos e conforme os livros - gostei imenso de Fiesta, Por Quem os Sinos Dobram e O Jardim do Paraíso; Across the River and into the Trees aborreeu-me profundamente e não empatizei nada com O Velho e o Mar, além de não apreciar aquilo que conhecia da personalidade do escritor. Mas gostei da entrevista, mesmo transmitindo um grande desejo e controlar a sua imagem sem parecer fazê-lo; mas tem frases como: "Leia aquilo que escrevo pelo prazer de o ler. Tudo o que lá encontrar corresponderá àquilo que você mesmo levou consigo para a leitura."
Truman Capote é sempre um conversador delicioso, e é engraçado ler a sua entrevista anterior à escrita de In Cold Blood, particularmente porque li recentemente uma colectânea dos seus contos. Mesmo que por vezes se torne um pouc irritante, escrevia sempre muito bem, e esta entrevista é um bom momento.
Lawrence Durrell é um dos meus escritores favoritos (embora sejam tantos que seja difícil fazer uma lista...) A sua entrevista está plena da vitalidade e do amor pela vida e pela escrita que enchem os seus livros, e é feta no seu momento áureo, na altura da publicação do final do Quarteto de Alexandria.
A de Jorge Luis Borges é excelente, graças à qualidade e interesse de tudo o que ele diz. Sempre o achei um escritor fascinante, e revela nas suas declarações uma personalidade não menos interessnate que a sua escrita.
Quanto a Jack Krouac, cuja entrevista termina o livro, foi um escritor que me fascinou quando adolescente (li Pela Estrada Fora aos 15 anos de um fôlego, e adorei), e que depois me desiludiu pela sua evolção (ou involução...), mas a entrevista é uma excelente peça de época, bem ilustrativa dos delírios anfetamínicos em que a escrita beatnick terminou.
No conjunto, o livro lê-se deliciosamente, e vem reforçar aquilo que eu penso em relação à actividade literária - e artística em geral: os escritores criam a sua obra com base na sua experiência e sensibilidade, e aquilo que lemos toca-nos mais ou menos e tem um significado consoante a nossa experiência e sensibilidade enquanto leitores - toda a verdadeira arte tem a ver com essa interacção emissor / receptor e deixa de pertencer exclusivamente ao artista a partir do momento em que é produzida / exposta.
Abordando os restantes autores: gosto muito dos livros de E.M. Forster, cujas declarações sobre como imagina os livros antes de os escrever achei interssantes. A entrevista de William Faulkner é belíssima, como a sua escrita e os seus livros. A de Ernest Hemingway surpreendeu-me agradavelmente, já que é um autor com o qual a minha relação tem variado ao longo dos anos e conforme os livros - gostei imenso de Fiesta, Por Quem os Sinos Dobram e O Jardim do Paraíso; Across the River and into the Trees aborreeu-me profundamente e não empatizei nada com O Velho e o Mar, além de não apreciar aquilo que conhecia da personalidade do escritor. Mas gostei da entrevista, mesmo transmitindo um grande desejo e controlar a sua imagem sem parecer fazê-lo; mas tem frases como: "Leia aquilo que escrevo pelo prazer de o ler. Tudo o que lá encontrar corresponderá àquilo que você mesmo levou consigo para a leitura."
Truman Capote é sempre um conversador delicioso, e é engraçado ler a sua entrevista anterior à escrita de In Cold Blood, particularmente porque li recentemente uma colectânea dos seus contos. Mesmo que por vezes se torne um pouc irritante, escrevia sempre muito bem, e esta entrevista é um bom momento.
Lawrence Durrell é um dos meus escritores favoritos (embora sejam tantos que seja difícil fazer uma lista...) A sua entrevista está plena da vitalidade e do amor pela vida e pela escrita que enchem os seus livros, e é feta no seu momento áureo, na altura da publicação do final do Quarteto de Alexandria.
A de Jorge Luis Borges é excelente, graças à qualidade e interesse de tudo o que ele diz. Sempre o achei um escritor fascinante, e revela nas suas declarações uma personalidade não menos interessnate que a sua escrita.
Quanto a Jack Krouac, cuja entrevista termina o livro, foi um escritor que me fascinou quando adolescente (li Pela Estrada Fora aos 15 anos de um fôlego, e adorei), e que depois me desiludiu pela sua evolção (ou involução...), mas a entrevista é uma excelente peça de época, bem ilustrativa dos delírios anfetamínicos em que a escrita beatnick terminou.
No conjunto, o livro lê-se deliciosamente, e vem reforçar aquilo que eu penso em relação à actividade literária - e artística em geral: os escritores criam a sua obra com base na sua experiência e sensibilidade, e aquilo que lemos toca-nos mais ou menos e tem um significado consoante a nossa experiência e sensibilidade enquanto leitores - toda a verdadeira arte tem a ver com essa interacção emissor / receptor e deixa de pertencer exclusivamente ao artista a partir do momento em que é produzida / exposta.
domingo, março 07, 2010
District 9, de Neill Blomkamp
sábado, março 06, 2010
Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton
Um bom filme, como seria de esperar de Tim Burton, mas em que a estética do realizador se sobrepõe à história - aliás, não é uma adaptação da história de Alice in Wonderland nem de Through the Looking Glass, de Lewis Carroll, mas uma fantasia baseada no mundo e nas personagens do livro, e muito mais pobre que qualquer das duas histórias. Burton pegou no tema e fez um filme com a sua estética característica, exuberante e gótica, como trataria outra história qualquer. Talvez por ser um grande apreciador dos livros, acho esta abordagem um tanto fácil e auto-indulgente... De qualquer forma, o filme vale pelas imagens e é uma boa peça de entertainment, mas está muito longe (abaixo, quero dizer) do material que o inspirou, de outros filmes de Tim Burton, e de outros trabalhos de Johnny Depp ou Helena Bonham Carter.
quinta-feira, março 04, 2010
O Tigre Branco, de Aravind Adiga
Muito bom, este livro. Escrito com um humor negro e corrosivo, explica melhor o actual estado da Índia e as particularidades do seu desenvolvimento, da sua democracia e problemas sociais do que muitos artigos e reportagens - aliás, sempre achei que a (boa) literatura nos ajuda a compreender o mundo de uma forma abrangente sem ser didáctica. Obviamente, podem-se criticar muitos aspectos, principalmente o discurso do narrador, seguramente impossível numa pessoa com o background que lhe é atribuído pelo autor, mas penso que o importante é a forma como nos transmite a imagem vívida de todo um quadro social. Extremamente bem escrito, impressiona, diverte e revolta-nos ao longo da leitura. Tinham-mo aconselhado há já bastante tempo, e estou satisfeito por finalmente ter seguido o conselho de o ler. Passo a palavra, e aconselho-o vivamente.
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