quinta-feira, junho 19, 2008

O prazer de ler Saint-Simon


A leitura das longas Memórias do duque de Saint-Simon continua a ser um enorme prazer. A escrita é deliciosa, combinando uma extrema elegância e correcção com uma abundância de expressões arcaicas e um fino sentido de humor. As suas descrições e análises dos caracteres e das situações são sempre interessantes e perspicazes, mesmo que muitas vezes muito parciais e temperadas pelos seus preconceitos de classe; é uma testemunha inigualável de uma época e de um meio, os seus retratos tornam-nos vivas e reais todas aquelas pessoas, nas suas grandezas e mesquinharias, nas ambições e fraquezas. E mostram bem como a natureza humana era exactamente o que é hoje. A tudo isso junta um sentido do dramático que muitos novelistas invejariam, bem patente nas passagens que li recentemente sobre a morte de Monseigneur (o Grande Delfim, filho de Luís XIV): o fim das cabalas que o rodeavam, o despontar das esperanças em volta do novo Delfim e da Delfina (uma espécie de Lady Di do século XVIII), a análise das reacções dos vários partidos; tanto mais pungente porque sabemos que este casal vai desaparecer também um ano depois. As descrições da noite que segue a morte de Monseigneur são geniais, desses momentos que ele aproveita para pôr a nu as emoções das personagens, quando ainda não tiveram tempo de se controlar e afivelar a máscara que lhes interessa, e realçando alguns toques que hoje chamaríamos surreais, como o aparecimento de Madame em grand habit de cour no meio de uma multidão de mulheres descompostas surpreendidas pelos acontecimentos a meio da noite (outra cena surreal é a descrição da viagem nocturna da princesa dos Ursinos pelas planícies geladas de Espanha quando foi expulsa por Isabel Farnese).

Para terminar, cito de uma carta de Lytton Strachey a Virginia Woolf, de Novembro de 1908: "[...] but Saint-Simon supports me, wonderful as ever. [...] I don't know what I shall do when I come to the end - but that's still 15 1/2 volumes off. And I suppose one can always begin again."

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