Depois de ler recentemente a correspondência de Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen fiquei com vontade de conhecer melhor a obra de Jorge de Sena. Conheço alguma da sua poesia, de que gosto moderadamente - acho muitos dos poemas demasiado palavrosos, mas os não muito grandes acho muito bons. E descobri por acaso que tinha na estante O Reino da Estupidez, herdado no espólio de um avô anarquista e que não me lembrava nada de ter.
Não gostei muito do livro - uma colecção de ensaios, como de esperar pelo nome, muito maldizentes de Portugal e dos seus "intelectuais". O tom, tal como nas cartas a Sophia, é sempre amargo, desencantado, mordaz, de uma ironia triste e depressiva - que belo precursor de Vasco Pulido Valente! E apesar de no geral ter razão, preferiria um tom que sendo sarcástico e corrosivo - o que aprecio - fosse menos pomposo e arrogante. Sobretudo os primeiros ensaios (cronologicamente) são muito extensos e maçadores - um crime em Literatura. Mas os da última fase estão muito bem escritos e como tal atingem muito melhor o alvo.
Continuo a querer ler mais da prosa de Sena, que continuo a admirar - a poesia, e bastariam as traduções de Emily Dickinson e de Cavafy para o colocar muito alto na minha consideração. E acho que, se houvesse um prémio para os detractores inteligentes de Portugal, ganharia a medalha de prata ( a de ouro teria de ser para o Eça, pela elegância, humor e acutilância), com o poema A Portugal, impressionante de tão violento:
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. ƒÉs cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.
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