sábado, janeiro 23, 2010
O Laço Branco (Das weisse Band), de Michael Haneker
Gostei muito deste filme, muito belo e bastante perturbador, de uma forma subtil e insidiosa como um veneno de actuação lenta.
Esteticamente é belíssimo, muito bem filmado, com uma fotografia a preto e branco espantosa, interpretações fabulosas, cenários tão bem recriados que me senti regressar à velha casa dos meus avós; de uma austeridade e contenção essenciais para o impacto emocional da história - o ambiente criado no filme é genial, desde os rostos assustadoramente angelicais das crianças, cuja expressão me lembrou The Village of the Damned até às cenas idílicas da corte feita pelo professor à rapariga.
Quanto a esta, suponho que o comentário inicial do narrador (sobre os acontecimentos narrados poderem explicar em parte o que mais tarde se passou no país) sugere que a tese do filme é explicar as origens do fascismo / nazismo num ambiente de moral restritiva e castrante que cria nos elementos mais indefesos / impotentes (representados pelas crianças) o hábito / necessidade de se vingarem infligindo sofrimento aos mais fracos (a criança do solar, o deficiente) ou de forma dissimulada (a corda esticada, o pássaro assassinado, o incêndio no celeiro). Mas será assim tã linear? A moral protestante era igualmente repressiva e austera noutros países - nos escandinavos, por exemplo - e a moral católica, mais permissiva é certo, mas muito mais hipócrita, reinava com igual vigor nos países do sul da Europa, e em lado nenhum se chegou aos excessos do nazismo. Descarto igualmente a hipótese simplista do nazismo ser a consequência de uma geração particularmente perversa de pessoas (as crianças do filme) no poder. Assim, pondo de lado a explicação alegórica sugerida pelo próprio realizador (e que pode ser a sua), o que fica é o desconforto e a angústia da existência do Mal, o Mal com letra maiúscula, em estado bruto e inexplicável, mas que existe eternamente nas sociedades humanas e que circunstâncias particulares (neste caso, a austeridade moral e clima repressivo) fazem florescer e manifestar-se. Aliás, a mesma impressão fica de outro filme bastante mais fraco mas também interessante do mesmo realizador, Funny Games (só vi a versão americana). É uma questão fundamental e angustiante, porque nos lembra como a existência do Mal é inerente à nossa espécie / sociedade, e não conseguimos perceber porquê. E o filme tem o mérito ainda de intercalar a exposição desse Mal com o que há de bom em nós: o namoro do professor, as cenas do filho do pastor que trata do pássaro ou do filho do médico com a irmã, a revolta honestamente assumida do filho da camponesa morta.
Um filme de facto excelente, que nos impressiona emocionalmente e cujas múltiplas leituras possíveis nos fazem pensar.
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