segunda-feira, novembro 06, 2006
Memórias
Last night I dreamed I was in Manderlay again...
voz de Joan Fontaine na abertura de Rebecca
Fez-me pensar nisto um post que li recentemente num blog, que era uma evocação idílica de cenas de infância. Porque ao ler sobre aquelas cenas de uma infância que também foi a minha, revi as minhas próprias recordações das mesmas, e de outras, e pensei que se eu escrevesse daquela forma terna e nostálgica, de alguma forma sentiria a minha voz soar ligeiremente a falso. Não que não guarde boas recordações da infância, nomeadamente daquelas cenas em casa dos meus avós. Mas não consigo evocá-las sem de imediato lembrar outras partes, aquilo que falta na descrição - os conflitos, as infelicidades, as tempestades permanentes, mesmo aquelas de que só me fui apercebendo mais tarde, mas que ficaram irrevogavelmente inseridas no conjunto. E quando hoje revejo a minha infância, não sou capaz de evocar aquela idílica Arcádia habitualmente associada a essa época das nossas vidas, mas um período longo e algo acidentado em que a sensação dominante que recordo era a de me sentir incompleto. O mundo que me rodeava, nomeadamente e sobretudo (porque constituiam a maior parte dele) as relações familiares, parecia-me opressivo e algo que eu desejava superar; queria crescer e as incertezas do futuro, ou provavelmente da minha capacidade para construir esse futuro, assustavam-me.
Toda a memória é uma reconstrução mental e por isso suponho que temperada pelo nosso carácter e pelo nosso perfil emocional. Talvez por eu ser depressivo / ansioso não consiga evocar o passado da mesma forma romântica e idealizada que outras pessoas. Mas a verdade é que não consegui evitar, ao ler esse post, uma sensação algo condescendente de como tudo aquilo me parecia... simplório (haverá talvez outra palavra melhor para exprimir a ideia. Parochial?) Em todo o caso, acho que não foi mau que Manderlay tenha ardido.
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