terça-feira, outubro 12, 2010

Intenção de Greve




Nunca aderi a nenhuma das muitas greves de médicos que tiveram lugar ao longo dos anos desde que comecei a trabalhar (isoladas ou integradas em greves de outros trabalhadores, como funcionários públicos). Não porque ache que os médicos não têm o direito de fazer greve, mas porque, dadas as características particulares do nosso trabalho – nomeadamente a forma como afecta o bem estar imediato das pessoas e o impacto emocional, e os custos humanos para os doentes e para nós de o adiar – sempre pensei que deve ser um recurso a utilizar o menos possível. E até agora, sempre achei os motivos invocados para as diversas greves insuficientes para as justificar.

Desta vez, no entanto, tenciono aderir à greve geral de 24 de Novembro. Por dois motivos:

Primeiro, porque novamente vão ser preferencialmente afectados os funcionários públicos, passando mais uma vez a mensagem de que são uns parasitas e ineficazes, quando o motivo porque se vai buscar aí o dinheiro e não aos bancos e à evasão fiscal é por ser muito mais fácil. No caso particular dos funcionários públicos médicos como eu, estas medidas vêm reforçar a já caricata situação em que nos encontramos: há vários anos que os quadros estão fechados, mas como continuam a ser precisos médicos para o SNS funcionar, estes vão sendo admitidos com contratos individuais de trabalho. Tecnicamente, não pertencem à Função Pública, apesar de trabalharem para o Estado. Na prática, são admitidos a ganhar mais do que as pessoas do quadro, que são mais antigas na instituição e geralmente seus superiores hierárquicos, e o ordenado pode variar significativamente entre pessoas com a mesma diferenciação e qualidade técnica, já que é ditado pela necessidade da instituição empregadora no momento do contrato e pela habilidade negocial do contratado. Quando os cortes dos vencimentos tiverem lugar, estes “não funcionários públicos” não serão afectados, o que ainda vai aumentar mais a desvantagem salarial dos médicos funcionários públicos. A consequência será provavelmente nova debandada dos médicos mais diferenciados e qualificados do SNS, que serão substituídos por novos “não funcionários públicos” de qualidade inferior e que irão ganhar mais do que os que saíram.

Segundo, porque estas medidas, mais uma vez, não vão resultar, e estou saturado dos dogmas que os governos ocidentais nos últimos anos nos têm incessantemente pregado, aplicando-os em nome “dos mercados”, essa nova religião, provocando uma espiral descendente que só favorece os bancos e os especuladores. Até eu, que percebo muito pouco de Economia, já percebi que estas medidas vão apenas piorar o nosso nível de vida para dentro de um ano “os mercados” novamente dizerem que Portugal apresenta poucas perspectivas de crescimento e tudo se repetir, como está a acontecer em outros países. Por isso acho que temos de nos opor a esta atitude persistente de autismo político, a esta religião saloia que está a destruir activamente o modo de vida que permitiu o período de maior e mais prolongado bem-estar que a Europa conheceu.

Sem comentários: