quarta-feira, maio 19, 2010

Uma história portuguesa

Actualmente, graças aos grandes avanços tecnológicos das últimas décadas, existem múltiplos aparelhos utilizados no tratamento e prolongamento da vida dos doentes – ventiladores, monitores, desfibrilhadores, máquinas de diálise, pacemakers, etc, etc. O manuseio desta tecnologia exige conhecimentos específicos, e não só os médicos se especializam cada vez mais como também os enfermeiros precisam de formação específica para trabalhar em unidades especializadas, sejam de Cuidados Intensivos, Neurocirurgia, Hemodiálise, Obstetrícia, etc.

Sabendo isto, consideremos agora que existe uma máquina que permite realizar uma técnica que é indispensável para os cuidados médicos em certas circunstâncias. Chamemos-lhe uma máquina de fazer laranjada, indispensável nas ocasiões em que um doente não pode sobreviver sem ela, em que nem sequer limonada serve. Num certo hospital central, essa máquina foi adquirida pelo serviço que habitualmente confecciona os sumos necessários à sobrevivência dos doentes, embora os que estejam na condição crítica em que precisam da laranjada estejam, dado o seu estado de gravidade, internados em unidades de outros serviços, dedicados especialmente aos cuidados críticos / intensivos. Os médicos e enfermeiros do serviço “dono” da máquina deslocam-se com ela quando necessário às unidades de doentes críticos, programam a máquina e deixam-na a fazer laranjada continuamente, aos cuidados dos enfermeiros dessas unidades, e assim se salvam vidas.

Tudo muito simples e linear… se não estivéssemos em Portugal. Neste hospital de que falo, há um problema que persiste e que tem complicado muito as coisas – nomeadamente a minha actividade de modesto médico prescritor de laranjada. É que, se em várias unidades o processo tem decorrido sem problemas – os enfermeiros locais dispuseram-se a aprender o fabrico da laranjada, que aliás não é nada complicado – noutras, e por azar aquelas em que mais frequentemente os doentes precisam do precioso suco, os enfermeiros recusam-se a realizar a técnica, alegando falta de pessoal e de formação. Ao longo do tempo, várias vezes foi proposto pelo serviço “dono” da máquina fornecer a formação necessária – que é bem simples, pois fazer a laranjada é bem mais fácil do que operar muitas das outras máquinas já utilizadas nessas unidades, como os ventiladores – mas os chefes de enfermagem dessas unidades sempre se têm escusado, alegando vários pretextos – obras, a gripe A, etc… Entretanto, e para não deixar morrer os doentes que dela precisam por falta de laranjada, os enfermeiros do serviço “dono” da máquina têm-se disponibilizado para ficar nas unidades longas horas a vigiar o fabrico do sumo, o que está fora das suas obrigações.

Cartas e mails têm sido trocadas entre os directores dos vários serviços e a direcção clínica do hospital, mas até agora nada se resolveu, e de cada vez que algum doente nessas unidades “problemáticas” precisa de laranjada, lá volta a mesma eterna discussão.

E agora vem o pequeno pormenor que me levou a publicar este post. Há quanto tempo este problema dura? Dois meses? Seis? Um ano? Errado! Desde Setembro de 2002! Exactamente: mais de 7 anos e meio, e as perspectivas de solução permanecem exactamente as mesmas.

Acho que esta situação é um excelente exemplo de como as coisas (não) funcionam em Portugal. Alguém falou em produtividade? Pois.

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