Ultimamente tem-se falado muito da assistência religiosa nos hospitais, e hoje saiu uma extensa peça sobre o assunto no Público. Uma vez que também eu trabalho num hospital, tive vontade de acrescentar a minha opinião, embora geralmente evite falar das questões de que toda a gente fala ao mesmo tempo - sempre me irritaram estas ondas passageiras desencadeadas por uma ou duas pedradas, em que as pessoas do costume dão as opiniões que delas se espera e depois fica tudo mais ou menos na mesma. Desta vez, o que me levou a manifestar-me é a imensa hipocrisia que rodeia a questão. É ver "autoridades" do campo da Igreja, da Medicina, do Governo, etc, a falarem da enorme importância do apoio espiritual aos doentes e do papel das confissões religiosas.
Ora a minha experiência pessoal, que já vai em quase 20 anos, passnado por vários dos principais hospitais da Grande Lisboa, tem-me mostrado uma realidade bem diferente. Em todos estes anos de prática clínica, que incluiu a assistência a centenas de doentes crónicos, na maioria idosos, e infelizmente dezenas de moribundos, não me lembro de uma única vez (uma única) em que algum deles manifestasse o desejo de assistência espiritual ou conforto religioso. Os únicos casos em que contactei com membros de alguma confissão religiosa a aparecerem foram as Testemunhas de Jeová, por diversas vezes, mas sempre nao solicitados (excepto num caso, em que foram chamados pela mãe de um doente menor), e sempre para lembrar que os doentes em causa não podiam receber transfusões de sangue e não para lhes prestar apoio espiritual. Nos meus primeiros anos de prática ainda vi por vezes os capelães de dois hospitais passarem pela enfermaria perguntando aos enfermeiros-chefes se alguém precisava deles, mas foi tudo.
Isto não quer obviamente dizer que os doentes hospitalizados se sintam felizes e confiantes, muito pelo contrário. Mas o que eles pedem é a presença e companhia das famílias e dos amigos, muito limitadas pelas escassas horas de visita, e atenção do pessoal de saúde. Nos serviços em que trabalho actualmente há o cuidado de facilitar ao máximo o acesso aos familiares, sobretudo dos doentes mais graves e moribundos, nomeadamente tentando que não morram abandonados. Penso que seria muito mais importante e útil para os doentes, e isso seria ir verdadeiramente ao encontro das suas necessidades e desejos, investir nesse aspecto, em vez de pagar a capelães católicos ou de outra confissão, o que acho completamente errado. Obviamente, se alguém mostrar vontade de receber apoio espitual / religioso, seja qual for a confissão, deve-lhe ser facultado o acesso do ministro da religião correspondente, mas o pagamento deste e a organização desse apoio deve ser da exclusiva responsabilidade da igreja em causa. O papel do hospital deve ser apenas o de permitir e facilitar o acesso, uma vez que se o doente exprime essa necessidade a sua satisfação é seguramente importante para ele. Mas uma vez mais afirmo que seria muito mais importante facilitar e alargar o tempo de acesso às famílias - só que essas não têm bispos nem fazem notícia.
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