sexta-feira, agosto 27, 2010
100 Cidades de Todo o Mundo Contra a Lapidação
Amanhã vai ter lugar a iniciativa 100 Cities Around the World Against Stoning, um protesto organizado pela sociedade civil contra a lapidação no Irão de uma mulher de 43 anos, Sakineh Ashtiani, condenada pelo crime de adultério. A causa é meritória; a pena de morte é quanto a mim errada em qualquer circunstância, e neste caso ainda agravada pelo método bárbaro que, não só provoca sofrimento prolongado e gratuito, como sobretudo representa a defesa de um regresso ao passado no que ele tem de pior - práticas bárbaras implementadas para fortalecer um regime politico-religioso obscurantista e belicoso.
Nunca fui o género de pessoa de participar em manifestações ou protestos públicos, por inércia, por feitio... Acho no entanto importantes estas iniociativas da sociedade civil e acredito que têm resultados mais cedo ou mais tarde, por chamarem a atenção para este tipo de situações e criarem um clima de pressão internacional que já tem sido útil em muitos casos semelhantes. Desta vez estou particularmente envolvido porque a participação portuguesa se deve a uma iniciativa de um grande amigo meu, que organizou tudo com a colaboração de contactos/amigos da sua rede de facebook (com especial ajuda dos elementos do blog jugular), de modo que tenho assistido de perto a todo o processo.
E hoje fiquei verdadeiramente estarrecido com os comentários de leitores à notícia sobre o evento no site da TSF. O meu amigo já me tinha mostrado comentários e mails recebidos na página do grupo da organização do protesto no facebook e no blog jugular, em que os organizadores eram acusados desde de terem intenções políticas ocultas a serem ferozes sionistas. E no site da TSF podem ler-se comentários como estas pérolas:
"Cada País tem a sua cultura, as suas regras e as suas leis. Esta senhora ao cometer este crime já sabia de antemão o que a esperava. Condeno sim a intromissão nos assuntos internos do Irão."
"Já visitei o Irão e posso-vos dizer que é um país maravilhoso. Estas leis podem parecer bárbaras no Ocidente mas por lá resultam e mantém a dignidade e disciplina."
"Vergonha é o mundo Ocidental Capitalista querer impor os seus modos de vida priviligiando a traição, vaidade e arrogância. Deixem o Irão em paz...depois queixem-se..."
Há mais, mas para exemplo chega. Perplexo, interrogo-me: mas será que estas pessoas acreditam realmente no que dizem? Concordarão com a lapidação? Com o direito de praticar a barbárie "porque é a cultura deles"? É indiferença? Relativismo cultural e political correctness levados às últimas consequências? Não me custaria a perceber que não se envolvessem no assunto e que este lhes fosse indiferente, mas manifestarem-se a favor da lapidação?
Outra crítica frequente é a de que há muitos casos de atentados aos direitos humanos, que este é só mais um e porque não se manifestam contra os outros. Este tipo de crítica sempre me irritou - pois, há muitos outros casos, mas isso em nada diminui este, e cada caso serve como alerta e precedente para outros, e se Sakineh é só mais uma das vítimas da barbárie, se o protesto internacional servir para ajudar a salvá-la, isso será um passo em frente que ajudará os próximos casos. E de qualquer forma, não se está a falar dos outros casos, mas deste, e em que é que a existência dos outros desculpa este?
Enfim, com tudo isto, o resultado foi ficar convencido a, ao contrário do que é o meu hábito e a minha tendência, ir ao Largo Camões amanhã às 18:00. Ao fim e ao cabo, é o mínimo que posso fazer, não só pela infeliz Sakineh e outras como ela, mas para apoiar o meu amigo e os outros que desinteressadamente dedicam o seu tempo e esforços para tentar melhorar um pouco o mundo e ainda têm que ouvir semelhantes atoardas.
(O cartaz de Ana Vidigal está belíssimo.)
quarta-feira, agosto 25, 2010
Contos Completos II, de John Cheever
Há muito tempo que tinha curiosidade de ler alguma coisa de John Cheever; escolhi o segundo volume dos Contos Completos porque estava em exposição na fnac e dizia incluir um dos seus melhores contos, O Nadador. Foi uma agradável surpresa. Cheever escreve muito bem, e consegue em contos de poucas páginas criar um ambiente e transmitir um clima emocional verdadeiro que nos toca. Não é tão bom como Raymond Carver, que é para mim o melhor escritor de contos americano, mas é muito bom e vale a pena ler.
segunda-feira, agosto 23, 2010
Viagem aos Açores
Em Julho, voltei aos Açores, 14 anos depois da minha primeira estadia nas ilhas. Estive no Faial, no Pico e em São Miguel. Não conhecia a ilha do Pico: muito sossegada, vi as famosas vinhas do Pico e pouco do interior devido ao nevoeiro. Gostei de rever o Faial, cujo interior estava igualmente muito nublado, pelo que não consegui rever a caldeira, mas a costa estava desencoberta, de modo que demos a volta à ilha, vimos os Capelinhos, tomámos banho na Praia do Almoxarife, e bebi novamente os famosos gins tónicos do Peter's Café.
Em São Miguel tivemos sorte com o tempo, quase sempre muito bonito e soalheiro. Nunca tinah visto as Sete Cidades tão luminosas, o vale das Furnas estendia-se brilhante ao sol visto do miradouro do Salto do Cavalo, e apenas sobre a Lagoa do Fogo algumas névoas aumentavam o aspecto agreste e poético daquela que é para mim a mais bela paisagem dos Açores. Achei Ponta Delgada muito mais movimentada do que há 14 anos, e a costa sul com muito mais construção e trânsito.
Foram uns dias calmos, entre paisagens, banhos de mar descendo das rochas para a água azul do Atlântico, banhos nas águas quentes e ferruginosas das Furnas, banhos nas praias de areia preta, refeições abundantes com as várias iguarias açoreanas - o cozido das Furnas, morcela com ananás, alcatra, polvo grelhado, lapas grelhadas, queijadas de Vila Franca do Campo e da Graciosa, bolos lêvedos, queijo de São Jorge, vinhos do Pico.
E, last but not least, foi óptimo ter escapado aos dias da onda de calor de Julho.
domingo, agosto 01, 2010
Lucien Leuwen, de Stendhal
Este é um daqueles livros que esteve muitos anos na minha lista de "livros para ler um dia", desde que li O Vermelho e o Negro e A Cartuxa de Parma, dos quais gostei imenso, principalmente do segundo. Li-o finalmente, depois de comprar um exemplar por 2 euros em Paris, numa banca da Rive Droite.
É um livro estupendo, e fica-se com pena de estar inacabado e dos inevitáveis defeitos que apresenta por não ter sido completado nem revisto pelo autor - algumas passagens repetitivas, alguns detalhes da intriga claramente por aperfeiçoar (como a apressada morte de M. Leuwen, a ausência de Lucien no final, e sobretudo o final da primeira parte, que me fez momentaneamente irritar com o livro, pela sua evidente inverosimilhança, mas a segunda parte é tão boa que rapidamente me reconciliou). Não só está soberbamente escrito, num francês belíssimo, ressumando espírito (no sentido de esprit, wit) por todos os lados, com personagens inesquecíveis, como é sobretudo um retrato implacável e perfeito de dois ambientes - a vida de uma cidade de província na primeira parte e a chicana política na segunda. Qualquer das partes daria por si só um excelente livro.
É um livro estupendo, e fica-se com pena de estar inacabado e dos inevitáveis defeitos que apresenta por não ter sido completado nem revisto pelo autor - algumas passagens repetitivas, alguns detalhes da intriga claramente por aperfeiçoar (como a apressada morte de M. Leuwen, a ausência de Lucien no final, e sobretudo o final da primeira parte, que me fez momentaneamente irritar com o livro, pela sua evidente inverosimilhança, mas a segunda parte é tão boa que rapidamente me reconciliou). Não só está soberbamente escrito, num francês belíssimo, ressumando espírito (no sentido de esprit, wit) por todos os lados, com personagens inesquecíveis, como é sobretudo um retrato implacável e perfeito de dois ambientes - a vida de uma cidade de província na primeira parte e a chicana política na segunda. Qualquer das partes daria por si só um excelente livro.
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