Outros três filmes que vi recentemente:
Os Três Macacos, de Nuri Bilge Ceylan - um filme duro e um bocado pesado, mas com uma boa história e muito bem filmado, visualmente muito belo, com uma excelente interpretação da actriz principal. Uma história banal que assume dimensões de grande dramatismo, dilemas morais e o sofrimento causado por situações sentidas e percebidas mas não expressas (o que suponho é a razão do título, uma alusão à imagem dos três macacos: um não vê, um não ouve e o terceiro não fala).
O Labirinto do Fauno, de Guillermo del Toro - um filme bonito sobre a infância e o refúgio na fantasia; o ambiente está muito bem criado, com a chuva persistente e a velha casa de província, com frinchas, portas rangentes e os raios de luz no pó da adega, que me fez lembrar muito a casa dos meus avós; gostei menos da estética da figura do fauno.
Sonhar com Xangai, de Wang Xiaoshuai - conheço muito pouco do cinema chinês, mas este filme deu-me vontade de conhecer mais. Suave e melancólico, o retrato de um quotidiano triste e duro, em que as pessoas aspiram a uma vida melhor que sentem que finalmente parece estar ao seu alcance, mas atingi-la não é fácil. Esteticamente é muito bonito, pareceu-me bem interpretado (na medida em que se pode avaliar, com uma língua tão diferente das que conheço) e com momentos de grande tensão dramática.
segunda-feira, janeiro 26, 2009
Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen
Mais um óptimo filme de Woody Allen, bem mais alegre que os últimos, um verdadeiro feel good movie. Woody Allen é sempre um mestre do diálogo e as histórias são sempre boas. Neste filme aborda de forma divertida e inteligente - como é seu hábito - um dos seus temas preferidos - a variedade e a loucura das relações humanas, sempre meio absurdas, mas como já dizia no final de Annie Hall, we still need the eggs! Os actores estão excelentes - Rebecca Hall é uma revelação, Scarlet Johansson mostra como tem talento quando é bem dirigida (ao contrário por exemplo do que acontece em The Black Dahlia) e Javier Bardem e Penélope Cruz estão soberbos, com um registo histriónico que cria um ambiente impagável de Woody Allen meets Almodóvar. Muito bom, e uma verdadeira injecção de boa disposiçao para a semana.
domingo, janeiro 25, 2009
1808, de Laurentino Gomes
Este livro do jornalista brasileiro Laurentino Gomes é uma boa obra de divulgação histórica: bem documentado, bem escrito, fácil de ler e muito interessante. As descrições das principais personagens - nomeadamente de D. João VI e de D. Carlota Joaquina - estão excelentes, tal como as da vida quotidiana e sociedade no Brasil e em Portugal, e uma série de detalhes curiosos tornam a leitura divertida. E trata-se de um período da História dos dois países de importância fundamental, e extremamente curioso pelo seu carácter único - a mudança de uma corte europeia, mesmo provinciana e beata como a portuguesa, para uma colónia tropical. Não deixa de ser um pouco deprimente reconhecer já há 200 anos uma série de defeitos tão tristemente portugueses - o provincianismo, a mesquinhez, a mediocridade - mas também se termina o livro com um respeito pela astúcia e política de D. João VI maior do que o que lhe é habitualmente prestado. Ao fim e ao cabo, escapou a Napoleão, conservou a coroa, rapou os cofres de Portugal à ida e os do Brasil à volta, e contribuiu para que o Brasil se tornasse uma nação unida e independente, o que afinal de contas não foi pouca coisa para um príncipe medroso e indeciso.
quarta-feira, janeiro 21, 2009
Under Pressure
Esta é a minha versão favorita de Under Pressure, dos Queen e David Bowie, que vi na transmissão do espectáculo de homenagem a Freddie Mercury, nos anos 90. Escolhi-a para estrear a publicação de videos no blog! Espero que resulte.
terça-feira, janeiro 20, 2009
Finalmente, Bush fora da presidência!
Descontando todos os exageros da obamania, hoje é um dia de optimismo, pela mudança que finalmente acontece nos Estados Unidos. Barack Obama não é um messias, mas pelo menos terminou a era Bush, e as coisas só podem melhorar. Não há soluções milagrosas nem simples para os problemas americanos e mundiais, mas seguramente hoje estamos melhor do que ontem. Boa sorte para Obama, que bem precisa, com a carga de expectativas a seu respeito, e para nós todos, que também já merecemos!
segunda-feira, janeiro 19, 2009
Juliano
Terminei o primeiro volume de The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, de Edward Gibbon, que há anos desejava ler, e que encomendei pela Amazon - essa tão útil loja virtual. São três volumes de mais de mil páginas cada, mas cada uma é uma delícia de ler, pela extrema elegância da escrita e, claro, pela história, que está incrivelmente bem narrada e detalhada. Compreende-se ao lê-la a imensa influência que este livro exerceu ao longo dos anos sobre toda uma intelligentsia europeia, entre a qual se destaca o grupo de Bloomsbury, através de cujos elementos primeiro ouvi falar dele e me deu vontade de o ler. Não só no estilo, elegante e racional, mas nas ideias e abordagem à história da Europa e do Cristianismo em particular. É verdadeiramente um livro excepcional. Nos últimos tempos, tenho lido algumas obras dos séculos XVIII-XIX, e tenho ficado algo impressionado com a sua erudição e extensão, expressa numa linguagem extremamente cuidada e agradável, em que a forma da escrita se torna o veículo ideal para dar prazer ao leitor, que no final de milhares (literalmente) de páginas fica com pena de estar a terminar. Depois lembro-me que estas obras eram o fruto de uma elite muito limitada, que dispunha de meios materiais e sobretudo de uma quantidade de tempo que nos é difícil imaginar hoje - um ritmo de vida tão radicalmente diferente do actual.
O final deste volume é dominado pela personagem de Juliano, o Apóstata, que é um imperador que sempre me fascinou. Li há muitos anos o romance Juliano, de Gore Vidal (o primeiro livro deste autor que li) que emprestei a alguém que não mo devolveu e que não pude por isso reler. Acredito em geral que personalidades isoladas não alteram significativamente o curso da História, mesmo tendo em conta os exemplos de Napoleão, de Júlio César ou de Hitler. Mas não deixa de ser curioso imaginar como teria sido a evolução do Cristianismo se Juliano tivesse vivido mais tempo; é de supor que a sua influência teria podido ser não inferior à de Constantino, mas em direcção oposta - pelo menos, as suas qualidades e carisma pessoal não eram seguramente menores. E o Cristianismo do século IV é particularmente irritante, com as suas estéreis e sangrentas querelas do homoousion e homoiousion, uma primeira premonição de tantas que se seguiriam - a questão das imagens, a Reforma e a Contra-Reforma, as Guerras da Religião em França, a Inquisição, etc... E a posição muito crítica de Gibbon em relação à religião cristã, sempre subentendida num discurso muito elegante e diplomático, tão característico do Iluminismo, é admirável.
Como exemplo da linguagem do livro, transcrevo um pequeno excerto (mas poderia ser qualquer outro, todo o livro é assim): "We shall conclude this chapter by a melancholy truth, which obtrudes itself on the reluctant mind; that even admitting, without hesitation or enquiry, all that history has recorded, or devotion has feigned, on the subject of martyrdoms, it must still be acknowledged, that the Christians, in the course of their intestine dissentions, have inflicted far greater severities on each other, than they had experienced from the zeal of infidels. [...] The church of Rome defended by violence the empire which she had acquired by fraud; a system of peace and benevolence was soon disgraced by proscriptions, wars, massacres, and the institution of the holy office. [...] If we are obliged to submit our belief to the authority of Grotius, it must be allowed, that the number of Protestants, who were executed in a single provinve and a single reign, far exceeded that of the primitive martyrs in the space of three centuries, and of the Roman empire."
O final deste volume é dominado pela personagem de Juliano, o Apóstata, que é um imperador que sempre me fascinou. Li há muitos anos o romance Juliano, de Gore Vidal (o primeiro livro deste autor que li) que emprestei a alguém que não mo devolveu e que não pude por isso reler. Acredito em geral que personalidades isoladas não alteram significativamente o curso da História, mesmo tendo em conta os exemplos de Napoleão, de Júlio César ou de Hitler. Mas não deixa de ser curioso imaginar como teria sido a evolução do Cristianismo se Juliano tivesse vivido mais tempo; é de supor que a sua influência teria podido ser não inferior à de Constantino, mas em direcção oposta - pelo menos, as suas qualidades e carisma pessoal não eram seguramente menores. E o Cristianismo do século IV é particularmente irritante, com as suas estéreis e sangrentas querelas do homoousion e homoiousion, uma primeira premonição de tantas que se seguiriam - a questão das imagens, a Reforma e a Contra-Reforma, as Guerras da Religião em França, a Inquisição, etc... E a posição muito crítica de Gibbon em relação à religião cristã, sempre subentendida num discurso muito elegante e diplomático, tão característico do Iluminismo, é admirável.
Como exemplo da linguagem do livro, transcrevo um pequeno excerto (mas poderia ser qualquer outro, todo o livro é assim): "We shall conclude this chapter by a melancholy truth, which obtrudes itself on the reluctant mind; that even admitting, without hesitation or enquiry, all that history has recorded, or devotion has feigned, on the subject of martyrdoms, it must still be acknowledged, that the Christians, in the course of their intestine dissentions, have inflicted far greater severities on each other, than they had experienced from the zeal of infidels. [...] The church of Rome defended by violence the empire which she had acquired by fraud; a system of peace and benevolence was soon disgraced by proscriptions, wars, massacres, and the institution of the holy office. [...] If we are obliged to submit our belief to the authority of Grotius, it must be allowed, that the number of Protestants, who were executed in a single provinve and a single reign, far exceeded that of the primitive martyrs in the space of three centuries, and of the Roman empire."
domingo, janeiro 18, 2009
La Zizanie, ou a intemporalidade de Caius Detritus...
O ambiente do meu serviço, que era tão bom no início, tem-se deteriorado nos últimos anos, e de forma mais acelerada no´ano que passou, o que é uma pena. Progressivamente, as naturais diferenças de ideias, temperamentos e comportamentos entre os vários membros foram-se acentuando e tornando-se motivo de discórdias e conflitos cada vez mais frequentes, até que agora estamos praticamente agrupados em duas facções em guerra aberta, com um ou outro elemento oscilando entre uma e outra. Tal como no livro de Astérix A Zaragata, este clima foi precipitado pela entrada de um colega há alguns anos, o nosso candidato a Caius Detritus. Mas sinto-me relutante em atribuir-lhe todo o "mérito", ou mesmo a maior parte, já que, se o Detritus de Goscinny e Uderzo possui inteligência, espírito e alguma graça, o nosso é de uma avassaladora mediocridade em todos os aspectos, verdadeira fuinha rasteira, de modo que penso que actuou apenas como catalisador pela sua presença e comportamento, mas os responsáveis somos todos os outros.
Acho que o que aconteceu foi basicamente o efeito do tempo e de uma convivência prolongada. Com a idade, os nossos traços de carácter acentuam-se, e é frequente observarmos que o carácter de um velho é uma caricatura da sua personalidade em novo. Ainda não estamos assim tão velhos, mas isto exprime bem a ideia. Inseguranças acentuam-se e disfarçam-se com assertividades despropositadas, seguranças e convicções tomam o aspecto de arrogâncias, a intolerância e irritabilidade aumenta à medida que a paciência e a boa vontade diminuem. O nosso chefe, que cotinuo a admirar como profissional e que aprecio como pessoa, tem tido grande parte da responsabilidade, pelo seu gosto pelos mezzo-termine (essa excelente expressão que aprendi em Saint-Simon); o sempre nos ter deixado governar-nos a nós próprios e sermos muito autónomos foi para mim uma das suas melhores qualidades, mas obviamente resultava enquanto nos dávamos todos bem, ou pelo menos pacificamente.
De qualquer forma, continuo a gostar muito de parte dos meus colegas (felizmente, da maior parte), do meu trabalho, do serviço e do hospital. Acho que temos de ser menos conflituosos, no entanto, mesmo sendo eu uma das pessoas que menos paciência tem para ménager (outra expressiva palavra muito utilizada por Saint-Simon...) os adversários. Mea culpa? Um pouco, mais pourquoi ménager ceux qui ne me ménagent point? Enfim, isto é apenas um pequeno desabafo sobre uma questão que me tem atazanado ultimamente, em´fase de reorganização de serviço do início do ano.
E para terminar - o nosso Detritus é mesmo asqueroso!
quarta-feira, janeiro 14, 2009
O Açucareiro, de Naguib Mahfouz
O último volume da Trilogia do Cairo, de Naguib Mahfouz, cujo título é o nome de outro bairro do Cairo, neste caso es-Sukaryyia, termina a saga familiar iniciada em Entre os Dois Palácios. Gostei muito, embora o final me deixasse algo em suspenso, com vontade de que a história continuasse. O que é bom sinal, pois só me acontece com livros de que gosto bastante. Já falei da trilogia a propósito de O Palácio do Desejo, e a minha opinião mantém-se a mesma. Ler faz-nos de facto viajar por lugares e culturas, e é um dos maiores prazeres da vida.
terça-feira, janeiro 06, 2009
Eneida, de Virgílio
Há bastante tempo que procurava uma boa tradução da Eneida, e fiquei com mais vontade ainda depois de ler as traduções de Frederico Lourenço da Ilíada e da Odisseia. Encontrei finalmente uma tradução de Agostinho da Silva, num volume que inclui as Geórgicas e as Bucólicas (que ainda não li). Gostei muito; é um tipo de linguagem muito diferente, mais erudita e mais difícil, mas parece-me muito bom, na medida em que posso apreciar, já que nada sei de latim nem seria capaz de ler o original. Mas o tom e a linguagem evocam o género de epopeia como Os Lusíadas, denso e arcaico, adequado aos mitos de que fala. Desde a infância que a mitologia greco-romana me fascinou, e é bom poder continuar a descobri-la passados todos estes anos. É destes clássicos que descende a nossa literatura e cultura europeias, e como um verdadeiro clássico, não perde actualidade nem interesse com o tempo.
domingo, janeiro 04, 2009
Die Nibelungen, de Fritz Lang
Tal como com os livros, também com os filmes vale a pena ver os clássicos. Já há algum tempo que não via filmes mudos, e estes Die Nibelungen - A Morte de Siegfried e A Vingança de Kriemhild - foram uma verdadeira delícia. A característica dos verdadeiros clássicos é não perderem qualidade nem interesse com o tempo, e estes filmes cumprem-na perfeitamente, vêem-se com prazer mais de 80 anos depois da sua produção. Como em Metropolis ou Dr. Mabuse , Fritz Lang é um mestre da narrativa, "agarrando" o espectador do princípio ao fim. A história, um épico de violência e paixão, vale por si mesma, e presta-se a várias leituras a posteriori - as virtudes e a loucura germânicas, os presságios da loucura auto-destrutiva nazi da década seguinte (o filme é de 1924) - mas para mim o maior valor dos filmes é sem dúvida a estética. Cada plano é de uma beleza fascinante, desde as imagens de Siegfried na floresta, que parecem gravuras, até às imagens da implacável Kriemhild com uma magnífica coroa bárbara e um manto que parece desenhado por Klimt. Os décors são todos soberbos, desde a corte dos Burgundos ao castelo de Brunhild ou à corte bárbara de Attila, e mais uma vez, cada plano, com os motivos geométricos e a colocação das personagens, poderia ser um quadro. Verdadeiramente magnífico.
Gripe
Há uns 5 ou 6 anos que não tinha uma gripe, mas há duas semanas o vírus atacou-me e juntei-me aos números da tão falada epidemia. Já não me lembrava da sensação; como de costume, fui tomado nos primeiros dias por uma prostração e astenia intensas, e passei dois dias praticamente imóvel na cama, os processos físicos e mentais todos suspensos enquanto o sistema imunitário lutava contra o atacante a um nível subliminar. Depois, os dias de recuperação, ainda não completa, em que o mal estar e o cansaço se tornam irritantes e exasperantes por dominarem a nossa vontade. Mas aqueles dias iniciais, em que as forças desaparecem completamente, provocam uma estranha volúpia de incapacidade, um quase death wish, em que sabe bem abandonarmo-nos à fraqueza e ao oblívio. Raramente estou doente, e nunca tive nenhuma doença verdadeiramente grave, mas já houve algumas vezes em que me senti assim - gripes, uma laringite - e nessas alturas a morte parece doce e desejável. Já assisti incontáveis vezes a essa reacção em doentes internados, e acho que é um excelente mecanismo de defesa do corpo e da mente perante o fim - é como se se "desligasse", terminando o sofrimento e morrendo sem angústia. Claro que a minha doença foi apenas uma amostra, mas ajuda a compreender o que se sente nessas alturas. E não é uma má sensação.