Terminei o primeiro volume de The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, de Edward Gibbon, que há anos desejava ler, e que encomendei pela Amazon - essa tão útil loja virtual. São três volumes de mais de mil páginas cada, mas cada uma é uma delícia de ler, pela extrema elegância da escrita e, claro, pela história, que está incrivelmente bem narrada e detalhada. Compreende-se ao lê-la a imensa influência que este livro exerceu ao longo dos anos sobre toda uma intelligentsia europeia, entre a qual se destaca o grupo de Bloomsbury, através de cujos elementos primeiro ouvi falar dele e me deu vontade de o ler. Não só no estilo, elegante e racional, mas nas ideias e abordagem à história da Europa e do Cristianismo em particular. É verdadeiramente um livro excepcional. Nos últimos tempos, tenho lido algumas obras dos séculos XVIII-XIX, e tenho ficado algo impressionado com a sua erudição e extensão, expressa numa linguagem extremamente cuidada e agradável, em que a forma da escrita se torna o veículo ideal para dar prazer ao leitor, que no final de milhares (literalmente) de páginas fica com pena de estar a terminar. Depois lembro-me que estas obras eram o fruto de uma elite muito limitada, que dispunha de meios materiais e sobretudo de uma quantidade de tempo que nos é difícil imaginar hoje - um ritmo de vida tão radicalmente diferente do actual.
O final deste volume é dominado pela personagem de Juliano, o Apóstata, que é um imperador que sempre me fascinou. Li há muitos anos o romance Juliano, de Gore Vidal (o primeiro livro deste autor que li) que emprestei a alguém que não mo devolveu e que não pude por isso reler. Acredito em geral que personalidades isoladas não alteram significativamente o curso da História, mesmo tendo em conta os exemplos de Napoleão, de Júlio César ou de Hitler. Mas não deixa de ser curioso imaginar como teria sido a evolução do Cristianismo se Juliano tivesse vivido mais tempo; é de supor que a sua influência teria podido ser não inferior à de Constantino, mas em direcção oposta - pelo menos, as suas qualidades e carisma pessoal não eram seguramente menores. E o Cristianismo do século IV é particularmente irritante, com as suas estéreis e sangrentas querelas do homoousion e homoiousion, uma primeira premonição de tantas que se seguiriam - a questão das imagens, a Reforma e a Contra-Reforma, as Guerras da Religião em França, a Inquisição, etc... E a posição muito crítica de Gibbon em relação à religião cristã, sempre subentendida num discurso muito elegante e diplomático, tão característico do Iluminismo, é admirável.
Como exemplo da linguagem do livro, transcrevo um pequeno excerto (mas poderia ser qualquer outro, todo o livro é assim): "We shall conclude this chapter by a melancholy truth, which obtrudes itself on the reluctant mind; that even admitting, without hesitation or enquiry, all that history has recorded, or devotion has feigned, on the subject of martyrdoms, it must still be acknowledged, that the Christians, in the course of their intestine dissentions, have inflicted far greater severities on each other, than they had experienced from the zeal of infidels. [...] The church of Rome defended by violence the empire which she had acquired by fraud; a system of peace and benevolence was soon disgraced by proscriptions, wars, massacres, and the institution of the holy office. [...] If we are obliged to submit our belief to the authority of Grotius, it must be allowed, that the number of Protestants, who were executed in a single provinve and a single reign, far exceeded that of the primitive martyrs in the space of three centuries, and of the Roman empire."
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