domingo, abril 30, 2006
Singles - a música
sexta-feira, abril 28, 2006
Partidas da memória
Há uns dois anos e meio, estive com duas amigas em Veneza (de que aliás gostei muito) e ficámos num hotel simpático e antigo em excelente localização: de frente para a laguna, à saída do Grande Canal, a dois passos da Praça de S. Marcos. Como uma colega nossa tivesse marcado uma viagem a Veneza e nos perguntasse se aconselhávamos algum hotel, elogiámos-lhe esse em que ficáramos, mas cujo nome nenhum de nós recordava. Ora eu tenho geralmente boa memória para nomes, e tinha a certeza que me lembraria deste se o visse e/ou ouvisse. Portanto, pusemos mãos à obra – ligámos a net e pesquisámos no google os hotéis de Veneza, sabíamos a localização, nada mais fácil.
Há centenas de hotéis em Veneza, de modo que seleccionámos um mapa com a localização, de que nos lembrávamos perfeitamente, e lá estava uma fila de hotéis alinhados ao longo do Grande Canal. Fomos seleccionando os hotéis um a um: “Não, não era o Westin, este era onde ficou o chefe…”, “Não, o Danieli é conhecido, é caro de mais…”, “Seria este, o Mónaco?”, “Este não me parece, Metropole não me diz nada…”, “Acho que era este, o Rialto!”, “Nada disso, nem estávamos perto da ponte!”, “Tenho a certeza que começava por R…. Riviera?”. Em alguns casos, abrimos o site dos hotéis e nunca reconhecemos nenhum como o nosso. Eu estava um bocado irritado, sobretudo porque localizei exactamente o sítio, mesmo em frente de San Giorgio, e aí era esse Hotel Metropole, que não era o nosso de certeza, e uma das minhas amigas dizia: “Mas eu até me lembro dessa fachada, passávamos sempre por lá, era mesmo ao lado!”. Conclusão unânime: “Deve ter fechado! Ou então mudou de nome.”
Chegado a casa, ainda com a dúvida irritante no espírito, procurei o meu guia turístico de Veneza, que desencantei no fundo de uma prateleira poeirenta, para ver se descobria lá o famigerado nome que nos escapava – o livro abriu de imediato sobre uma anotação do horário de funcionamento da galeria Peggy Guggenheim, rabiscado… numa folha timbrada do Hotel Metropole! Mais à frente, a factura do Hotel Metropole… Fiquei mesmo surpreendido – precisamente o hotel que todos tínhamos a certeza absoluta de não ser o nome correcto, e cujo site abríramos e cujas fotos acháramos que não eram do nosso hotel! Procurei depois a descrição do hotel no guia, e lá estava, ponto por ponto, o que nós nos lembrávamos. De facto, a memória tem mecanismos curiosos; actualmente pensa-se que se trata de uma reconstrução mental, e não de uma gravação armazenada que se passa como um vídeo, e penso que episódios como este concordam bastante bem com esta teoria.
Enfim, sei que esta história é tola e não interessa nada, mas apeteceu-me partilhá-la; se quiserem, pode servir um propósito didáctico – como se pode acreditar que existem testemunhas completamente fiáveis, dependendo da memória, quando três adultos de formação superior, inteligentes e – terão de aceitar a minha palavra quanto a isso… - sãos de espírito, estavam os três capazes de jurar, com a certeza absoluta, que não tinham ficado no Hotel Metropole, uns escassos dois anos e meio antes?
quinta-feira, abril 27, 2006
Noites tranquilas
quarta-feira, abril 26, 2006
Insensatez medicalizante, ou Em Busca da Normalidade Perfeita
O primeiro é parte de uma crítica de Howard Markel, médico e historiador de Medicina, sobre o livro "American Normal: The Hidden World of Asperger's Syndrome":
"Infelizmente, somos uma nação fixada em "patologizar" muitos comportamentos complexos - desde o estado hiperansioso de alguns adultos aos comportamentos de crianças que têm mais energia e capacidade de concentração mais curta do que é confortável para os seus pais e professores carregados de trabalho. Desafortunadamente, a nossa necessidade reflexa de diagnosticar vem a par com um desejo incontrolável de tratar com uma torrente de potentes medicamentos. Pode-se apenas especular sobre o que as gerações futuras pensarão sobre o excêntrico impulso da nossa sociedade de rotular medicamente e alterar quimicamente os comportamentos humanos que são temporal ou culturalmente vistos como anormais. Talvez algumas vezes, como Osborne assinala a Freud, um "tique" seja apenas isso - um "tique"".
(Nota: o síndrome de Asperger é uma variante de autismo, muito ligeira, que se caracteriza por um comportamento excêntrico de uma combinação de enciclopedismo e obsessões, e que tem estado ultimamente muito na moda na Neuropsiquiatria americana, nomeadamente sendo aplicado a torto e a direito em "diagnósticos retrospectivos" de uma série de personalidades geniais.)
O segundo é um editorial de Richard McNally, professor de Psicologia em Harvard, sobre outra doença da moda, a PTSD (Post-Traumatic Stress Disorder):
"Há vinte anos, a American Psychiatric Association reconheceu a PTSD como um diagnóstico psiquiátrico formal. PTSD foi conceptualizada como uma doença de ansiedade que se desenvolvia após exposição a eventos aterradores, habitualmente com risco de vida - stresses traumáticos manifestamente invulgares, fora da vida quotidiana. Os exemplos característicos incluiam guerra, violação e estadia em campos de concentração.
Mas, nos últimos anos, assistimos a um desvio conceptual insinuando-se na definição de trauma, fazendo com que stresses vulgares sejam considerados capazes de causar PTSD. A doença é actualmente diagnosticada em pessoas cujos acontecimentos stressantes variam desde exposição a piadas de mau gosto no ambiente de trabalho a ter um filho saudável - e muitos outros. Na verdade, um estudo mostrou que quase 90% dos americanos se qualificam como sobreviventes de trauma - de acordo com a definição actual de trauma.
Porque é que isto é um problema? Há 3 razões.
Primeiro, o alargamento da definição de trauma ameaça sabotar qualquer hipótese que possamos ter de elucidar os mecanismos psicobiológicos que dão origem à PTSD. O sobrevivente de um "acidente de chapa" é pouco provável que tenha muito em comum com um sobrevivente do Holocausto.
Segundo, quanto mais alargamos o conceito de stress traumático, menos credivelmente podemos atribuir significado causal ao stress em si, e mais temos de enfatizar factores de vulnerabilidade pessoal preexistentes. Mas desviar a responsabilidade causal do trauma faz desaparecer a razão que existiu para criar o diagnóstico de PTSD em primeiro lugar.
Terceiro, classificando cada vez mais a vida moderna como trauma, podemos sobremedicalizar respostas emocionais normais a tensões e desprezar a capacidade humana de fazer face à adversidade.
Em conclusão, devemos regressar ao conceito inicial de trauma; disso depende a credibilidade do nosso campo. É essa a minha opinião."
(Se o texto parecer por vezes um pouco "trapalhão", é porque a tradução é minha...)
segunda-feira, abril 24, 2006
Mais uma
É desta cepa de heróis que Portugal precisa! Com ele e o nosso sebastiânico presidente, quem pode duvidar da retoma? Como se dizia nos injustamente esquecidos tempos da alegre campanha do mesmo Freitas para a Presidência, nos anos 80: "P'rá frente, Portugal!"
(Hoje estou com uma escrita ribombante de adjectivos, mas que fazer? são os efeitos de tanto esplendor nacional...)
domingo, abril 23, 2006
A Noiva Cadáver, de Tim Burton
Gostei de "The Corpse Bride", mas desiludiu-me um pouco; não me encantou... Tem uma história bonita, visualmente é bonito, a música é muito boa e tem alguns momentos belos e outros engraçados, do humor irónico e macabro que Burton usa muitas vezes. Mas, talvez porque tinha muitas expectativas em relação a ele, o filme soube-me a pouco.
Suite Francesa, de Irène Némirovsky
"Suite Francesa" é um livro impressionante a vários níveis. Em primeiro lugar, é um romance muito bom; Irène Némirovsky escreve muito bem e tem uma capacidade extraordinária de descrever os sentimentos humanos, as emoções, as mesquinharias, as hesitações. Lembro-me do único outro livro dela que li, já há muitos anos, "O Baile", que era um livrinho excelente sobre uma querra sem quartel mãe/filha, em que escalpelizava de uma forma implacável o relacionamento das duas. Nesta "Suite Francesa", as personagens estão extremamente bem concebidas, e as situações e o seu impacto sobre elas, de um realismo psicológico - à falta de melhor termo... - notável.
Depois, é impressionante pensar que o livro foi escrito por uma judia enquanto as perseguições anti-judaicas cresciam na França ocupada; saber que enquanto escrevia o livro, I.N. sofria as discriminações crescentes, se refugiava numa aldeia, e se apercebia progressivamente do final que a esperava e perdia a esperança de sobreviver - como aliás não sobreviveu - continuando no entanto a escrever com aquela qualidade e a planear o seguimento da história, que se desenvolveria de acordo com os acontecimentos. E sem concessões à lamechice ou melodrama - o problema dos judeus nem sequer é abordado no livro.
Por fim, é angustiante a correspondência reproduzida no apêndice final, as cartas e telegramas trocados entre o marido e os amigos nas semanas seguintes à prisão e deportação de I.N., que mostram, sem dramas mas com o horror da verdade, o desespero, a falta de sentido, a estranheza, da absurda perseguição, e a estupefacção dos que a sofreram e não se aperceberam da gravidade até ao final. Este tipo de testemunhos impressiona-me particularmente, porque é por eles que mais se tem a noção de que aquilo aconteceu mesmo.
Portanto, por várias razões, a começar pelas literárias, um grande livro.
quarta-feira, abril 19, 2006
Radio Radar
Já escrevi aqui uma vez como a monotonia das estações de rádio me aborrece - a Best Rock, a Antena 3, a Mega FM, passam todas sempre a mesma coisa, repetindo os mesmos temas até à exaustão, numa manobra de marketing que francamente duvido que resulte e que traduz uma pobreza de imaginação constrangedora. Gosto de ouvir rádio no carro, e gosto de rock, mas irrita-me ouvir sempre o mesmo, e às vezes nem o zapping resulta, porque está o mesmo no ar em várias estações. Geralmente vario com a Rádio Marginal, que dá algum jazz e swing (já a música brasileira gosto pouco, mas isso é o meu gosto pessoal).
Por isso, foi refrescante descobrir a Rádio Radar. Em dois dias, já ouvi uma série de coisas que raramente ou nunca ouço na rádio, desde Anthony and the Johnsons a Smiths, passando por uns temas dos Coldplay que nunca passam nas outras. É bom que ainda vá havendo alguma variedade... Acho uma estupidez aquele esquema das playlists, em que nos bombardeiam até à exaustão com um tema, depois outro, sempre os mesmos de um álbum que muitas vezes tem outros igualmente bons, e sempre das mesmas bandas. Será que acham que é assim que vendem mais discos? Como diz um amigo meu, depois admiram-se que as pessoas tirem as músicas da internet...
terça-feira, abril 18, 2006
Hoje lembrei-me de um professor de Português que tive no 8º ano. Quando alguém invocava, para justificar algum disparate ou erro, "Mas vi num livro, 'stôr!", ele retorquia irritado: "Ora, você também pode escrever um livro!" Lembro-me que a minha reacção, a primeira vez que o ouvi dizer isso, foi negativa, provocada por uma certa incredulidade: eu crescera no respeito, quase no culto, aos livros e àquilo que eles nos ensinavam e transmitiam, e agora vinha este homem dizer que qualquer um podia escrever um livro, ou seja, que o conteúdo de um livro não era necessariamente respeitável ou verdadeiro? Mas depois percebi, e ainda hoje aprecio que ele mo tenha feito ver relativamente cedo.
De facto, é fundamental mantermos um espírito crítico, não aceitarmos o que é proposto só pela autoridade de quem o diz ou escreve, ou por ser a sabedoria aceite (como se esta não mudasse ao longo do tempo!), sem a pormos em questão. Aprendermos, informarmo-nos, sempre, mas questionar as coisas, discuti-las. É assim que se acabam as intolerâncias e as ignorâncias.
segunda-feira, abril 17, 2006
Inside Man, de Spike Lee
domingo, abril 16, 2006
Mais Gatos...
sexta-feira, abril 14, 2006
Comportamentos patológicos - de quem, exactamente?
Alguns números impressionantes:
- 10% de todas as crianças de 10 anos nos Estados Unidos estão rotuladas como sofrendo de ADHD, e medicadas para o efeito
- isso representa cerca de 2500000 (2.5 milhões!) de crianças
A ADHD - Attention-Deficit Hyperactivity Disorder, ou síndrome de hiperactividade / deficit de concentração - tomou proporções ciclópicas nos últimos anos, ou melhor dizendo, o diagnóstico de síndrome de hiperactividade tomou essas proporções.
A Medicina, como tudo o resto, sempre conheceu modas - eu, por exemplo, passei pela época da moda dos "pés chatos", como houve poucos anos antes a das amigdalectomias; houve a moda da psicanálise e dos "complexos", mais remotamente a dos "chiliques"... A terapêutica também conheceu modas, e vários fármacos viram o seu momento de glória, sempre devidamente amplificado pelos mass media: o diazepam (Valium), a fluoxetina (Prozac), o sildenafil (Viagra), para citar apenas os mais recentes e famosos. No caso da ADHD, a estrela tem sido o metilfenidato (Ritalina). (Ressalvo que se trata de excelentes fármacos, mas foram badalados muito para além das suas reais potencialidades e de uma forma mais aparentada com o star system da banha da cobra milagrosa do que com a seriedade científica que mereciam.)
No caso da ADHD, trata-se não só de uma condição sobre-diagnosticada e sobre-tratada por motivos sociais, como também de uma das situações que nos fazem questionar sobre as fronteiras entre saúde / doença, entre normalidade / desvio, o que é sempre interessante. A nossa sociedade habituou-se a um elevado grau de conforto e a procurar na Medicina a solução para males que, antigamente, seriam considerados fatalidades, acasos, castigos de Deus, possessões pelo Demónio, etc. A partir de certa época, desconforto ou diferença ou sofrimento passou a ser equivalente a doença, que forçosamente deve ser tratável. A infelicidade passou a ser depressão, que se trata com inibidores da recaptação da serotonina, os dentes tortos corrigem-se com aparelho, e as crianças turbulentas passaram a ser doentes de ADHD.
Claro que existem crianças que são mesmo doentes de ADHD. Como em outras doenças em que não há uma substância identificada alterada em estrutura ou em quantidade, ou um agente infeccioso ou outro responsável, o diagnóstico faz-se somando um certo número de critérios que, individualmente, não são patológicos, mas cuja combinação se considera preencher os requisitos para a definição da doença. Só que estas combinações de critérios, como aliás acontece noutras doenças e tanto mais quanto menos patológico ou mais inespecífico é o crutério em si, permitem uma certa elasticidade que, aliada à pressão social que torna mais aceitável uma criança ser doente de ADHD do que simplesmente malcriada (ou ser disléxica em vez de trapalhona), permite encaixar no síndrome hordas de crianças que provavelmente são apenas miúdos irrequietos com energias que não gastam suficientemente na nossa vida urbana e sedentária. Aliás, quando há uns tempos li um artigo de revisão sobre ADHD e vi os critérios, consegui facilmente encaixar neles o meu Abdallah, que é um diabrete, mas nada mais. Pelos vistos, a maioria das mães americanas - e dos médicos - dar-lhe-ia Ritalina.
É devido ao exagero da "epidemia" de ADHD que começam a surgir mais artigos e editoriais em revistas médicas chamando a atenção para estes números, sobretudo porque se começa a ter a noção de que a Ritalina e outros fármacos usados no tratamento não são tão inócuos quanto inicialmente se julgava. Portanto, mesmo que seja tão mais fácil e desculpabilizante para os pais que os comportamentos indesejáveis dos filhos sejam doenças e não da responsabilidade deles (deles - dos pais e dos filhos), é altura de a comunidade médica deixar de alimentar a moda... apesar de ser certamente também uma boa fonte de proventos para os pedopsiquiatras.
E sobretudo, é bom que as pessoas se lembrem sempre de reequacionar a noção do que é doença ou do que é a variação aceitável ("normal") do comportamento humano - como qualquer característica, em qualquer espécie, a variabilidade é desejável e contribui para a evolução e adaptabilidade, a não ser que se seja partidário da tese do intelligent design... - e que aquilo que se considera doença numa época deixa de o ser noutra (a homossexualidade e a masturbação são dois bons exemplos), portanto, convém não se ser demasiado fundamentalista na defesa de sistemas de classificação e diagnóstico que são discutíveis e que nada nos garante que vão durar muito - como uma colega da área que me ia apedrejando por eu formular algumas dúvidas cépticas quanto à definição de doenças como a ADHD ou o síndrome da fadiga crónica...).
quinta-feira, abril 13, 2006
Século das Luzes
Denis Diderot
"A ideia de Deus é o único erro que não posso perdoar aos homens."
Marquês de Sade
terça-feira, abril 11, 2006
The Naming of Cats
The Naming of Cats is a difficult matter,
It isn't just one of your holiday games;
You may think at first I'm as mad as a hatter
When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.
First of all, there's the name that the family use daily,
Such as Peter, Augustus, Alonzo or James,
Such as Victor or Jonathan, George or Bill Bailey--
All of them sensible everyday names.
There are fancier names if you think they sound sweeter,
Some for the gentlemen, some for the dames:
Such as Plato, Admetus, Electra, Demeter--
But all of them sensible everyday names.
But I tell you, a cat needs a name that's particular,
A name that's peculiar, and more dignified,
Else how can he keep up his tail perpendicular,
Or spread out his whiskers, or cherish his pride?
Of names of this kind, I can give you a quorum,
Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,
Such as Bombalurina, or else Jellylorum-
Names that never belong to more than one cat.
But above and beyond there's still one name left over,
And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover--
But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.
When you notice a cat in profound meditation,
The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
Of the thought, of the thought, of the thought of his name:
His ineffable effable
Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name.
TS Eliot
segunda-feira, abril 10, 2006
Traduções / Legendagens
domingo, abril 09, 2006
O Palácio Ribamar revisitado
Voltei ontem, após muitos anos, ao Palácio Ribamar. Quando eu era pequeno, conhecia-o pelo nome de Escola Preparatória Bartolomeu Dias, onde fiz o ciclo preparatório. Na altura, este velho palacete do século XVIII, adaptado a escola depois de ter servido vários propósitos - entre eles o de casino nos anos 20 - estava a cair aos bocados, e era um exemplo das escolas em más condições. Lembro-me, por exemplo, de uma vez um colega meu dar um pontapé na parede e abrir um buraco entre duas salas. Havia quatro pavilhões préfabricados no pátio, ainda piores que as salas do edifício, e outras partes serviam de escritório da companhia das águas e de centro de saúde. Mas no geral, tenho boas recordações daquela escola, tive um ciclo feliz, gostávamos de explorar as salas vazias ou cheias de tralha e o velho dragoeiro era a árvore ideal para trepar - embora fosse proibido, todos o faziam.
Mais tarde, a escola passou para uns edifícios novos, mais acima, o palácio esteve abandonado uns anos, e depois foi remodelado numa daquelas obras eternas, que exibiam um enorme cartaz com os prazos e os custos, mesmo quando o prazo do fim da obra já fora ultrapassado em mais de um ano - o que aconteceu naquele caso. Nunca mais entrara lá, embora o meu filho muitas vezes falasse da Biblioteca - é agora uma biblioteca municipal - de que tem cartão de sócio e onde vai às vezes jogar jogos de computador de graça.
Fiquei muito favoravelmente impressionado - eis o exemplo de uma boa recuperação, de que temos alguns no concelho de Oeiras. O espaço está muito agradável, espaçoso e cheio de luz, e dá efectivamente vontade de estar lá a ler e a estudar. Claro que não sobrou nada do interior do antigo edifício, nem o átrio octogonal. Só tive tempo de dar uma vista de olhos pelo conteúdo do espaço infantil, mas pareceu-me bastante razoável.
Por outro lado, lamento o desaparecimento de outro Ribamar, o enorme café no jardim, tal como do Caravela. Eram cafés grandes, luminosos, sempre cheios de pessoas a estudar ou de reformados - o motivo da sua ruína, suponho. Boa parte do meu estudo na Faculdade e para o exame da especialidade foi lá feito, além de estarem ligados a outros episódios da minha vida. Os seus substitutos são uma triste sombra dos originais.
Entretanto, está actualmente em obras de recuperação o Palácio Anjos, a dois passos do outro, que eu costumava ver da janela da minha casa em criança (ficava mesmo em frente) e onde, por um motivo ou outro, nunca entrei, apesar de já ser da Câmara há muitos anos, depois de um longo período de abandono em que esteve mais ou menos ocupado por ciganos. Espero que a recuperação seja igualmente bem sucedida, embora para já me desagradem os cubos de cimento que plantaram no antigo campo de minigolfe e que me parecem completamente desinseridos do local, todo ele muito belle époque. Enfim, manias de originalidade arquitécticas.
terça-feira, abril 04, 2006
Breakfast on Pluto, de Neil Jordan
"Breakfast on Pluto" é um filme engraçado, mas está longe de ser tão bom como outros filmes de Neil Jordan, nomeadamente "The Crying Game", que é natural vir logo à mente. É um filme bem disposto, com uma excelente banda sonora, que combina kitsch dos anos 70 com glam rock, com boas interpretações, momentos hilariantes, mas que deixa um sabor a pouco. Talvez porque o mundo do travestismo nunca me tenha interessado muito... e por vezes irrita-me um pouco a "mariquice" e o tratamento um tanto frívolo de certas questões - neste caso, o terrorismo. Mas os planos iniciais, em que a câmara segue o voo dos pássaros, são muito bons, e sai-se da sala bem disposto, o que já é muito bom.
Leituras
Outro dia esqueci-me de levar um livro para o carro - tinha acabado de ler o anterior - e fez-me imensa falta!
Desde que me lembro que ler é uma das minhas actividades favoritas - aprendi aliás a ler sozinho, nos livros ilustrados da infância, e nunca mais parei. Acho que é o meu principal vício, aquilo de que estou mais dependente para o meu bem estar diário. E também desde muito cedo sempre gostei de ler vários livros ao mesmo tempo, nunca me custou nada passar de uns para os outros, tal como sempre consegui concentrar-me a ler nos sítios mais variados, com barulho, música, som de conversas, etc.
Assim, hoje em dia continuo a ler vários livros (habitualmente cinco), que distribuo estrategicamente da seguinte forma: um no carro, para os momentos mortos; um na mesa-de-cabeceira para ler ao deitar ou quando me estendo um pouco durante o dia; um na casa-de-banho, onde me refugio do bulício doméstico (único inconveniente: ficar com as pernas dormentes ao fim de algum tempo, devido à configuração anatómica do assento...); outro para quando vou passear o cão de manhãzinha (geralmente uma leitura para durar muitos dias, já que leio pouco tempo de cada vez); por fim um online, graças a esse magnífico site, o project gutenberg.
Verdadeira book-addiction? Talvez, mas pelo menos é uma dependência saudável... Uma das boas perspectivas da vida é que há sempre mais livros para ler, mais do que alguma vez conseguirei.
segunda-feira, abril 03, 2006
Washington, DC, de Gore Vidal
Reli agora "Washington, DC", de Gore Vidal, que lera pela primeira vez há alguns anos, e não me lembrava que fosse tao bom. Gosto muito de Gore Vidal, das suas ideias em geral, do seu humor corrosivo, da forma como conta a história dos Estados Unidos nos seus romances do ciclo da "Golden Age", de que este é o primeiro e provavelmente o melhor. A luta pelo poder, implacável e sem escrúpulos morais, é retratada de uma forma impiedosa, enquanto se fica com um certo travo de esperança transmitido pela personagem de Peter Sanford (e também pela de James Burden Day), que veicula a sensação de que as coisas não têm forçosamente de ser assim. O ambicioso político em ascensão é claramente inspirado em Kennedy, embora eu suponha que os detalhes são inventados - para o bem da memória de Kennedy.
Literariamente, este é superior à média dos romances de Vidal, que em geral não primam pela forma literária, mas sim pelo conteúdo. É um dos escritores que valem muito mais pela mensagem que transmitem do que pelos dotes artísticos; talvez por isso os seus ensaios e memórias são particularmente interessantes de ler.
Fico com o apetite (ainda) mais aguçado para ler a biografia dele que comprei recentemente e ainda não tive tempo de ler!
domingo, abril 02, 2006
Primavera
Hoje cumpro uma das decisões de Primavera: mudar o meu weblog da sapo para o blogspot, que me parece ser bastante mais user friendly. Estou farto sobretudo das limitações no que se refere à utilização de imagens. Espero entender-me bem com o novo site! Por enquanto, escolho um template disponível, mas hei-de alterá-lo para um design mais a meu gosto quando manejar melhor as ferramentas disponíveis.
Deixo aqui o link do meu weblog anterior, para quem se interessar... Escrevo desde Outubro de 2004, bastante irregularmente. Os motivos que me levam a continuar são os mesmos que me fizeram começar...
Continuemos!
http://whatamidoinghere.blogs.sapo.pt