"Suite Francesa" é um livro impressionante a vários níveis. Em primeiro lugar, é um romance muito bom; Irène Némirovsky escreve muito bem e tem uma capacidade extraordinária de descrever os sentimentos humanos, as emoções, as mesquinharias, as hesitações. Lembro-me do único outro livro dela que li, já há muitos anos, "O Baile", que era um livrinho excelente sobre uma querra sem quartel mãe/filha, em que escalpelizava de uma forma implacável o relacionamento das duas. Nesta "Suite Francesa", as personagens estão extremamente bem concebidas, e as situações e o seu impacto sobre elas, de um realismo psicológico - à falta de melhor termo... - notável.
Depois, é impressionante pensar que o livro foi escrito por uma judia enquanto as perseguições anti-judaicas cresciam na França ocupada; saber que enquanto escrevia o livro, I.N. sofria as discriminações crescentes, se refugiava numa aldeia, e se apercebia progressivamente do final que a esperava e perdia a esperança de sobreviver - como aliás não sobreviveu - continuando no entanto a escrever com aquela qualidade e a planear o seguimento da história, que se desenvolveria de acordo com os acontecimentos. E sem concessões à lamechice ou melodrama - o problema dos judeus nem sequer é abordado no livro.
Por fim, é angustiante a correspondência reproduzida no apêndice final, as cartas e telegramas trocados entre o marido e os amigos nas semanas seguintes à prisão e deportação de I.N., que mostram, sem dramas mas com o horror da verdade, o desespero, a falta de sentido, a estranheza, da absurda perseguição, e a estupefacção dos que a sofreram e não se aperceberam da gravidade até ao final. Este tipo de testemunhos impressiona-me particularmente, porque é por eles que mais se tem a noção de que aquilo aconteceu mesmo.
Portanto, por várias razões, a começar pelas literárias, um grande livro.
De I.N. li "O Baile" e gostei:
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