Elias Canetti é um daqueles escritores que ganhou o prémio Nobel mas que é pouco conhecido em Portugal; até ao ano passado só o conhecia de nome, quando li um livro dele, The Voices of Marrakesh, a propósito da minha ida a Marraquexe. Gostei da escrita, das descrições feitas como em pinceladas impressionistas, mas não me afectou especialmente, ficou para mim como uma agradável recriação de lugar e ambiente.
Recentemente, um amigo elogiou-me muito o seu livro autobiográfico, A Língua Posta a Salvo, e quando o vi poucos dias depois numa prateleira da Fnac, tive curiosidade e comprei-o - sempre tive um fraco por biografias e memórias. Não me arrependi, gostei bastante. Está muito bem escrito, e apresenta um retrato / memórias d einfância e adolescência com uma combinação de candura e inteligência muito interessantes. Foca a influência da língua na formação do pensamento - o autor, pertencente a uma das famílias de judeus sefarditas que emigraram da Península Ibérica para o Império Otomano no século XVI, foi passando de uma língua para outra conforme as fases da sua vida (do ladino, o espanhol arcaico falado pelos sefarditas, o búlgaro falado pelo povo da sua cidade natal, ao inglês da sua estadia em Manchester e por fim ao alemão de Viena e depois de Zurique, que se tornaria na sua língua definitiva) -, a descoberta do mundo através dos livros (no que me identifiquei muito com ele) e a influência da família, sobretudo da mãe, em relação à qual se pressente a sua libertação, a que ele chama o seu "segundo nascimento" no final do livro, que é o primeiro de uma trilogia. Ilustra também um aspecto que sempre achei fascinante - a forma como os grandes acontecimentos da História nos podem passar ao lado sem os compreendermos na altura e quase sem nos afectarem no momento; neste caso a Primeira Guerra Mundial, que o autor viveu sem se aperceber da importância fundamental que teve, inclusivamente sobre a sua própria vida. Fez-me lembrar quando, em criança, ao apaixonar-me pela História, crivava os meus avós de perguntas sobre os tempos da Segunda Guerra Mundial, e ficava desapontado por eles não se lembrarem de nada, quando tinham vivido naquele tempo, e eu pensava "como é possível?", e apenas referiam vagamente os tempos da "guerra de Espanha"... Só muito mais tarde percebi que a Segunda Guerra Mundial pouco significou na altura para o Portugal rural dos anos 40, apesar de obviamente terem sido indirectamente afectados por ela.
Fico à espera que publiquem os dois volumes seguintes, e mais uma vez me congratulo por haver tantos autores ainda a descobrir.
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