sexta-feira, maio 18, 2007
Tabagismo - essa inesgotável fonte de pérolas oratórias...
Geralmente não me sinto nada estimulado a escrever sobre os assuntos do dia, evitando aumantar assim os coros rituais que os ditos assuntos provocam em jornais, restantes media e blogs. Mas tanta inanidade tem sido escrita a propósito das leis anti-tabagismo que não resisto a comentar. Acho que o que me decidiu foi uma pérola da Fernanda Câncio, essa nova sacerdotisa da imprensa bem-pensante, digna descendente da Clara Pinto Correia e do seu estilo ai-que-gira-que-eu-sou-e-que-graça-que-eu-tenho-a-dizer-tolices-e-sou-tãão-esperta, estilo que foi cultivado por melhores cabeças, como a do Miguel Esteves Cardoso no tempo em que ainda tinha uma. Mas voltando à questão, dizia Fernanda Câncio no seu post, composto naquela escrita sem maiúsculas que deve achar que a torna muito original quando se limita a diminuir a sua legibilidade, por entre imensas queixase lamúrias contra os fumadores, esses assassinos que a tinham feito já inalar kilos de carcinogénios, que nem em sua casa estava a salvo das suas faltas de respeito, porque toda a gente sabe que os fumadores não respeitam sequer a santidade da casa de cada um e a pobre-e-tão-espirituosa escriba convidava os amigos para inocentes e saudáveis tertúlias e os malvados toca de puxar pelo cigarro e agredir os infelizes pulmões da desgraçada-mas-tãão-esperta jornalista.
De facto, o exagero, a falta de senso e a vontade de se mostrar original e/ou esperto são uma combinação fatal, e todo este debate à volta dos cigarros está repleto de intervenções deste género, de um lado e do outro. (Já agora, não sei se os amigos da Fernanda Câncio são todos assim tão grunhos, o que é estranho numa rapariga tão-mas-tão-gira-e-sofisticada-e-esperta, mas desde sempre as pessoas não costumam fumar nas casas onde os anfitriões não gostam... Já para não perguntar que raio de amizades são essas em que ela não pode dizer-lhes simplesmente que não fumem! Mas isso é o menos) Mas como é entediante este discurso dos mártires da nicotina! Aliás, é um discurso que tem o seu equivalente nos outros mártires, dos quais o expoente máximo é o Miguel Sousa Tavares, com inanidades igualmente delirantes. Mas o espectro é vastíssimo, passando pelo Eduardo Prado Coelho, que filosoficamente "sempre aceitou tacitamente o seu papel defumador passivo" ou por Mega Ferreira que poeticamente lembra que "a maioria da cultura está associada ás espirais azuis do fumo de um cigarro"...
No meio de tanta tolice, praticam-se algumas tolices mais perigosas, como as de pretender apagar os cigarros de fotografias de figuras históricas ou de passar a classificar cenas de filmes em que aparecem cigarros com a mesma severidade aplicada a cenas de violência ou pornográficas.
Às vezes interrogo-me - será que sou eu que estou errado? Ou são de facto as pessoas que gostam de complicar o que não é assim tão complicado como o fazem parecer? Por um lado, os detractores do tabaco têm tantos motivos verdadeiros e sensatos para apoiar a restrição ao tabagismo, porque hão-de recorrer a tanta patetice? Sobretudo a essa arma perigosa da intolerância, que é rotular o tabagismo como algo de moralmente errado, feio e condenável. É um péssimo princípio, e gostaria que esses apóstolos da virtude se lembrassem de que um dia mais tarde um hábito que eles cultivem poderá vir a ser alvo da mesma campanha.
Por outro lado, os defensores do tabagismo também recorrem a argumentos perfeitamente idiotas para defender o que não tem defesa razoável, socorrendo-se de comparações absurdas e perdendo completamente a razão. É claro que fumar faz mal, que é um hábito que deve ser desencorajado, e a proibição de fumar em espaços públicos fechados é perfeitamente razoável e exequível - já estive em grandes cidades repletas de fumadores com essas leis (no ano passado em Glasgow, Nova Iorque e San Francisco), e não me pareceu que as pessoas andassem oprimidas, a lei era cumprida e o ambiente nos bares era bem mais agradável. Será que já se esqueceram todos que há alguns anos se pdia fumar nos comboios e aviões? O tabaco é um hábito, que em tempos não existiu, depois apareceu e teve o seu período áureo e que poderá desaparecer, como desapareceram as escarradeiras (imagino o Miguel de Sousa Tavares, no século XIX, a vociferar dizendo que os pobres escarradores se iam sufocar em escarros retidos...) ou o rapé. Desencorajá-lo é bom, e restringir as oportunidades para fumar é uma excelente forma de o fazer. Mas não vamos fingir que nunca existiu nem rotulá-lo de coisa nefanda! Mas, como diz o epigrama utilizado pelo Asimov num livro, "contra a estupidez os próprios deuses lutam em vão".
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