sábado, outubro 14, 2006

Taxas moderadoras? - ou para onde vamos?


Discordo totalmente das chamadas "taxas moderadoras" para os internamentos, que não passam de mais um subterfúgio para poupar (e extorquir...) uns cêntimos, e são mais uma machadada no conceito do Serviço Nacional de Saúde que, ao contrário do que as pessoas adoram dizer, é dos serviços públicos que melhor funciona em Portugal.

Para já, a ideia de "taxa moderadora" aplicada a um internamento é ridícula. As taxas moderadoras surgiram nas Urgências hospitalares com o objectivo de moderar, precisamente, a afluência de falsas-urgências, pois as pessoas sabiam que eram mais rapidamente e mais bem atendidas do que se fossem esperar para os Centros de Saúde (na Urgência, além de serem vistas por médicos muitas vezes mais diferenciados, despachavam logo os exames complementares e saíam medicadas). Era vulgar, por exemplo, quando eu fazia bancos no Hospital de S.José, aparecerem pessoas às 3 da manhã com motivos como falta de vista, constipações, insónias ou mesmo pedindo clisteres, e acrescentando com um ar matreiro: "Já sei que a esta hora me despacho num instante!". Depois, o conceito foi alargado a consultas e exames complementares. Mas por muito que se "elastifique" o conceito, é impossível "moderar" os internamentos taxando os doentes, tendo em conta que não são eles que decidem se são internados nem quando têm alta. E o detalhe de "a partir dos 14 dias de internamento passa a ser considerada doença muito grave e não pagam" então, é o máximo. Suponho que por esta lógica um enfarte, cujo tempo de internamento raramente excede uma semana, ou uma cirurgia oncológica, não são muito graves.

Mas o que acho mais grave é a continuação do ataque insidioso ao Serviço Nacional de Saúde, à sombra da muito propalada ideia de que "é inviável", de que "o Estado não pode suportar os gastos". Eu acho que pode, e que deve. É para isso que existe o Estado, que existem os impostos, para nos garantir algumas necessidades básicas, como a Saúde e a Segurança. E por mais voltas que dêm ao assunto, trata-se no fim de contas de uma questão de prioridades. Claro que é preciso gerir bem o dinheiro, para evitar desperdícios, que existem. Mas a solução não é acabar com o sistema, que funciona. Qual é a alternativa? Um sistema de saúde privado, assegurado pelos seguros? Para isso é que não há dinheiro, como se vê aliás nos Estados Unidos - excelentes cuidados de saúde para quem é rico e pode pagar os prémios principescos das seguradoras, e uma miséria para os restantes. Li há pouco num livro uma proposta de um sistema alternativo - uma conta-poupança obrigatória (em vez dos descontos para a saúde) que seria gerida pelo própsio, e um seguro para as "despesas-catástrofe", aquelas que seriam demasiado grandes e que esgotariam a conta de imediato (aliás, para as quais a conta não chegaria). Só que vejo aí dois problemas: primeiro, a esmagadora maioria das pessoas não tem capacidade técnica nem hipótese de obter a informação necessária a fazer as suas escolhas no âmbito dos cuidados de saúde (ao contrário do que dizem os optimistas, não basta procurar na internet, e isso assumindo que toda a gente tem internet), segundo, o conceito de "despesas-catástrofe" é muito ambíguo, e com os preços actuais dos cuidados de saúde não seria muito difícil ultrapassar qualquer conta-poupança razoável.

Portanto, gostaria muito que não dessem cabo do nosso sistema de Saúde, que com todos os defeitos que tem ainda é dos bons serviços públicos que temos. E que não digam que não é viável - o sistema no Canadá é público, e funciona muito melhor do que o dos Estados Unidos. E sobretudo, detesto ouvir a retórica economicista que pretende justificar opções políticas com motivos técnicos.

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