quinta-feira, outubro 19, 2006
Cadernos de Guerra, de Jean-Paul Sartre
Não sei por que acaso, mas tive este livro durante anos sem o ler, e só agora, depois de reler as memórias de Simone de Beauvoir e de ler as cartas de Beauvoir a Sartre e a Algren e As Palavras é que finalmente o li. Gostei muito - embora haja algumas partes um pouco maçadoras, como aquelas em que ele se alonga sobre conceitos filosóficos, a sua auto-análise e as reflexões sobre a guerra (ou melhor, o estar em guerra durante a espera que foi a drôle de guerre, antes do ataque alemão à Bélgica, Holanda e França), são muito interessantes. O estar em guerra mas não fazer guerra lembrou-me um outro retrato dessa mesma situação que vi recentemente no filme Jarhead - como pessoas de culturas diferentes reagem de forma diferente a situações que se repetem ao longo dos tempos. Mas sobretudo gosto sempre da forma como Sartre (e Beauvoir) procuravam compreender-se, a si próprios e ao mundo em que viviam, mesmo que muitas vezes não concorde com as suas opiniões. Próximo livro de Sartre a ler: as cartas ao Castor!
quarta-feira, outubro 18, 2006
The Undercover Economist, de Tim Harford
É o segundo livro sobre Economia para leigos que leio em poucos tempo (depois de Freakonomics). Gostei bastante mais deste - mais bem escrito, mais abrangente; sem ser aborrecido, parte de situações concretas do quotidiano para explicar os mecanismos gerais da Economia. Há uma defesa acérrima e entusiástica do mercado livre, por vezes ideias com que não concordo, mas no geral é muito claro e útil para entender melhor o mundo em que vivemos, o que é sempre bom.
domingo, outubro 15, 2006
Um Sol pálido e frio....
Li há dias numa carta de um leitor do Público uma definição do novo semanário Sol que achei perfeita: "um misto do Expresso com o 24 Horas e o Tal & Qual"... De facto, é isso mesmo - artigos curtos e superficiais, um visual péssimo, umas brejeirices para aligeirar (ainda mais...) e piscar o olho ao tuga, mais uns nomes sonantes para encher o olho - os manos Portas, cujo principal interesse deve ser o de serem manos e de partidos opostos, o Professor Marcelo, que devia ser amordaçado durante pelo menos um ano para ver se recupera a inteligência gasta em tantas opiniões, etc.
Não, ainda não é desta que temos um semanário de jeito, mas de resto outra coisa não seria de esperar do grande escritor Saraiva, que já presidira à imparável deterioração do Expresso.
sábado, outubro 14, 2006
Taxas moderadoras? - ou para onde vamos?
Discordo totalmente das chamadas "taxas moderadoras" para os internamentos, que não passam de mais um subterfúgio para poupar (e extorquir...) uns cêntimos, e são mais uma machadada no conceito do Serviço Nacional de Saúde que, ao contrário do que as pessoas adoram dizer, é dos serviços públicos que melhor funciona em Portugal.
Para já, a ideia de "taxa moderadora" aplicada a um internamento é ridícula. As taxas moderadoras surgiram nas Urgências hospitalares com o objectivo de moderar, precisamente, a afluência de falsas-urgências, pois as pessoas sabiam que eram mais rapidamente e mais bem atendidas do que se fossem esperar para os Centros de Saúde (na Urgência, além de serem vistas por médicos muitas vezes mais diferenciados, despachavam logo os exames complementares e saíam medicadas). Era vulgar, por exemplo, quando eu fazia bancos no Hospital de S.José, aparecerem pessoas às 3 da manhã com motivos como falta de vista, constipações, insónias ou mesmo pedindo clisteres, e acrescentando com um ar matreiro: "Já sei que a esta hora me despacho num instante!". Depois, o conceito foi alargado a consultas e exames complementares. Mas por muito que se "elastifique" o conceito, é impossível "moderar" os internamentos taxando os doentes, tendo em conta que não são eles que decidem se são internados nem quando têm alta. E o detalhe de "a partir dos 14 dias de internamento passa a ser considerada doença muito grave e não pagam" então, é o máximo. Suponho que por esta lógica um enfarte, cujo tempo de internamento raramente excede uma semana, ou uma cirurgia oncológica, não são muito graves.
Mas o que acho mais grave é a continuação do ataque insidioso ao Serviço Nacional de Saúde, à sombra da muito propalada ideia de que "é inviável", de que "o Estado não pode suportar os gastos". Eu acho que pode, e que deve. É para isso que existe o Estado, que existem os impostos, para nos garantir algumas necessidades básicas, como a Saúde e a Segurança. E por mais voltas que dêm ao assunto, trata-se no fim de contas de uma questão de prioridades. Claro que é preciso gerir bem o dinheiro, para evitar desperdícios, que existem. Mas a solução não é acabar com o sistema, que funciona. Qual é a alternativa? Um sistema de saúde privado, assegurado pelos seguros? Para isso é que não há dinheiro, como se vê aliás nos Estados Unidos - excelentes cuidados de saúde para quem é rico e pode pagar os prémios principescos das seguradoras, e uma miséria para os restantes. Li há pouco num livro uma proposta de um sistema alternativo - uma conta-poupança obrigatória (em vez dos descontos para a saúde) que seria gerida pelo própsio, e um seguro para as "despesas-catástrofe", aquelas que seriam demasiado grandes e que esgotariam a conta de imediato (aliás, para as quais a conta não chegaria). Só que vejo aí dois problemas: primeiro, a esmagadora maioria das pessoas não tem capacidade técnica nem hipótese de obter a informação necessária a fazer as suas escolhas no âmbito dos cuidados de saúde (ao contrário do que dizem os optimistas, não basta procurar na internet, e isso assumindo que toda a gente tem internet), segundo, o conceito de "despesas-catástrofe" é muito ambíguo, e com os preços actuais dos cuidados de saúde não seria muito difícil ultrapassar qualquer conta-poupança razoável.
Portanto, gostaria muito que não dessem cabo do nosso sistema de Saúde, que com todos os defeitos que tem ainda é dos bons serviços públicos que temos. E que não digam que não é viável - o sistema no Canadá é público, e funciona muito melhor do que o dos Estados Unidos. E sobretudo, detesto ouvir a retórica economicista que pretende justificar opções políticas com motivos técnicos.
domingo, outubro 08, 2006
Duas Exposições
Enquanto estive em Nova Iorque, vi duas excelentes exposições:
No Limits, Just Edges: Jackson Pollock Paintings on Paper - Há muito tempo que Jackson Pollock é o meu pintor americano favorito, penso que desde a minha primeira ida aos Estados Unidos e a descoberta das suas telas "ao vivo". Por pouco perdi esta exposição (vi-a no último dia), o que teria sido uma pena. Além de vários desenhos magníficos, mostra a evolução do pintor ao longo de 25 anos, o que é sempre extremamente interessante, sobretudo quando, como no caso, se dá a passagem do figurativo ao abstracto. (Lembro-me de ver há uns anos uma exposição de Mondrian no CCB que também abarcava esta evolução, e que me fez apreciá-lo mais.)
Como brinde, tive a exposição que estava na rampa espiral, que não me teria atraído só por si mas que foi uma agradável descoberta: o trabalho do atelier de arquitectura de Zaha Hadid, que eu não conhecia, com maquetas e fotografias espectaculares, e admiravelmente exposto, em que o interesse pela obra vai crescendo à medida em que se avança pela espiral. E o edifício de Frank Lloyd Wright é sempre um prazer de redescobrir.
Cézanne to Picasso: Ambroise Vollard, Patron of the Avant-Garde - Esta vi-a por acaso; reparámos nos cartazes ao passar em frente do Metropolitan e uma amiga (que aprecia mais os impressionistas que os expressionistas abstractos e que estava um tanto céptica quanto à de Pollock - depois rendeu-se, devo dizer em seu abono!) teve vontade de ver e entrámos. Foi uma sorte, porque a exposição é excelente. Muitas obras dos melhores pintores dos fins do século XIX e princípios do XX passaram pelas mãos de Vollard, e a exposição apresentava uma colecção notável, sobretudo de Cézanne, Gauguin e Picasso, com alguns quadros muito bons de Renoir, Degas e outros. Os retratos de Vollard deixam-nos verdes de inveja - que sorte ser retratado daquela forma por aqueles pintores! Sobretudo os de Cézanne e Picasso, que são soberbos. Gostei também especialmente dos livrinhos de poemas de Verlaine ilustrados por Rouault. E claro, aproveitei para rever as galerias de impressionistas e de Rodin do Metropolitan, que são talvez as melhores do mundo, mesmo incluindo o Musée d'Orsay.
No Limits, Just Edges: Jackson Pollock Paintings on Paper - Há muito tempo que Jackson Pollock é o meu pintor americano favorito, penso que desde a minha primeira ida aos Estados Unidos e a descoberta das suas telas "ao vivo". Por pouco perdi esta exposição (vi-a no último dia), o que teria sido uma pena. Além de vários desenhos magníficos, mostra a evolução do pintor ao longo de 25 anos, o que é sempre extremamente interessante, sobretudo quando, como no caso, se dá a passagem do figurativo ao abstracto. (Lembro-me de ver há uns anos uma exposição de Mondrian no CCB que também abarcava esta evolução, e que me fez apreciá-lo mais.)
Como brinde, tive a exposição que estava na rampa espiral, que não me teria atraído só por si mas que foi uma agradável descoberta: o trabalho do atelier de arquitectura de Zaha Hadid, que eu não conhecia, com maquetas e fotografias espectaculares, e admiravelmente exposto, em que o interesse pela obra vai crescendo à medida em que se avança pela espiral. E o edifício de Frank Lloyd Wright é sempre um prazer de redescobrir.
Cézanne to Picasso: Ambroise Vollard, Patron of the Avant-Garde - Esta vi-a por acaso; reparámos nos cartazes ao passar em frente do Metropolitan e uma amiga (que aprecia mais os impressionistas que os expressionistas abstractos e que estava um tanto céptica quanto à de Pollock - depois rendeu-se, devo dizer em seu abono!) teve vontade de ver e entrámos. Foi uma sorte, porque a exposição é excelente. Muitas obras dos melhores pintores dos fins do século XIX e princípios do XX passaram pelas mãos de Vollard, e a exposição apresentava uma colecção notável, sobretudo de Cézanne, Gauguin e Picasso, com alguns quadros muito bons de Renoir, Degas e outros. Os retratos de Vollard deixam-nos verdes de inveja - que sorte ser retratado daquela forma por aqueles pintores! Sobretudo os de Cézanne e Picasso, que são soberbos. Gostei também especialmente dos livrinhos de poemas de Verlaine ilustrados por Rouault. E claro, aproveitei para rever as galerias de impressionistas e de Rodin do Metropolitan, que são talvez as melhores do mundo, mesmo incluindo o Musée d'Orsay.
quinta-feira, outubro 05, 2006
New York
Alguns dias em Nova Iorque - um "banho" de ciência, cultura, gastronomia, passeio e compras. Fisicamente cansativo, mas mental e emocionalmente relaxante. Nova Iorque é sempre divertido e estimulante, a cidade por excelência, em que se se pode fazer tudo e encontrar de tudo a praticamente qualquer hora, aquilo que, juntamente com o anonimato e o cosmopolitismo, representa para mim a verdadeira civilização urbana. Soube-me bem andar quilómetros, quer pelas avenidas quer pela Greenwich Village (a minha zona favorita de Manhattan), servir de cicerone a uma amiga que ia lá pela primeira vez, revisitar museus (fui pela primeira vez ao American Museum of Natural History, de que gostei imenso, e visitei o MoMA renovado), perder-me nas salas da labiríntica Barnes & Noble, ouvir blues ao vivo num bar da Village, comer em restaurantes de diferentes nacionalidades cada dia. Se facto, sair da rotina é das melhores actividades da vida.
terça-feira, outubro 03, 2006
Leisure
What is this life if, full of care,
We have no time to stand and stare?
No time to stand beneath the boughs
And stare as long as sheep or cows.
No time to see, when woods we pass,
Where squirrels hide their nuts in grass.
No time to see, in broad daylight,
Streams full of stars, like skies at night.
No time to turn at Beauty’s glance,
And watch her feet, how they can dance.
No time to wait till her mouth can
Enrich that smile her eyes began.
A poor life this if, full of care,
We have no time to stand and stare.
W.H. Davies