segunda-feira, maio 08, 2006

Tagabismos e anti-tabagismos


Já algumas vezes tive vontade de escrever sobre a questão das medidas contra o tabagismo, que se tornou sinónimo de discriminação contra os fumadores. Em geral, as pessoas tendem a tomar uma de duas posições: ou são intensamente anti-tabaco, proclamando que fumar é um crime e uma “porcaria” e que os fumadores são uma escória da Humanidade pelo simples facto de fumarem, ou são arrogantemente anti-anti-tabagistas (já que mesmo os fumadores geralmente não conseguem defender o tabagismo em si), e arvoram o estandarte da defesa das liberdades individuais contra os totalitarismos.

Ora eu discordo destas duas atitudes, que acho aliás bem representativas da nossa sociedade ocidental contemporânea que, seguindo o exemplo americano, tanto gosta de rotular comportamentos, extremar posições e exercer julgamentos morais. Como em tantos outros casos, o gosto de polemizar e a intolerância dominam e abafam os problemas.

Em primeiro lugar, é claro que o tabaco faz mal à saúde. Ninguém hoje em dia ignora isso – e, apesar de haver já processos ganhos às tabaqueiras de pessoas que adoeceram por causa do tabaco, acho que sempre se soube que fazia mal, mesmo que não os pormenores – mesmo os miúdos que começam a fumar. Aliás, o “fazer mal” é provavelmente um dos atractivos do acto, tal como parecer cool, provar o fruto proibido ou desobedecer aos pais.

Quanto ao tabagismo passivo, por mais que alguns fumadores reclamem, também é claro que faz mal. O que não é por vezes fácil de estabelecer é o grau de fumo passivo absorvido em cada circunstância, logo, o grau de risco, mas penso que qualquer alma sensata percebe que é alto num ambiente fechado e com muita densidade de fumo, menor em espaços mais amplos, e negligenciável ao ar livre.


Faço estas considerações iniciais para abordar o tema da actualidade – as leis anti-tabaco, nomeadamente a proibição de fumar em espaços fechados, como cafés, restaurantes, locais de trabalho (escritórios, escolas, hospitais, etc), discotecas. Os cruzados anti-tabaco bradam sobre os perigos do fumo passivo, os fumadores ripostam com a liberdade individual.

Eu sou contra fundamentalismos e fanatismos, e irritam-me soberanamente as intolerâncias em nome das virtudes, incluindo em nome da saúde. Mas penso que neste caso, são os opositores das leis que estão a ser intolerantes e disparatados. Se fumar é prejudicial à saúde e susceptível de incomodar outros utilizadores dos espaços (obviamente quando estes são fechados, provocando densidades de fumo suficientes para serem sentidas), e não se tratando de um acto propriamente necessário à vida, é difícil sustentar a defesa dessa posição sem cair em argumentos pouco sólidos. A liberdade individual? Não me parece assim tão atacada por não se poder fumar num café ou num bar, onde se vai por prazer e de onde se pode sair a qualquer altura – nomeadamente para fumar lá fora. Há anos que não se fuma nos aviões e autocarros ou cinemas, e duvido que alguém com juízo vá defender a reinstituição desse direito.

Como tantos hábitos nocivos, acho que este deve ser permitido na medida em que prejudique apenas quem o faz. Fumar deve ser um prazer, não um vício sofrido nem uma imposição aos outros. Não me digam que os pobres fumadores não conseguem estar sem fumar quando vão ao café ou à discoteca, ou quando esperam por uma consulta no hospital ou no trabalho. E também não me digam que os não fumadores se incomodam com o fumo na praia ou em plena rua… Então é melhor pensarem em banir também os escapes dos carros e os maus cheiros em geral.

Discordo profundamente que as medidas anti-tabagismo – que acho necessárias e úteis por uma questão de saúde pública, e só alguém muito desonesto pode negá-lo – se baseiem na estigmatização dos fumadores, quer como assassinos pelo fumo passivo quer como desgraçadinhos nicotinodependentes, quer como porcos grosseirões (como nuns anúncios em que fumar era depreciativamente comparado com expelir gases intestinais – mas que espírito fino e elegante, o destes publicitários!) Acho que deve basear-se, sim, na informação sobre os malefícios verdadeiros do tabaco – e não é preciso inventar, os existentes são mais do que suficientes –, no aumento do preço, que é sempre um factor dissuasor, e na diminuição da facilidade em fumar, com medidas como esta da restrição dos locais de fumo. Não me parece nenhuma medida fascizante, apenas sensata. E, apesar de eu próprio fumar, será muito agradável poder ir a um café ou um bar e não sair de lá malcheiroso, ou de poder subir as escadas do meu hospital e não me sentir como numa chaminé. Mas também, se já passámos o tempo em que fumar era sinal de glamour e quem não fumava era totó, não caiamos no outro extremo, em que fumar é pior que ser leproso ou… peidoso!

1 comentário: