Chegado à cidade com estas reservas, rapidamente as perdi. No trajecto do aeroporto até ao hotel em Sultanahmet, encontrei-me numa paisagem urbana praticamente igual à dos arredores de Lisboa, e a visão do Mar de Mármara com numerosos barcos era-me completamente familiar. Ficámos num hotel muito central em Sultanahmet, no coração da velha Constantinopla. É a zona mais bonita da cidade, repleta de mesquitas, velhas casas, cafés e restaurantes, lojas e turistas. Depois de um passeio ao acaso pelas ruas para ter uma ideia do ambiente - semelhante ao de qualquer grande cidade turística, com algumas características particulares à cultura local - e de experimentar um sumo de romã dos vendedores de rua e o primeiro chá de maçã (elma çay, delicioso) num dos muitos cafés de mesinhas baixas e almofadas turcas, começámos por visitar um dos monumentos que mais vontade tinha de conhecer: Santa Sofia.
Visitar Santa Sofia, para um amante de História como eu, depois de ler Gibbon, é um sonho tornado realidade, e não me decepcionou minimamente. Não só a estrutura arquitectónica é bela e impressionante - não por acaso serviu de modelo a todas as grandes mesquitas da cidade - como a vastidão do interior é impressionante ainda hoje, 15 séculos depois da sua construção.
Depois de Santa Sofia, visitámos a Basílica Cisterna, uma vasta floresta de colunas romanas com um ambiente mágico. Seguiu-se o palácio Topkapi, onde se entra depois de passar a Sublime Porta (mais uma vez, quantos ecos históricos!). O tão celebrado tesouro, com as suas sumptuosas peças de joalharia e os montes de esmeraldas do tamanho de ameixas impressionou-me menos do que a graciosidade e conforto dos pavilhões e das salas do Harém, com os seus painéis de azulejos e divãs forrados de tapetes turcos, e as primeiras vistas sobre o Bósforo, o Corno de Ouro e o bairro de Beyoglu.
A Mesquita Azul foi a primeira em que entrei. O exterior é belíssimo, com as suas cúpulas sobrepostas, o interior é grandioso e magnificamente decorado com azulejos; a vastidão do espaço disponível para os homens contrasta com a espécie de armário ao longo da parede fechado por painéis de madeira perfurada destinado às mulheres - testemunho de como o lugar das mulheres na religião islâmica se mantém subalterno e pouco dignificado.
O colorido e animado cais de Eminönü, junto à ponte de Galata que atravessa o Corno de Ouro ligando Sultanahmet a Beyoglu (a antiga Pera), é de onde saem os numerosos ferries, invejáveis para quem, como eu, está habituado aos dilapidados barcos da Transtejo. Vendedores de castanhas, de maçarocas de milho, de sanduíches de peixe, homens apregoando os cruzeiros no Bósforo, multidões de citadinos e turistas. Ao lado, a Mesquita Nova (fim do século XVI), e o espectacular Bazar das Especiarias, com a sua abundância de frutos secos, doces, cafés, lâmpadas, almofadas e, claro, especiarias, e a agradável surpresa de, ao contrário das melgas marroquinas, os vendedores turcos nada insistentes, simpáticos e com sentido de humor. Uma verdadeira orgia de cores e cheiros.
Percorremos a Istiqlal Caddesi, uma espécie de Oxford Street em Beyoglu, entrando nas livrarias (onde comprei alguns livros de autores turcos aconselhados pelo empregado) e parando para mais um çay num café onde um homem preparava o café à moda turca, até à Praça Taksim, uma espécie de Martim Moniz hipertrofiado. Uma viagem de metro levou-nos ao distrito financeiro de Levant, uma zona ocidentalizada e incaracterística de arranha-céus e um grande centro comercial moderno onde se entra passando por um detector de metais semelhante aos dos aeroportos - a polícia turca leva a segurança muito a sério, provavelmente em parte devido aos países vizinhos, que incluem o Irão, o Iraque, a Síria, a Geórgia e a Arménia.
Subimos o Corno de Ouro até Eyüp, uma zona sossegada de casas tradicionais e cemitérios à volta de uma mesquita dedicada ao túmulo do porta-estandarte de Maomé. As orações de sexta-feira atraíam multidões de muçulmanos, com tapetes estendidos no pátio da mesquita ampliando o recinto religioso, as mulheres todas de lenço islâmico e muitas de niqab. Um teleférico levou-nos até ao cimo da colina, onde fica o café Pierre Loti, com um interior de divãs e mesinhas baixas e um terraço com uma vista magnífica sobre o Corno de Ouro.
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Fener, o antigo bairro dos cristãos ortodoxos e
judeus, é uma zona sossegada e pobre, com um aspecto quase rural, com galinhas, cordas de roupa estendida, velhas casas de madeira belíssimas a cair de abandono, crianças empreendedoras que nos conduziram à igreja bizantina de Pamakaristos em troca de algumas liras - bem o mereceram, já que eram as pessoas mais bem informadas e com um inglês mais perceptível que ali encontrámos. O bairro de Fatih, onde se concentra a população mais devota e conservadora da cidade, é um pouco opressivo - todas as mulheres veladas, quase todas de niqab, os homens de turbantes, as lojas vendendo os negros chadors e niqabs ou livros de orações e propaganda islâmica.
Depois de Fatih, novamente a animação cosmopolita da zona do Grande Bazar. A mesquita Suleymania estava fechada para obras, só pudemos visitar os magníficos túmulos de Suleimão o Magnífico e da sua consorte Roxelana, uma espécie de Lívia otomana. O labirinto do Grande Bazar, com os seus milhares de lojas, é menos atarente que o Bazar das Especiarias, mas vale a pena visitar, nem que seja pelas numerosas lojas de tapetes.
A subida do Bósforo decepcionou-me; é verdade que há belas casa e palácios, e a Fortaleza da Europa, um castelo do século XV construído antes da conquista de Constantinopla, é muito bonito. Subimos até Kanlica, a terra dos famosos iogurtes, mas gostei muito mais de Besiktas, uma zona animada e completamente ocidentalizada, com miúdos a andar de skate e cafés cheios de jovens de ambos os sexos a jogar gamão e a fumar narguilé, um completo contraste com as mulheres de negro de Fatih. Üsküdar, no lado asiático, é uma zona bastante incaracterística, pouco interessante a não ser pela mesquita (mais uma projectada pelo infatigável Sinan, arquitecto do século XVI responsável por montes de mesquitas em Istambul) e sobretudo pelas vistas sobre Sultanahamet, com o perfil de cúpulas e minaretes que admirámos ao pôr-do-sol.
Cidade de grandes contrastes - as raparigas fumando narguilé em Besiktas e as mulheres de negro em Fatih -, da beleza arquitectónica das mesquitas com as suas cúpulas e minaretes e das casas de madeira mas também de urbanizações tipo J.Pimenta, do canto dos muezzins saindo dos megafones dos minaretes e da música kitsch do pop turco aos berros das lojas de discos, suficientemente ocidentalizada para ser familiar e segura e com sinais de islamismo a cada esquina.
E gatos, gatos por todo o lado, nos pátios das mesquitas, nos cemitérios, nos cafés, brincando com as mercadorias das lojas, instalados nos passeios com a segurança de quem é bem tratado e respeitado por toda a gente.
Fiquei com vontade de voltar, e de conhecer mais da Turquia. Viajar é realmente um dos maiores prazeres da vida.
E viajar com as tuas palavras e as tuas fotografias é um prazer para mim, que também adoro viajar!
ResponderEliminarBeijinhos :**