sexta-feira, junho 16, 2006

Jarhead, de Sam Mendes


Gostei do filme Jarhead, de Sam Mendes. Aborda de uma forma interessante um tema menos apelativo que o heroísmo ou a solidariedade - a desumanização da personalidade na criação de um soldado, a perda da identidade e a sua substituição por uma padrão de reflexos condicionados e reacções estereotipadas que, ironicamente, vão tornar-se por sua vez uma fonte de instabilidade ao se revelarem desnecessárias no terreno. É essa desumanização que é mostrada na progressão da recruta, nas actividades de preenchimento do tempo interminável da espera, nas reacções violentas aos contratempos, e por vezes de forma irónica, como quando os recrutas vêem uma cena de Apocalypse Now com a reacção exactamnete oposta à desejada pelo autor do filme. E as tentativas dos homens de resistirem a essa desumanização, de se agarrarem aos pedaços de identidade que vão perdendo, pareceram-me os momentos mais fortes do filme - como o sonho ao som de Something in the Way, dos Nirvana, um bom exemplo da utilização da música nos filmes para fins emocionais sem cair na lamechice.

O filme é interessante também pelo relato da Guerra do Golfo do ponto de vista de um soldado participando na operação e não particularmente informado, que tem da guerra uma perspectiva limitada a uma série de pormenores que, precisamente por desconhecer o quadro geral, lhe parecem absurdos. Sempre gostei desse género de testemunhos pessoais de "grandes acontecimentos", que lhes conferem uma dimensão humana e no-los apresentam como provavelmente foram realmente vividos (um bom exemplo é o relato da batalha de Waterloo vista por Fabrício em O Vermelho e o Negro).

Esteticamente, tem belas imagens - as cenas do deserto, com o seu ambiente de extra-realidade -, uma excelente banda sonora e, apesar de tratar extensamente do aborrecimento da espera, não é nada aborrecido, e é bem interpretado - gostei de Jake Gyllenhaal no seu papel de perda da inocência, e de Peter Sarsgaard como o homem que se agarra ao seu papel de soldado como o único sentido que lhe resta, quanto a Jamie Foxx, a personagem do sargento instrutor preto durão já me parece um bocado batido.

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