domingo, outubro 26, 2008

The Shock Doctrine, de Naomi Klein

Mais um excelente livro para nos fazer compreender melhor os mecanismos do sucesso da ideologia neoliberal, e para nos lembrar que a economia não é independente da política e vive-versa. A tese de Naomi Klein, extremamente bem documentada (em alguns pontos até demasiado exaustivamente), é assustadoramente simples, e óbvia quando considerada. Acho que este livro devia ser leitura obrigatória para todos os neoliberais e capitalistas "de café", os tontos que acreditam e defendem as ideias habilmente propagandeadas pelos seguidores de Milton Friedman e que tanto sucesso têm gozado nas últimas décadas, com os belos resultados que se têm visto. Mas a política, e a economia, como tudo o resto, também são de modas. De certa forma, a recente crise financeira foi uma boa coisa, ao deitar um balde de água fria sobre os entusiasmos desreguladores - de que sem dúvida algumas pessoas beneficiam, mas não a maioria - e talvez se ponha um travão à orgia neoliberal. E talvez o facto do Nobel deste ano ter sido dado a um crítico dessa ideologia também seja um bom sinal. Quem sabe? Talvez vejamos em tempo útil a reabilitação das actualmente tão vilipendiadas ideias de Keynes e as pessoas reconheçam que afinal as ideias do Estado-providência que criaram tanto bem-estar na Europa são dignas de ser defendidas.

terça-feira, outubro 14, 2008

O Senhor das Almas, de Irène Némirovsky

Não tão bom como O Baile, e muito longe do excelente Suite Francesa, mesmo assim O Senhor das Almas é um romance interessante, sobre a ambição e a fragilidade humanas. Gostei muito desta passagem, que me impressionou pela justeza com que descreve a doença da ansiedade generalizada: "...certas angústias inexplicáveis. Wardes tinha medo de se ver no meio de muita gente, de atravessar uma ponte, de entrar num automóvel ou numa carruagem de caminho de ferro. Esta doença mental, que oscilava entre a melancolia e a violência, doença lenta, quase invisível para outrem, mas terrível, e a que Wardes chamava, nas suas cartas a Dario, 'um cancro da alma', chegara ao seu período de depressão, a esse abatimento sombrio feito de um silêncio e de uma imobilidade de morte que acabam por satisfazer o espírito; este deixa de procurar sair das trevas que o rodeiam e adormece num torpor profundo."

domingo, outubro 05, 2008

Marraquexe


Estive alguns dias em Marraquexe, e foram umas pequenas férias estupendas. Nunca tinha estado no Norte de África; esperava um choque cultural, mas este foi apesar de tudo menor do que imaginava. É certo que houve dois aspectos que por vezes me irritaram e chegaram a provocar-me momentos de exasperação: um, a "melguice" constante dos marroquinos, não só a pressionar para vender coisas, o que muitas vezes era contra-producente, pois não me sentia à vontade para ver os produtos com calma e fugia, como a insistência em prestar "serviços" desnecessários - é quase impossível determo-nos um instante na rua para consultar um mapa ou tentar orientar-nos sem sermos assediados: "que cherches tu?", "fermé par là!", "espagnol? italien?", "la place?", etc; o outro, as multidões apressadas nas ruelas estreitas à hora de ponta das 18:30, com inúmeras motoretas, bicicletas, e frequentemente furgonetas, carrinhos de mão ou caleches, tudo a grande velocidade, aos gritos e buzinadelas.

Mas o resto compensou plenamente, e adorei a cidade. Fiquei num riad na medina, descoberto através do blog http://www.joaoleitao.com/viagens/, que aproveito para recomendar. Foram uns dias com verdadeiro sabor a férias, passados noutro mundo - o labirinto de ruelas estreitas, com arcadas e portas baixas, onde me perdi várias vezes, a cor ocre-avermelhada da cidade, o colorido dos souks, dos tapetes, dos montes de especiarias, das pilhas de frutos secos, das lanternas, das pratas, os perfumes da hortelã e especiarias, a vida fervilhante e sempre em mutação da praça Jamaa al Fna, as mulheres, a maior parte muito bonitas, de túnicas e lenços, muitas veladas, os homens de djellabas e babuchas, os grandes cafés à moda antiga, com esplanadas e terraços, onde tão bem sabia descansar bebendo café ou chá de menta e imaginar-me a ler e a escrever sem pressas, a comida saborosa, os inúmeros gatos.

Soube-me bem ser turista por uns dias: visitar a magnífica medersa Ben Youssef e os túmulos Saadianos, que foi quase como voltar ao Alhambra, tirar as fotos kitsch da praxe com serpentes ao pescoço e macacos nos ombros na Jamaa al Fna, comprar nos souks um bule, brincos de prata e tapetes berberes que parecem quadros de Klee.

Enfim, cada vez aprecio mais estas saídas da rotina, que são uma verdadeira recuperação de energia mesmo se fisicamente cansativas - anda-se quilómetros, mas como é bom estar longe, e ter experiências como contemplar do terraço do Café Glacier ou do Café de France o fim da tarde na Jamaa al Fna, com a luz a declinar sobre os terraços pejados de antenas parabólicas, a Koutoubia destacando-se contra o céu, e o eterno e variado movimento da praça.