segunda-feira, abril 30, 2007

Gouttes d'eau sur Pierres Brûlantes, de François Ozon


Muito bom este filme, adaptação por François Ozon de uma peça de Fassbinder. Quatro personagens num apartamento, uma mise en scène irónica e dura, o amor, a dependência, a dependência do amor. Excelente a imagem final da personagem interpretada por Anna Thomson encurralada. O melhor filme que vi de Ozon, a par de Le Temps qui Reste.

quinta-feira, abril 26, 2007

Ana Karenina, de Leão Tolstoi


Reler Ana Karenina é sempre um prazer, embora depois de reler também Guerra e Paz este se tenha tornado o meu preferido de Tolstoi. Provavelmente por ser mais vasto e abrangente, e por as questões nele abordadas actualmente me interessarem mais. Mas claro que isso não retira méritos a Ana Karenina, que me fascinou aos 15 anos e se mantém um livro excelente.

A história é por demais conhecida: o drama de Ana Karenina, destruída pela pressão das convenções que afronta ao deixar o marido por outro homem, e a par os dilemas existenciais de Levine que, tal como Pierre Bezukhov em Guerra e Paz, reflecte as preocupações do autor sobre o sentido da vida. E, tal como Pierre, Levine encontra o apaziguamento no final ao aceitar a vida como ela é e ao tomar como o seu objectivo o cumprimento do bem, no sentido dos valores de uma ética humanista desenvolvida pela nossa civilização ao longo dos séculos, e a que ele à falta de melhor termo chama fé. Mas mesmo ao dar-lhe esse nome e ao aceitar que ele se personifica na religião, ao referir todos os outros, a humanidade não cristã (e lembremo-nos que a religião de Tolstoi não é a católica mas a ortodoxa), torna claro que pensa nos valores éticos, e não em revelações, dogmas ou credos.

E mais uma vez me delicio com a perspicácia e sensibilidade de Tolstoi na construção das suas personagens, que são incrivelmente reais, mais uma vez dou comigo a pensar: "é exactamente assim!".

"Ela apareceu-lhe de repente, ou pelo menos o que restava dela, quando, entrando como um doido na barraca junto da linha, para onde a haviam transportado, viu o seu corpo [...] Os lábios entreabertos pareciam prestes a proferir ainda a sua terrível ameaça e predizer-lhe, como na sua última entrevista, "que ele se arrependeria". Por mais que quisesse, desde então, evocar o seu primeiro encontro, também na estação, procurar revê-la na sua poética e encantadora beleza quando, transbordante de vida e de alegria, ela ia para a felicidade e a sabia dar, era sempre a sua imagem irritada e animada duma implacável necessidade de vingança que ele revia, e as alegrias do passado ficavam-lhe envenenadas para sempre..."

quarta-feira, abril 25, 2007

A Derrocada, de Émile Zola


Há anos que não lia um livro de Zola, quase me esquecera de como a sua escrita é dramática e poderosa, pontuada por momentos de ternura mas terrivelmente cruel no seu realismo implacável. A Derrocada é um dos livros da série dos Rougon-Macquard, que já li quase toda, sobre a guerra franco-prussiana e a Comuna de Paris. É um execelente manifesto contra a guerra, mostrada em toda a sua violência, crueza e fealdade, abundando em mortos, estropiados, ruína, cheiros, miséria, fome, esgotamento, terror físico e moral. Aliás, Zola é sempre palavroso e detalhado nas suas descrições (as Halles em O Ventre de Paris, o armazém em O Paraíso das Damas) e pormenoriza cruelmente a progressão da desgraça, que parece sempre inevitável e fatal (mesmo nos momentos de acalmia, há sempre uma sensação de desgraça iminente; lembro-me de ter achado A Taberna um dos livros mais cruéis que li e ainda me acontece associá-lo a qualquer sensação de impending doom). Outros exemplos dessas descrições implacavelmente pormenorizadas de Zola: a ruína de Nana, a demência alcoólica de Coupeau.

Um livro como este sobre a guerra, tal como os de Remarque (A Oeste Nada de Novo e Tempo Para Amar e Tempo Para Morrer) é o melhor argumento pacifista, melhor ainda que filmes como Letters from Iwo Jima, em que apesar de tudo há uma certa poesia e beleza que envolve toda a história. Aqui não há mesmo nada de poético, nem música de fundo.

25 de Abril


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


de Sophia de Mello Breyner Andresen

Não sou muito de celebrar efemérides, mas numa altura em que a estupidez está tão generalizada pelos media que até parece que as pessoas têm saudades de Salazar e do Estado Novo, acho importante relembrar e comemorar um acontecimento que nos permitiu viver como vivemos hoje - em liberdade e democracia, mesmo com todos os incuráveis defeitos do nosso país. Aos idiotas que acham que Portugal era melhor nos tempos da ditadura, do medo, do isolamento e da mediocridade, sugiro uma visitinha à Coreia do Norte, que deve ser o país que actualmente mais se aproxima do que isto era.

terça-feira, abril 24, 2007

Broken Flowers, de Jim Jarmusch


Uma boa ideia, bem desenvolvida, com excelentes interpretações femininas (Bill Murray também não está mal, mas não é um actor que eu aprecie muito). Gosto de road movies, e gostei que o filme fosse acumulando pistas sem dar respostas definidas. As personagens são apresentadas de forma intimista e afectuosa, e gostei particulamente da atenção com que o realizador mostra os detalhes - os quartos, as paisagens, os objectos, os gestos. No conjunto, um bom filme, um tanto melancólico, mas repleto de pequenos toques de humor e de sensibilidade que deixam boa impressão.

sexta-feira, abril 20, 2007

A campanha Novas Oportunidades


Assim é que a campanha Novas Oportunidades devia ser! Com efeito, qual é a ideia de apresentar pessoas famosas, glamorosas, obviamente bem sucedidas na vida, com o rótulo "este(a) é o(a) fulano(a) que não acabou os estudos"?! Parece pelo contrário um incentivo ao velho argumento das crianças quando se lhes diz que têm de estudar: "Mas o Cristiano Ronaldo não estudou e ganha montes de dinheiro!", ou tantos outros exemplos!

O que é preciso é mostrar outros exemplos às crianças - as bem mais numerosas pessoas que não passam da cepa torta. Não sei de facto o que passou pela cabeça aos publicitários envolvidos... Acho uma das campanhas mais mal concebidas dos últimos tempos! E já descontando a ironia de aparecer precisamente na altura da discussão bizantina à volta dos estudos de Sócrates...

quinta-feira, abril 19, 2007

Year of the Horse, de Jim Jarmusch

Soube-me muito bem ver na Cinemateca Year of the Horse, um documentário de Jim Jarmusch sobre uma tournée de Neil Young com os Crazy Horse em 1996. Sempre gostei imenso de Neil Young, desde os tempos da adolescência em que ouvi vezes sem conta After the Gold Rush e Comes a Time, ainda os meus discos favoritos dele. O documentário está muito bem filmado, sente-se bem que Jarmusch gosta muito da banda, retratando os seus elementos de forma initmista e afectuosa. A música é excelente, como não podia deixar de ser, e alguns momentos são soberbos, como as duas versões sobrepostas de Like a Hurricane, belíssimo, outros hilariantes, como aqueles em que se mostra a fauna dos concertos, ou poéticos, como os planos do céu contemplados do autocarro. Neil Young soube envelhecer, sem artifícios e com qualidade, o que é admirável num meio geralmente tão obcecado pela juventude. Rust never sleeps, mas ele não se deixou enferrujar.

sábado, abril 14, 2007

Uma sugestão


Há já muito tempo que tinha esta intenção, mas só recentemente me inscrevi como dador de medula óssea. É daquelas iniciativas que a maioria das pessoas nem se lembra, ou se se lembra não a toma por inércia - aliás, tal como eu até agora. Não custa nada e pode fazer a diferença para alguém, no caso de sermos compatíveis com algum doente que precise de um transplante de medula.

Para quem possa estar interessado, deixo algumas informações:

A medula óssea é um tecido regenerável, que pode ser doado sem problemas para o dador. O processo de doação é simples: graças à tecnologia actual, nomeadamente à utilização de eritropoietina, na maioria dos casos basta colher sangue, após receber algumas injecções de eritropoietina, um estimulante da produção de células do sangue, que raríssimamente pode causar alguns efeitos secundários. Nos pouco casos em que a colheita de sangue não é suficiente, faz-se uma punção da crista ilíaca para acolheita de medula directamente do osso - é um procedimento que se realiza sob anestesia local, ligeiramente desconfortável mas nada do outro mundo - não é pior do que extrair um dente, por exemplo, o que tanta gente faz apenas por motivos estéticos.

E como se inscrever? Muito simples. Basta ir ao site do Lusotransplante: está lá tudo explicado. Preenche-se um inquérito que se envia para a morada indicada e depois recebe-se a marcação para ir tirar sangue para análises.

Repito: não custa nada e pode fazer toda a diferença para alguém.

segunda-feira, abril 09, 2007

Portrait of a Marriage, de Nigel Nicolson (e V. Sackville-West)

Há bastante tempo que tinha curiosidade em ler Portrait of a Marriage, por múltiplas alusões encontradas em vários outros livros, devido às pessoas de quem se fala e a ser mais um elemento para conhecer uma geração que sempre me interessou profundamente. De certa forma, o livro revelou-se inferior às minhas expectativas, pois centra-se demasiado no caso de Vita Sackville-West com Violet Trefusis, e toda a intensidade do affair acaba por parecer hoje um pouco datada, tal como a imaturidade e tolice das duas raparigas se torna um bocado irritante. No entanto, o livro está bem escrito - tanto a parte de Vita escrita como autobiografia como a de Nigel Nicolson, e mais uma vez aprecio a forma honesta e arrojada para o tempo como o casal Harold - Vita viveu o seu casamento. De certa forma, é graças à geração do princípio do século XX que hoje gozamos da actual liberdade de costumes.

Logo na introdução fica a súmula do livro: "O meu pai aconselhou-me nas vésperas do meu casamento dizendo que 'dormir com apenas uma pessoa durante toda a vida seria como dizer "O Monte dos Vendavais é o maior romance da Literatura Inglesa, portanto nunca lerei outro"'. A infidelidade, pensava, tal como Vita, não causaria a destruição de um casamento a não ser que houvesse outras causas mais importantes. Frequentemente enriquece-o. Esta não era uma doutrina tão nova nos anos 20 como se pode imaginar. Era praticada, mas nunca recomendada. Nos anos 70, Portrait of a Marriage recomendou-a. Argumentou que o apoio mútuo em tempos de crise, gostos e interesses comuns e um desejo ocasional de afastamento eram laços mais fortes do que a compatibilidade sexual. Ouve-se falar de sexo sem amor: aqui tratava-se de amor sem sexo. [...] ...no século XX poderemos vir a aceitar que a maioria dos casamentos requerem o estímulo de relações emocionais, e provavelmente sexuais, extra-maritais, sem enfraquecer o casamento em si." No final, esta noção é reformulada: " Ela (Vita) lutou pelo direito a amar, homens e mulheres, rejeitando as convenções de que o casamento exije amor exclusivo, e que as mulheres devem amar apenas homens e os homens apenas mulheres".

Ou, segundo as palavras de Vita, numa antecipação de uma problemática que naquela época não se punha e que ainda hoje não está resolvida, e que é curioso encontrar tão bem exposta em 1920: "...porque é minha convicção que ao avançar dos séculos, e à medida que os sexos se tornam mais misturados em virtude das suas crescentes semelhanças, estou convencida de que estas ligações deixarão de ser consideradas como antinaturais, e serão muito melhor compreendidas, pelo menos no seu aspecto emocional, se não no físico. [...] Acredito que então a psicologia das pessoas como eu será objecto de interesse, e acredito que será reconhecido que muito mais pessoas do meu género existem do que é admitido no actual sistema de hipocrisia. [...] O primeiro passo em direcção dessa franqueza tem de ser pela admissão de relações normais mas ilícitas, e pela facilitação do divórcio, ou possivelmente mesmo pela reconstrução do sistema do matrimónio. Este avanço tem de vir necessariamente das classes mais educadas e liberais. Uma vez que "antinatural" significa "afastado da Natureza", apenas das mais civilizadas, porque menos naturais, classes sociais se pode esperar tolerância para com este produto da civilização." (Sim, ela era uma aristocrata snob, mas se formos honestos a questão das classes sociais não está tão ultrapassada como é politicamente correcto dizer e o seu argumento é perfeitamente actual.)

(As traduções são minhas, lamento não conservarem a elegância do discurso dos autores.)

domingo, abril 08, 2007

Um comentário interessante sobre um tema preocupante

Encontrei recentemente no Medscape um comentário de Gil Gaudia que achei interessante, sobre o problema muito actual do regresso em força do fundamentalismo religioso a que estamos a assistir, e que está perigosamente a imiscuir-se no terreno científico. Está bem escrito e chama em tom irónico a atenção para o problema de uma forma muio perspicaz. O título é About Intercessory Prayer: The Scientific Study of Miracles, e transcrevo alguns excertos (a tradução é minha, utilizei propiciatória como tradução de intercessory, penso que exprime o significado pretendido).

"Em Março de 2005, o meu artigo Searching in the Darkness: About Prayer and Medical Cures foi publicado como comentário no Medscape General Medicine. Fui motivado a escrevê-lo após ter visto que havia 15 artigos listados no Medscape sob o tema de “oração propiciatória”, e nessa altura achei difícil de acreditar que tantos investigadores gastassem tempo e recursos nesse empreendimento. Muitos destes estudos eram destinados a investigar a possibilidade de a oração poder influenciar o resultado de uma variedade de condições médicas, desde infertilidade a cirurgia cardíaca.

Na semana passada coloquei a palavra “oração” no motor de busca do Medscape e, para meu espanto, obtive uma lista de 136 artigos. Incrédulo, recorri ao Google com as palavras “propiciatória”, “oração”, “cura” e “medicina” e obtive 206000 resultados."

"Ao fazer investigação sobre os efeitos da oração, os investigadores médicos estão de facto a tentar estudar a existência de milagres, definidos como eventos extraordinários manifestando a intervenção divina nos assuntos humanos."

"Começo por declarar desde logo que não critico ninguém por rezar por si próprio ou por qualquer outra pessoa se assim o desejar. Nem nego que possa haver alguns benefícios para alguns indivíduos causados pela oração. Esta actividade pode estimular subtis mecanismos psicológicos e fisiológicos que, quando melhor compreendidos, poderão aumentar os benefícios estabelecidos da medicação e da cirurgia, como obviamente acontece nas doenças psiquiátricas. Tal como o efeito placebo, os alegados benefícios da oração podem resultar de sentimentos de bem-estar, optimismo e confiança que resultam de rezar e de práticas semelhantes como meditação ou relaxamento. Concordo que tudo isto pode existir e pode, e possivelmente deve, ser objecto de investigação científica legítima."

"Mas o tema do meu comentário não é a interacção da psicologia e fisiologia. As minhas observações dirigem-se apenas ao que a maioria das pessoas quer dizer quando dizem “Vou rezar por si”, cujo significado implica um pedido para a intervenção de um “poder superior”. O que esta referência à oração significa é que os desejos dos suplicantes serão ouvidos por algum agente e se este for convencido a actuar – o curso dos eventos será mudado para melhor de acordo com a oração. Assim, o significado de “oração propiciatória”, de que trata este comentário, é o estudo da existência de milagres, o que implica o estudo da existência de Deus."

"Há uma incrível ironia em todas as “experiências” anteriores envolvendo a oração propiciatória. Todas elas têm procurado uma evidência do tipo mais trivial que poderia mesmo ser tomada por efeito placebo ou artefacto estatístico, de um alegado Poder de uma magnitude inimaginável. Poder que presumivelmente foi a fonte da espantosa criação de ctenas de biliões de galáxias, que são compostas por centenas de triliões de estrelas, dotadas de singularidades e “buracos negros” possuindo imensa gravidade e esmagando densidades aniquiladoras, todas elas dançando com extraordinária precisão em espectaculares órbitas elípticas sobre uma distância espaço-tempo de 14 biliões de anos-luz; Poder que concebeu sistemas moleculares incrivelmente complexos, compostos de fundações atómicas espantosamente intrincadas, todas operando de acordo com a mecânica da gravidade e de outras forças mal compreendidas que mantêm o núcleo atómico unido enquanto enxames de electrões mantêm o seu equilíbrio à volta de centros incrivelmente densos numa imitação microscópica das maiores galáxias; Poder que orquestrou as leis da propagação da luz e os espectros das cores dispostos em fantasticamente diversos padrões e comprimentos de onda, visíveis e invisíveis.

Entretanto, os investigadores procuram evidência desta incrível imensidade procurando uma diferença dificilmente discernível entre o fluxo arterial de alguns doentes cardiovasculares por quem se rezou e outros infelizes por quem não se rezou... uma diferença na pressão arterial entre um grupo de hipertensos por quem se rezou e outro grupo por quem não se rezou. É como se se pedisse a um compositor com uma capacidade e compreensão musical um quadrilião de vezes superior à de Ludwig von Beethoven que demonstrasse essa capacidade escrevendo as notas de “Three Blind Mice” (ou do “Malhão Malhão”).

Que mesquinho e insultuoso para qualquer divindade que estes investigadores clamam investigar quando o mais que podem pedir a quem criou sistemas biológicos desde algas a Sequoia giganticus e amibas a cérebros humanos “deixa ver se consegues fertilizar este óvulo numa placa de Petri com uma mão atada atrás das costas”."

"Por exemplo, uma experiência muito simples, cujos resultados deixariam pouca ou nenhuma dúvida sobre a eficácia da oração propiciatória poderia envolver a regeneração de um membro amputado. Tudo o que seria necessário seria uma amostra adequada de amputados como sujeitos e um número razoável de crentes que sinceramente rezassem por eles. Estes não deveriam ser difíceis de encontrar. Os investigadores poderiam usar tantas universidades e pessoas quanto possível – todos os crentes sinceros do país se necessário a rezar todos os dias por um ano para que pelo menos um amputado tivesse um membro regenerado e no final desse ano examinar todos os milhares de amputados procurando sinais de membros em regeneração.

Quando desta forma se demonstrasse a regeneração de um único membro então poderíamos ver evidência inequívoca do poder da oração. Este seria um teste real a apresentar perante o objecto imovível, a força irresistível, a omnisciência última, a supremacia omnipotente e omnisciente de que todos os crentes num ser sobrenatural dotam o Arquitecto Supremo. O criador de todo o Universo não deveria ter problemas em recriar um membro."

"Oração propiciatória é um pedido a Deus para mudar de ideias sobre o seu plano já estabelecido para o universo e fazê-lo correr de outra forma. Evidentemente isto implica que os planos de uma divindade perfeita, que teriam por definição de ser perfeitos, devessem agora ser alterados a pedido de um ser imperfeito. Esta é uma razão suficientemente lógica para refutar a possibilidade do efeito da oração propiciatória, uma vez que os seres perfeitos não podem ser influenciados por
falíveis mortais. No entanto, os crentes no poder dos deuses, santos e anjos acham que estes agentes são capazes de alterar ou suspender as bem estabelecidas leis do universo a seu belprazer ou a pedido de um crente através da oração."

Por fim, a conclusão:

"É desanimador ver o número de profissionais supostamente educados e inteligentes que estão envolvidos no processo fútil de tentar investigar o que não pode ser parte do universo físico e portanto não aberto ao exame científico. Como citado no meu artigo anteriro sobre o mesmo assunto, Erasmo de Roterdão descreveu estas pessoas como “procurando na completa escuridão aquilo que de qualquer forma não existe”. Não é o papel dos cientistas desperdiçar o seu tempo e dinheiro (e seguramente não o dinheiro dos contribuintes quando a investigação é financiada pelo NCCAM) investigar “aquilo que não existe de qualquer forma”. De facto na minha opinião aqueles que o fazem deveriam ser considerados “pseudo-cientistas”.

Será que os tentáculos do fanatismo politico-religioso e anti-científico envolveram a investigação médica? Parece-me que forças políticas, financeiras e ideológicas estão por trás do aumento da chamada medicina alternativa e que a oração propiciatória vem à cabeça do movimento."

sábado, abril 07, 2007

Pao Pao, de Pier Vittorio Tondelli

Pao Pao é um romance divertido e bem humorado e ao mesmo tempo repassado de um afecto nostálgico. Descreve o ano de serviço militar obrigatório do narrador, aproveitando para mais uma vez retratar a sua geração e falar dos seus amores e desamores. Acho-o inferior a Altri Libertini e a Quartos Separados (que continua a ser o meu preferido, de longe), mas é uma boa leitura.

sexta-feira, abril 06, 2007

Transamerica, de Duncan Tucker


Gostei muito deste filme. Tem um toque de Almodovar, na temática e nas personagens, sendo simultaneamente um road movie intimista e afectuoso. O argumento é excelente, as interpretações também - Felicity Huffman parece mesmo um homem! - tal como a banda sonora. É o tipo de filme que nos faz sentir bem, que nos deixa no final reconciliados com a vida.

quinta-feira, abril 05, 2007

Morocco, de Josef von Sternberg


Vi finalmente Morocco, que não é tão bom como pensava - a história um bocado linear, as personagens pouco verosímeis - mas é um magnífico veículo para Marlène Dietrich, que está fabulosa. Respira estilo e glamour por todos os poros, belíssima, sensual, fotogénica em cada plano, com um guarda-roupa espectacular. Gary Cooper muito jovem e bonito, com uma representação ainda reminiscente do cinema mudo, pouco convincente sobretudo na cena em que desiste da deserção, mas um excelente pareciro para a sedutora Marlène. O cinema nos tempos das estrelas.

quarta-feira, abril 04, 2007

Children of Men, de Alfonso Cuáron


Gostei do filme; vale sobretudo pelo ambiente sombrio e opressivo, com um argumento interessante, acção empolgante e boas interpretações. A mensagem em si não me parece muito forte, com várias pontas soltas e ideias mal desenvolvidas. Mas tem o que se pretende em ficção científica, um género de que já fui mais adepto do que agora - a criação de uma ambiente alternativo convincente - e o que se pretende de um filme - bom entretenimento, com a vantagem de ser inteligente.

domingo, abril 01, 2007

Samarcanda, de Amin Maalouf


Não é o livro de Amin Maalouf de que gostei mais, mas é mesmo assim uma leitura agradável. Lê-se como um conto das Mil e Uma Noites, com encontros amorosos em pavilhões com belas raparigas veladas, portas ocultas, intrigas palacianas, princesas persas, poesia, vizires ambiciosos. E sobretudo é uma exaltação da tolerância, encarnada em Omar Khayyam, personalidade admirável sob todos os pontos de vista, e também um retrato do Oriente e dos seus problemas endémicos. Amin Maalouf tem uma escrita leve e agradável, como noutros livros (As Cruzadas Vistas pelos Árabes, que foi o primeiro dele que li, Leão o Africano ou Origens; o que gostei menos foi O Rochedo de Tanios, que curiosamente foi o premiado com o Goncourt, mas também de Ian McEwan o livro que menos aprecio é Amsterdão, premiado com o Booker).